Modelos são definidos de acordo com o estado. Desafio da Reforma Tributária será criar uma lista nacional sem deixar de lado os aspectos regionais

Há mais de 60 anos, o tributarista Alfredo Augusto Becker cunhou o termo que até hoje é usado para explicar as regras que regem o sistema de impostos brasileiros: "manicômio jurídico-tributário". A tributação da cesta básica é um exemplo.
 
Na prática, o país tem hoje 28 cestas básicas e não há uma única definição do que deveria compor esse grupo de alimentos e produtos. Uma das cestas está definida na lei federal 12.839, de 2013, que trouxe uma composição de itens que foram isentos dos impostos nacionais. Estão incluídos alimentos como café, óleo de soja e margarina, mas também produtos de higiene como pasta de dente, sabonete e papel higiênico.

As 27 outras cestas básicas para definição de alíquota menor de ICMS, imposto estadual. Elas incluem diferenças regionais e interesses locais que acabaram contemplados em alíquotas reduzidas — desde a tapioca, em Pernambuco, até o anti-inflamatório, em São Paulo, passando pelo lápis e a borracha, no Acre.

Há ainda o queijo petit suisse e a geleia real em Minas Gerais e a rapadura mista com amendoim no Paraná. Um dos desafios da Reforma Tributária será padronizar uma cesta básica única, sem perder de vista alimentos que são parte da rotina alimentar da região.

Telha e areia na cesta básica

Em 1938, um decreto do então presidente Getúlio Vargas definiu uma série de itens que iriam fazer parte dessa cesta básica. Essa relação é usada até hoje, por exemplo, pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) para a pesquisa mensal que monitora o preço da cesta básica. Lá, estão descritos: carne, leite, feijão, arroz, farinha, batata, legumes, pão francês, café em pó, frutas (banana), açúcar e óleo.

Oito décadas depois, essa lista cresceu. Não só porque as necessidades e hábitos alimentares mudaram, mas também em razão das exceções tributárias que foram incluídas pelos estados em suas regras locais. Itens de higiene, remédios, alimentos com baixo valor nutricional e até material de construção, como areia e telha, acabaram entrando na cesta básica.

O tributarista Carlos Eduardo Navarro, sócio da Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados, explica que o "manicômio" da cesta básica tem origem no início da década de 1960, quando foi criado o Imposto sobre Circulação de Mercadorias, o ICM - e, com ele, a possibilidade dos estados terem suas tributações próprias para mercadorias (o S, de serviços, que completa a sigla ICMS, veio depois):

— Os estados, então, passaram a ter essa preocupação. Levando em consideração aspectos culturais e as necessidades locais. Ao longo do tempo, no entanto, o que a gente viu foi que a pressão de determinados grupos aumentou a ampliação de itens que constam na cesta.

A falta de um padrão nacional

Na Constituição, a Lei Complementar 87/1996 garantiu aos estados e ao Distrito Federal as operações relativas ao ICMS e definiu diretrizes como a incidência do imposto e a base de cálculo. A partir dela, o Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) tem publicado, ao longo dos anos, convenções para simplificação e harmonização de exigências legais, em uma tentativa de colocar os estados "na mesma página".

Alguns desses convênios dizem respeito à cesta básica. Acontece que, nem o CONFAZ, nem a lei complementar 87/1996, definem quais itens devem fazer parte dessa cesta. É daí que partem as divergências, com produtos como chantilly, salmão e mascarpone beneficiados com tributações diferenciadas.

A forma como a desoneração acontece também varia, como explica Gilberto Ayres Moreira, sócio do escritório Ayres Ribeiro Advogados e membro da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF). A depender do estado, é aplicada uma isenção. Mas é possível também ter uma redução da base de cálculo do ICMS ou uma alíquota menor.

— É por isso que a ideia da reforma tributária e de colocar tudo isso em uma única legislação é tão boa. Imagina uma empresa de carnes que atua no Brasil inteiro seguindo uma legislação para cada estado, com uma cesta em cada um e regras de isenção locais — diz Ayres Moreira.

O que muda com a reforma

Com a Reforma Tributária, haverá a união das diferentes alíquotas dos 27 entes federativos em uma única: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que irá completar tributos estaduais e municipais. O novo sistema também irá unificar os três tributos federais (IPI, PIS e Cofins).

Tanto CBS, como IBS, terão uma única alíquota, que ainda será definida. No caso da cesta básica, o texto aprovado na Câmara determina que essa alíquota seja zerada.

Os desafios virão aí. O texto vai precisar contemplar regionalidades, ou seja, produtos que são parte da alimentação básica em determinadas regiões e, em outras, não. Outra questão é determinar quais itens podem entrar numa lista única, como ultraprocessados ou carnes de corte nobre, que são mais caras.

Para tributaristas e empresas, a definição de item e subitem pode gerar complexidade, onerar empresas com custos para adequação ao sistema e até criar mais litígios. Do outro lado, a amplitude da lista vai aumentar a gama de isenção, pode potencialmente ter de deixar o valor da alíquota única mais alta e até incentivar o consumo de alimentos de baixo valor nutricional, como alertam especialistas.


Fonte: O GLOBO