Na semana em que conhece seus adversários no único torneio grande no ciclo até a Copa do Mundo, a seleção tem dois técnicos e nenhum técnico

Uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro determinou ontem a destituição do presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, e a convocação de novas eleições nos próximos 30 dias. A complexidade jurídica do caso e seus desdobramentos merecem mais análise e mais estudo antes da emissão de juízos de valor.

Mas um outro evento ocorrido ontem, poucas horas depois da decisão tomada pela justiça, mostra que pelo menos uma mudança precisa acontecer na CBF: a maneira como a entidade trata a seleção brasileira.

No mesmo dia em que o futuro político da CBF era decidido numa sala do segundo andar do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o abandono da seleção por parte dessa mesma confederação ficou exposto num centro de convenções em Miami.

No sorteio que definiu os grupos da Copa América de 2024, o único grande torneio a ser disputado pelo Brasil antes da Copa do Mundo de 2026, não estava presente o técnico da seleção brasileira e nenhum membro de sua comissão técnica.

Pior: talvez essa ausência ontem até faça algum sentido, o que só torna tudo ainda mais embaraçoso. Afinal, quem será o treinador do Brasil na beira do campo durante a Copa América do ano que vem?

A julgar pelo que a CBF deixou vazar até agora, não será Fernando Diniz, o interino escolhido para dirigir a seleção enquanto dirige o Fluminense — com resultados muito bons no emprego principal e muitos ruins no temporário.

Se Ednaldo Rodrigues não estiver mentindo para o público — e, de novo, aqui não há nenhum motivo para desconfiar que esteja — o técnico da Copa América será Carlo Ancelotti, hoje no Real Madrid.

Tem-se, portanto, a seguinte situação: na semana em que conhece seus adversários no único torneio grande no ciclo até a Copa do Mundo, a seleção tem dois técnicos e nenhum técnico.

Na véspera do sorteio, Fernando Diniz dirigiu o Fluminense no jogo contra o Grêmio, pelo Campeonato Brasileiro, e imediatamente depois disso começou a preparar seu time para o Mundial de Clubes.

Enquanto isso, Carlo Ancelotti pensa no jogo contra o Real Bétis, amanhã, pelo Campeonato Espanhol, e no duelo contra o Union Berlin, na semana que vem, pela Uefa Champions League. Seleção brasileira?

É impossível prever qual será o desfecho da crise política em curso na CBF. Ednaldo Rodrigues certamente vai recorrer da decisão judicial para tentar recuperar o cargo de presidente. Enquanto isso, outros grupos políticos vão se movimentar para tentar emplacar o sucessor de Ednaldo e dar outros rumos à confederação.

Seja qual for a conclusão, seja quem for o presidente, a seleção brasileira não pode continuar abandonada como está. O conflito de interesses que significa a presença de Diniz nos dois empregos precisa acabar. Não existe tal coisa como “dupla prioridade”, e a tabela de classificação das Eliminatórias para a Copa do Mundo é prova suficiente.

A contratação de Carlo Ancelotti precisa ser esclarecida. Há um contrato assinado? Começa a trabalhar quando? Fernando Diniz vai continuar de alguma maneira? A crise política deveria ser encarada — por Ednaldo Rodrigues ou por quem substituí-lo — como uma oportunidade de cuidar melhor da seleção.


Fonte: O GLOBO