Após o breve discurso do presidente, militares desfilaram na Praça Vermelha da Moscou, com segurança reforçada e presença popular menor que em outros anos

O presidente Vladimir Putin adotou tom nacionalista e militar, habitual desde que sua invasão na Ucrânia começou há quase 15 meses, para acusar o Ocidente de tentar desmembrar a Rússia em um discurso no 78º Dia da Vitória. 

A celebração do triunfo soviético sobre os nazistas na Segunda Guerra Mundial, contudo, neste ano esteve esvaziada e com segurança reforçada após um suposto ataque de drones contra o Kremlin no dia 3, ressaltando dilemas enfrentados por Moscou.

A demonstração de poderio na habitual parada militar na Praça Vermelha foi menor que nos últimos anos, incluindo a utilização de um só tanque — um T-34 vintage, que restou do conflito que terminou em 1945 — menos blindados e lança-mísseis. A demonstração de aviões e helicópteros também foi suspensa sem maiores esclarecimentos. O centro esvaziado da capital, outrora lotada nas comemorações de 9 de maio, contrastava com o grande volume de militares.

—A civilização está novamente em um ponto de inflexão. Uma guerra real foi desencadeada contra nossa pátria — afirmou Putin, perante soldados e políticos russos, incluindo centenas que lutaram na Ucrânia, em um discurso de aproximadamente 10 minutos.

Buscando reforçar o apoio público vacilante à sua operação militar especial, nome usado pelos russos para o conflito, o presidente disse que as tropas na linha de frente têm o futuro da Rússia nas mãos. O endosso popular parece ter caído em meio à mobilização de reservistas em setembro, ao aumento de sabotagens e ataques de drones e a ganhos territoriais ucranianos no fim do ano passado.

Uma pesquisa do instituto independente Levada Center afirma que mais da metade dos cidadãos russos apoia o início de conversas de paz, enquanto cerca de 38% defendem a continuidade da operação militar.

— Estamos orgulhosos dos participantes da operação militar especial, de todos aqueles que lutam na linha de frente (...). Nada é mais importante agora que a tarefa militar de vocês. A segurança do país depende, hoje, de vocês — disse ele para uma Praça Vermelha, fechada para cidadãos comuns. — O futuro do nosso Estado e do nosso povo depende de vocês — completou, lançando mão do nacionalismo.

Desde que chegou ao poder em 1999, Putin transformou o Dia da Vitória em uma das bases ideológicas de seu governo e catalisador de nacionalismo. A União Soviética perdeu 27 milhões de pessoas naquilo que os russos chamam de Grande Guerra Patriótica, e a data ainda é bastante simbólica para muitos no país.

Apesar da participação popular reduzida em comparação com outros anos, uma série de ex-líderes soviéticos desembarcaram em Moscou. O quórum de atuais mandatários de antigas repúblicas da URSS também foi um dos mais altos dos últimos anos: entre eles, os chefes de governo de Bielorrússia, Cazaquistão, Armênia, Quirguistão, Turcomenistão, Uzbequistão e Tajiquistão.

Putin criticou as "elites ocidentais globalizadas", acusando-as de "provocar conflitos sangrentos" e de conspirarem para sua aniquilação total. Na lapela de seu paletó, o presidente usava uma fita de São Jorge, emblema militar czarista recuperado tanto pelos soviéticos quanto pelo Kremlin desde que chegou ao poder — símbolo vetado em algumas ex-repúblicas soviéticas.

— O objetivo deles, e não há nada de novo aqui, é conseguir o colapso e a destruição de nosso país, destruir os resultados da Segunda Guerra Mundial e, finalmente, quebrar o sistema de segurança global e o direito internacional, estrangular qualquer centro de desenvolvimento soberano — afirmou Putin, que frequentemente justifica sua invasão em parte como uma luta contra um governo ucraniano que já classificou como "abertamente neonazista" e controlado por "pequenos nazistas".

Desfiles cancelados

Após afirmar que a Rússia é alvo de uma "conspiração internacional" e que "qualquer ideologia supremacista é criminosa", o presidente afirmou ironicamente que para os russos não há "povos hostis, nem no Ocidente nem no Oriente". Segundo ele, "como a grande maioria de pessoas do planeta, queremos ver um futuro de paz, liberdade e estabilidade".

O desfile militar ocorreu logo após o discurso de Putin, e o desânimo explica-se também pelas ameaças de sabotagem após o ataque contra o Kremlin na semana passada — os russos acusam os ucranianos, que por sua vez classificam o ato como uma sabotagem de Moscou para justificar assaltos aéreos mais fortes contra o país vizinho. Na segunda-feira, 35 drones foram lançados contra Kiev. Houve novos ataques nesta terça.

Com as tropas e centenas de milhares de reservistas nas linhas de frente, desfiles militares e queimas de fogos foram suspensos em 24 cidades pelo país, algumas delas a milhares de quilômetros da Ucrânia, como na Sibéria. Algumas regiões citaram preocupações de seguranças, enquanto outros culparam questões "éticas e morais" devido à guerra em curso.

Em outro sinal de que o apoio popular à operação diverge da retórica presidencial, os desfiles do chamado Regimento Imortal também foram cancelados pelo país. A marcha cidadã que começou em 2012 com a bênção das autoridades porque buscava inicialmente retratar os pais e avós que sofreram perdas nas guerras.

Momento importante

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, por sua vez, comemorou nesta terça o Dia da Europa, um dia depois apresentar ao Parlamento uma proposta para marcar a data como tal — até 2015, o país celebrava também o Dia da Vitória. O novo marco, celebrado pela União Europeia, marca o aniversário da Declaração de Schuman, em 1950, embrionária para o que hoje é o bloco.

Kiev, que é candidata à adesão à UE, recebeu nesta terça a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. Ela afirmou que sua presença é "simbólica", mas também sinal de que "a UE está trabalhando de mãos dadas com a Ucrânia em muitas questões". Zelensky, por sua vez, pediu que o grupo acelere o processo de ingresso ucraniano e envie munições mais rapidamente.

— Falamos de uma questão-chave: a rapidez da aquisição e entrega dessas munições. Sua necessidade é sentida no campo de batalha — afirmou o presidente;

Kiev se prepara lançar uma aguardada contraofensiva nesta primavera boreal (outono no Hemisfério Sul) — a expectativa inicial era que os avanços ucranianos acontecessem ainda em abril, algo que não ocorreu. Sinalizando que aprenderam com erros anteriores, os russos ergueram uma linha de defesa de 800 a 900 quilômetros para evitar avanços de Kiev.

Agora, alguns analistas afirmam que os planos podem ser adiados para o início do verão no Hemisfério Norte, em meio a declarações vindas da alta cúpula ucraniana de que os ataques podem ficar aquém do esperado pelo Ocidente. Documentos do Pentágono vazados no mês passado também indicam que os ucranianos enfrentam dificuldades.


Fonte: O GLOBO