Supermercado pagou indenização à família de João Alberto Silveira Freitas, mas apenas três acusados estão presos, um deles em prisão domiciliar

Porto Velho, RO -
Dois casos recentes de agressão com indícios de racismo na Região Sul ecoaram a morte de João Alberto Silveira Freitas, em 19 de novembro de 2020, véspera do Dia da Consciência Negra, em Porto Alegre. O inquérito foi concluído menos de um mês após o crime, mas até hoje os réus não foram julgados. Seis pessoas respondem por homicídio qualificado de Silveira.

Os seguranças Magno Braz Borges e Giovane Gaspar da Silva estão presos preventivamente. A ex-funcionária do supermercado Adriana Alves Dutra está em prisão domiciliar. Um funcionário da empresa de segurança, Paulo Francisco da Silva, e dois ex-funcionários do Carrefour, Kleiton Silva Santos e Rafael Rezende, respondem em liberdade ao processo.

Os advogados Carlos Barata e Gustavo Nagelstein, que representam a viúva Milene Borges Alves e outros parentes, explicaram que já foi firmado um acordo de indenização com a rede de supermercados, mas não podem revelar os valores. A punição criminal, no entanto, ainda não tem uma decisão.

— Esse mês se encerrou a primeira fase do processo e houve uma decisão da juíza de Porto Alegre remetendo os réus a júri. Mas estamos aguardando porque cabe recurso ainda das defesas. Dois deles ainda estão presos, e os demais estão soltos — disse Nagelstein.

O inquérito foi concluído em 11 de dezembro de 2020. Para a Polícia Civil, houve exagero nas agressões à vítima, que havia discutido com funcionários do supermercado, como resultado da fragilidade socioeconômica de João Alberto. “O racismo estrutural, que são aquelas concepções arraigadas na sociedade, foi fundamental na conduta dessas pessoas”, avaliou a delegada Roberta Bertoldo na época.

O Carrefour assinou um termo de ajustamento de conduta no valor de R$ 115 milhões no caso. O dinheiro é destinado para políticas de enfrentamento ao racismo. A empresa de segurança Vector, que era contratada pelo supermercado, também assinou um acordo.

Como no episódio de Silveira, dois casos em outubro envolvem seguranças de estabelecimentos comerciais, em Curitiba e em Canoas, na região metropolitana da capital gaúcha. Em Canoas, uma indenização de R$ 40 milhões deverá ser pedida hoje à Justiça à rede de supermercados UniSuper em ação civil pública do Centro Santos Dias de Direitos Humanos e a Educafro, pela agressão a dois homens negros em uma loja da empresa. Os dois foram espancados por seguranças em 12 de outubro, depois de serem acusados de tentar furtar pacotes de picanha e escondê-los na roupa. As agressões foram registradas pela câmera de segurança da loja.

O advogado da Educrafo Márlon Reis explicou que a ação visa a indenizar as vítimas por danos morais coletivos. Márlon afirmou que o processo pede uma “imposição ao supermercado de obrigações relacionadas a mudanças na vigilância patrimonial”. O caso ainda é investigado pela Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa de Canoas.

A UniSuper publicou em seu site um comunicado pedindo desculpas pela violência, que teria sido praticada por seguranças terceirizados. A rede afirmou que está à disposição das autoridades e se encontra “profundamente abalada” com o incidente. “Diante da conduta lamentável e cruel com a qual jamais concordaremos, encerramos o contrato com a empresa Glock Segurança, desligando os funcionários envolvidos, e iniciamos o trabalho de revisão de todos os nossos protocolos de segurança e de conduta”, declarou a empresa.

Cassetete e cão

Já as agressões em Curitiba foram em 22 de novembro. Dois homens negros foram ofendidos e atacados em sequência por Paulo César Bezerra da Silva, de 36 anos, que disse à Polícia Civil ser pago para fazer a segurança de lojas da região onde houve o incidente. Bezerra está preso preventivamente desde quinta-feira. O Ministério Público do Paraná ofereceu ontem denúncia contra o agressor por tentativa de homicídio triplamente qualificado e injúria racial. A acusação difere da conclusão do inquérito policial, de que Bezerra cometeu o crime inafiançável de racismo.

As agressões foram cometidas contra um morador de de rua e o músico Odivaldo Carlos da Silva. O promotor Marcelo Balzer Correia pediu que as vítimas sejam indenizadas por Bezerra. Odivaldo foi atacado na Rua Doutor Faivre, no Centro de Curitiba, por volta das 14h do dia 22. Segundo o Ministério Público, o segurança teria abordado o músico com ofensas.

“Ei, negro! Macaco! Morador de rua tem que morrer”, teria dito. A frase indica que Bezerra confundiu o músico com um sem-teto.

Segundo imagens de câmeras de segurança da rua, Bezerra desferiu em seguida vários golpes de cassetete no rosto, nas pernas e na nuca de Odivaldo e usou seu cachorro para atacá-lo. As agressões só pararam quando comerciantes e outras pessoas começaram a gritar para impedir o ataque.

No caso do morador de rua, a vítima estava sentada debaixo de uma marquise, na Rua Benjamin Constant, quando foi surpreendida com insultos, pontapés, golpes de cassetete e mordidas do cachorro de Bezerra, segundo a denúncia. Como foi com o músico, o segurança só parou de agredi-lo quando testemunhas resolveram intervir.

Ao portal G1, a defesa de Bezerra disse que não houve tentativa de homicídio e racismo. A advogada Daniely Mulinari acrescentou que espera que o acusado responda em liberdade ao processo, porque vem colaborando com a Justiça.


Fonte: O GLOBO