Retroceder na negociação não é tarefa trivial, mas representaria sinal de juízo

Fluminense, presidido por Mário Bittencourt, faz parte da Liga Forte União — Foto: LUCAS MERÇON/FLUMINENSE

Porto Velho, Rondônia - Clubes da Liga Forte União (LFU) se reuniram na semana passada e se reunirão, novamente, para tomar uma das decisões mais importantes do ano. Seus dirigentes deliberam sobre alteração na venda de parte dos direitos comerciais do Brasileirão para investidores, coordenados por LCP e XP. Há quem queira reduzir o percentual entregue a esses terceiros; há quem queira manter como está e receber o valor estipulado em contrato. A ver se prevalecerá a coisa rara do futebol, o juízo.

Juízo neste caso é mudar o acordo para diminuir percentuais e valores, adianto. Cartolas venderam 20% dos direitos de transmissão do Brasileiro por 50 anos para esses terceiros. Em troca, receberiam R$ 2,6 bilhões já. A primeira parcela foi paga em outubro de 2023 e permitiu que muitos clubes, os desesperados, conseguissem fechar a temporada.

A parcela já quitada equivale a 12% dos direitos para os integrantes da Série A, salvo uma ou outra exceção. O que se discute é uma saída simples para um problema complexo: que tal desfazer a venda dos 8% restantes? Os clubes não entregam, os investidores não pagam, dá-se o negócio por resolvido como está. Na Série B, percentuais estão abaixo disso.

Juízo é reduzir o contrato porque, uma vez que não há liga, hoje existe discrepância letal entre LFU e Libra. Do jeito que está, o Flamengo se apropriará de 100% do faturamento a que tiver direito em seu bloco, com os direitos de transmissão do Brasileiro, enquanto o Fluminense receberá apenas 80%, pois o restante foi cedido a investidores. Por 50 anos!

A contrapartida é que o Flamengo não recebeu dinheiro pela venda desses direitos. Já o Fluminense negociou seu percentual por R$ 213 milhões e recebeu R$ 122 milhões no ano passado. Sem essa parcela, não teria conseguido pagar as contas e seria obrigado a vender jogadores, o que talvez tivesse comprometido a Libertadores. Ou seja, é justo dizer que houve benefício esportivo. Também é verdade que o dinheiro caiu na conta e acabou. Já foi, já era.

Este é o dilema que está diante não só da direção do Fluminense, mas de Botafogo, Cruzeiro, Internacional, Vasco e todos os membros da LFU. Se o dirigente insistir no acordo atual, terá direito ao valor previsto em contrato. Isto dará a ele a chance de contratar alguns atletas, de não se desfazer de outros e então tentar ganhar alguma coisa. Ao preço dos próximos 49 anos de desigualdade nas cotas de direitos de transmissão, em relação a quem não vendeu nada.

Retroceder na negociação não é tarefa trivial. Os clubes lançaram esses valores em balanço financeiro no ano passado e terminaram todos com superávits vistosos, dizendo para suas torcidas que está tudo bem, tudo legal. Se eles fizerem a reversão de dezenas de milhões de reais este ano, dá-lhe prejuízo em todo mundo. Sem falar naqueles que montaram seus orçamentos para 2024 contando com o pagamento da parcela deste ano para fechar a conta.

Esses são pormenores para gerentes financeiros e contadores, se muito auditores. Eles que se resolvam. Aos presidentes, cabe pesar o que é mais relevante para a competitividade de seus clubes nas próximas cinco décadas. Quando eles venderam os direitos para investidores, achava-se que a Libra também venderia. Pois bem. Não vendeu. Agora a discrepância está escancarada, e ela é danosa, por mais que não se queira falar em público. Juízo, cartolas. Juízo.


Fonte: O GLOBO