Primeiro e único brasileiro a jogar no futebol americano profissional ajudou a pavimentar caminho para primeira partida no país, e inicia no domingo a sua 11ª temporada

Cairo Santos, primeiro brasileiro da história da NFL — Foto: Quinn Harris / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP

Porto Velho, Rondônia - 
Carinhosamente apelidado de "zica das bicudas" desde que estreou em um campo na NFL, em 7 de setembro de 2014, Cairo Santos é dono de uma trajetória marcante à sua maneira. Convivendo com os ônus e os bônus de jogar em uma posição subestimada no futebol americano, mas recorrentemente primordial, o primeiro brasileiro da história da liga está a um dia de completar uma década como kicker profissional, sendo um jogador mais provado do que nunca, e justamente quando a organização desembarca pela primeira vez para um jogo em seu país.

As quatro temporadas completas com o Chicago Bears, até o momento, devolveram Cairo a um posto que almejava nos três primeiros anos, quando surgiu para o mundo no Kansas City Chiefs. Neste período de quatro anos, apenas em 2021 não teve um aproveitamento de chutes superior a 90%, que o coloca, sem grandes discussões, entre os chutadores mais consistentes da atual NFL.

O paulista de 32 anos, natural de Limeira, mas criado em Brasília, tem 220 field goals convertidos em 257 tentados nas dez temporada que atuou, totalizando um aproveitamento de 85,6%. Destes, 21 foram para mais de 50 jardas — seu recorde pessoal é 55 jardas, ou 50,29 metros —, marca sempre desafiadora. Números, porém, não são capazes de contar sua trajetória sozinhos.

— A palavra correta pra descrever a carreira dele é perseverança, resiliência. O Cairo Santos começou bem, mas se machucou e acabou sendo cortado. Ele poderia ter, basicamente, se aposentado — afirma Paulo Antunes, comentarista da ESPN. — Muitos kickers, ou jogadores da NFL, de modo geral, quando se mostram suscetíveis a lesões, os times perdem totalmente o interesse. É difícil você navegar esse cenário mentalmente. E ele nunca desistiu.

— É muito significativo esse momento na carreira do Cairo Santos. E o que explica a longevidade dele é justamente um mental muito forte, um psicológico muito forte. Em nenhum momento, deixou essas lesões tirarem o foco dele mesmo. Não foi abalado por isso. E isso me mostra uma tremenda de uma maturidade mental — completa Antunes.

Destino inesperado

Cairo chegou aos EUA para jogar o futebol da bola redonda, que era seu grande sonho. No entanto, quando estava no ensino médio, foi convencido a conhecer o esporte da bola oval, que sequer passava em seu radar. O que se sucedeu foi uma carreira de destaque na Universidade de Tulane, com direito ao prêmio de melhor kicker do país em 2012 e, apesar de não ter sido escolhido no draft dois anos mais tarde, terminou contratado pelos Chiefs.

Na derrota por 26 a 10 para o Tennessee Titans, na primeira rodada da temporada de 2014, ele converteu seu primeiro field goal, e nunca mais parou. Hoje, Kansas City é o atual bicampeão de NFL e venceu três dos últimos cinco Super Bowl, mas Cairo jogou por lá em uma época prévia ao fenômeno Patrick Mahomes.

Patrick Mahomes e Cairo Santos — Foto: David Eulitt / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / Getty Images via AFP

O quarterback entrou na liga em 2017, que acabou sendo o último ano de Cairo nos Chiefs. A posição de kicker é ingrata e castiga mais os erros do que consagra os acertos. E também é volátil. Ao machuca a virilha em uma partida, foi substituído pelo calouro Harrison Butker — até hoje na equipe — e dispensado.

A partir daquele momento, começou a parte mais ingrata da carreira do brasileiro, que, mesmo após três anos chamativos, não mais se firmou como titular, passando por Bears, Los Angeles Rams, Tampa Bay Buccaneers e Titans, sem conseguir fazer dez jogos em um ano — uma temporada tem 17. Porém, em 2020, surgiu a nova oportunidade em Chicago, cidade considerada difícil de chutar em função dos fortes ventos e do frio.

De volta ao topo

As condições não amedrontaram o kicker, que agarrou a oportunidade e fez daquela temporada a sua melhor em questão de aproveitamento (93,8%). Desde então, não perdeu mais o posto de titular. No ano passado, teve a segunda melhor porcentagem da carreira (92,1%) e o ano com mais pontos totais (136).

Indo para sua 11ª temporada, Cairo estará em ação neste domingo, a partir das 14h (horário de Brasília), quando os Bears estreia na temporada contra os Titans, personagem recorrente em sua vida. Hoje, o kicker é o líder de uma equipe que se reforçou muito bem, e agora será comandada pelo talento de Caleb Williams, quarterback escolhido na primeira escolha geral do último draft. Se haverão novos bons ventos em Chicago, o brasileiro deverá estar envolvido.

— Muita coisa que o Cairo fez pode ser considerada uma inspiração. Não só para um brasileiro, tentando uma chance nos Estados Unidos, mas qualquer pessoa. Ele já passou por muita coisa na carreira, se reinventou, evoluiu. Exemplo para qualquer pessoa, em qualquer profissão — frisa Antunes. — Ao meu ver, deveria ter vários brasileiros chutando bolas na NFL. Porque, se você sabe jogar futebol, vai saber chutar uma bola de futebol americano, como kicker.

Cairo Santos vai para sua 11ª temporada na NFL em 2024 — Foto: Instagram

E, claro, hoje, ele assistirá seu país receber o primeiro jogo da história, o encontro entre Philadelphia Eagles e Green Bay Packers, às 21h15, na Neo Química Arena, estádio do Corinthians, seu time do coração. A partida é resultado da consolidação do esporte em terras verdes e amarelas, processo do qual ele ajudou a participar, colocando várias pedras — ou chutes.

Desde que Cairo entrou na liga, segue sendo o único brasileiro. O jogador de linha Durval Queiroz Neto, o Duzão, chegou a treinar com o Miami Dolphins, mas nunca entrou em campo na NFL. A esperança passa a ser o quarterback Davi Belfort, que inicia sua carreira universitária em Virginia Tech. Servindo ou não de inspiração para futuras gerações, o kicker pode estar satisfeito por já ter feito muito pelo futebol americano do Brasil, com margem para mais.


Fonte: O GLOBO