Investida do ELN contra base do Exército na zona rural de El Carmen, na madrugada de quarta-feira, foi o mais mortal desde que presidente de esquerda chegou ao poder

Gustavo Petro chegou à presidência da Colômbia cercado de expectativa e com um plano ambicioso nas mãos. Primeiro presidente eleito por um partido de esquerda no país, adentrou o Palácio Nariño com a promessa de levar a cabo um plano de "paz total", pondo fim a décadas de violência fratricida entre as forças de segurança e grupos armados e revolucionários. 

Negociadores rapidamente foram encaminhados para abrir janelas de diálogo e reuniões mediadas por parceiros internacionais tomaram forma, no que parecia indicar que um avanço finalmente estava por vir. Até que a violência retornou.

O ataque do Exército de Libertação Nacional (ELN), a última guerrilha em atividade no país, a uma base do Exército na zona rural do município de El Carmen, na madrugada de quarta-feira, foi o mais mortal desde que Petro chegou ao poder. Nove militares – sete soldados e dois suboficiais – morreram e outros oito ficaram feridos, aumentando ainda mais a desconfiança de setores da sociedade que veem o plano do presidente como uma utopia.

A retomada da violência também colocou em dúvida a realização de um novo ciclo de negociações, que estava previsto para acontecer em Cuba, embora as partes ainda não tivessem especificado uma data. Mesmo negociadores do governo colombiano questionam os rumos das negociações atuais.

— (Pergunto-me) se estamos falando com quem manda, ou pelo menos é cúmplice desse tipo de ação — questionou Otty Patiño, ex-companheiro de Petro no grupo guerrilheiro M-19 e negociador do governo com o ELN, em entrevista à W Rádio, na quarta-feira.

Críticas à condução das negociações pelo governo, e ao tratamento dado nos últimos meses a potenciais integrantes de grupos criminosos, ganharam voz na esteira do ataque. O procurador-geral da Colômbia, Francisco Barbosa, criticou o "caos" na gestão da ordem pública pelo governo Petro, acusando o presidente de manter uma "posição bastante relaxada" diante do tema.

— A paz total não pode ser esvaziar as prisões, legalizar a cadeia do tráfico de drogas ou fazer acordos políticos, sem dizer isso com organizações desse tipo, porque isso geraria uma espécie de anarquia (...) Não se pode colocar tudo no mesmo saco —, declarou em entrevista ao telejornal Noticias Caracol.

De acordo com Barbosa, as prisões e julgamentos de supostos criminosos diminuíram nos últimos meses devido a "essa distorção, essa desordem e esse caos no manejo da ordem pública na Colômbia".

Há alguns meses, Petro estava convencido de que poderia fazer com que líderes do ELN, homens com modos de seminaristas que sobreviveram décadas escondidos nas profundezas da selva, abandonassem a guerrilha assim como ele fez e aceitassem um caminho para abaixar as armas. Mas o caminho não foi tão simples como esperado.

Na virada do ano, Petro tentou fazer com que o diálogo avançasse rapidamente e anunciou um cessar-fogo do Estado com o ELN — uma medida que depois se mostrou unilateral, sendo desmentida pelo grupo guerrilheiro poucos dias depois.

Desde então, o cessar-fogo vem sendo perseguido como uma obsessão pelo governo, enquanto o ELN vê com ressalvas o plano, convencido de que seria suicídio baixar a guarda em meio à guerra que trava em seus territórios.

Em uma reunião convocada por Petro logo após o ataque, Patiño afirmou dar prioridade absoluta a um cessar-fogo e de hostilidades. O ELN, por outro lado, não pensa o mesmo.

O comandante Pablo Beltrán disse que este acordo significa permanecer como uma estátua e isso os coloca o grupo em risco. Beltrán está convencido de que as forças armadas colombianas estão em conluio com outros grupos armados com os quais o território é disputado, o Clã del Golfo e outros exércitos derivados de paramilitares.


Fonte: O GLOBO