Entre os últimos representantes de um modelo de zoo que passa por remodelações no Brasil e no mundo, as macacas Sofia, Kika e Chiquinha e um veado-catingueiro não batizado têm a promessa de futuro ético
Porto Velho, RO - Elas têm quase a mesma idade. Sofia, de 18 anos, passou mais da metade de sua vida no zoológico municipal de Uberaba, em Minas Gerais. Vivia acorrentada pela cintura pelo antigo dono e foi resgatada graças a denúncias de vizinhos. Chiquinha, de 19 anos, chegou filhote, levada pelo Ibama. As duas macaco-prego e Kika, da espécie bugio, são os únicos animais do Zoológico Parque Jacarandá que ainda têm destino incerto. Sem conseguir manter os animais nas condições ideais exigidas por lei, a Prefeitura da cidade do Triângulo Mineiro decidiu fechar o zoo e transformar a área em um parque municipal.
Um veado-catingueiro de 20 anos (sem nome), que chegou em 2009 após ser atropelado numa rodovia e ficar com sequela numa das patas, sem poder voltar à natureza, já está com um pé fora de Uberaba. Até o fim de janeiro, ele será levado para o zoo de Belo Horizonte, que possui cerca de 3 mil animais de mais de 250 espécies. As três macacas ainda dependem da sorte de um médico da cidade, que corre contra o tempo para regularizar um santuário de animais silvestres para poder acolhê-las. Se conseguir, elas viverão o resto de suas vidas longe da curiosidade de visitantes.
É que ele busca autorização para uma modalidade de abrigo que não permite exposição pública ou reprodução. Caso contrário, elas serão entregues ao Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais e poderão ir para um dos centros de triagem existentes.
Voltar para a natureza não é uma opção. Kika nasceu no próprio zoo de Uberaba e as outras duas estão tempo suficiente em cativeiro para não mais conseguirem se adaptar à vida livre.
—O zoológico acabou no meio da cidade, o que gera estresse aos animais. Além disso, os recintos (os espaços onde estão os animais) ficam bem no meio da mata, o que cria dificuldade para o manejo adequado — diz o biólogo Paulo César Franco, do Zoo de Uberaba.
Origem sofrida
A história de como os animais que restam no zoo de Uberaba chegaram até ali é um retrato da manutenção criminosa e precária de muitos animais silvestres em casa.
—Sofia vivia acorrentada na árvore de uma casa. Ela chegou com sinais de ferimento, machucada na barriga e muito assustada. Tivemos que fazer um trabalho de enriquecimento ambiental e preparação para que ela entrasse no convívio com outros companheiros. Mesmo sendo um animal que já tem hábitos de vivência em grupo, demorou alguns meses para que aceitasse — conta Franco.
O Parque Jacarandá foi criado como bosque em 1966, em uma área de 33 mil m² rica em mata nativa. Passou à categoria de zoológico em 1991. No auge de funcionamento, entre os anos 2000 e 2005, chegou a reunir 70 animais e a receber até nove mil visitantes por mês, além de ter um projeto atuante de educação ambiental com escolas.
—Na época em que se decidiu ter um zoológico aqui, ficou acertado que trabalharíamos mais com animais do cerrado (bioma da região). Chegamos a ter animais exóticos, como pavão, e de outros biomas, como Mata Atlântica, mas o foco era o cerrado —lembra Paulo.
O zoo é hoje vizinho de um shopping e de um condomínio com oito torres de apartamentos, cada uma com 20 andares.
Em 2014, a Prefeitura de Uberaba fechou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público de Minas Gerais e se comprometeu a adequar as instalações do zoo ou encerrar as atividades.
Franco diz que a Prefeitura tentou a adequação, mas não conseguiu devido ao custo elevado de atender às exigências da legislação e até mesmo pela topografia do terreno, que nem sempre permitia a adaptação dos recintos.
A administração também chegou à conclusão de que a manutenção seria muito onerosa, não valendo a pena manter o zoo aberto. A decisão foi tomada em 2020, quando as visitações públicas foram encerradas. Desde então, os animais começaram a ser retirados. A maioria foi encaminhada ao Centro de Triagem e Reabilitação de Animais Silvestres (CETRAS) do município de Patos de Minas, um dos cinco existentes em Minas Gerais. A previsão é que a transferência dos animais restantes seja concluída até fevereiro do próximo ano.
— Continuaremos com o trabalho de pesquisa e conservação, mas não mais com animais em cativeiro. Temos parques aqui significativos, e vamos direcionar essas atividades para lá — diz Franco.
Até lá, a rotina dos animais segue normal, com assistência biológica, veterinária, cuidados com alimentação e enriquecimento ambiental. A população entendeu e apoia a decisão, conta o biólogo.
—Construímos e apresentamos bem à população as dificuldades. Claro que alguns lamentaram, mas não houve manifestação contrária — afirma.
Quando as macacas forem retiradas, a área será transformada em parque. O bosque será reformado e entregue para a população como área de lazer, preservação e educação ambiental, recuperando a importância do espaço.
Chiquinha, de 19 anos, foi levada pelo Ibama ainda filhote para o Zoológico de Uberaba — Foto: Divulgação/ Jorge Ferreira
Modelo em transição
O fim ou a remodelação de zoológicos têm sido uma constante em várias cidades do país, acompanhando um debate mundial sobre a permanência de animais, sem sofrimento, nestes espaços tais como eles se apresentam. De um lado, especialistas argumentam que os espaços aumentam o estresse dos animais, favorecem que desenvolvam distúrbios pela falta de estímulos e apontam casos noticiados de maus-tratos em zoológicos . Por outro, reconhecem que os zoos também cumprem um papel importante de educação, conservação e preservação de espécies diante do desmatamento no planeta.
No ano passado, o antigo zoológico do Rio de Janeiro reabriu com novo nome — BioParque —e aparência, com menos grades nos recintos e dedicado a conservação e pesquisa científica.
O zoológico de São Paulo, que já vem passando por reformulações, prepara a maior reforma em 40 anos, com melhorias nos recintos e maior foco em educação ambiental e bem-estar dos animais. O zoo será integrado aos vizinhos Zoo Safári e Jardim Botânico que, juntos, vão virar o chamado Biosfera Parque.
Segundo Franco, muitos países têm buscado sensibilizar as pessoas de que, no lugar de zoológicos, se multipliquem santuários, com manutenção de animais em ambiente natural.
Fonte: O GLOBO
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