Acesso e descenso entre as Séries A e B podem interferir nos valores dos contratos dos direitos de transmissão

Na luta contra o rebaixamento, Vitória reclama que clubes de liga rival se recusam a emprestar jogadores — Foto: Victor Ferreira/Vitória

Porto Velho, Rondônia - Quando se organiza um campeonato, pretende-se que as circunstâncias sejam as mais justas, para que ninguém leve vantagem indevida e, logo, a disputa se resolva somente pelo mérito de quem está em campo. Obviedade. Mas o futebol brasileiro tem um gosto peculiar por desafiar obviedades quando se trata da organização e, inclusive, do negócio do esporte. A cilada que dirigentes armaram para o Campeonato Brasileiro de 2024 em diante já está montada.

Direitos de transmissão estão sendo vendidos pela primeira vez na história por dois blocos de clubes. A Libra tem atualmente um integrante na zona de rebaixamento do Brasileirão, o Vitória. A Liga Forte União (LFU) tem três; Corinthians, Cuiabá e Atlético-GO. Já a tabela da Série B mostra um quadro numericamente parecido. Enquanto a Libra tem o Santos entre os quatro potenciais promovidos, a LFU se reforçaria em 2025 com Novorizontino, Mirassol e Vila Nova.

Esse sobe e desce importa para os blocos porque é o número de clubes que determina a quantidade de partidas que eles vendem para as mídias. Na Libra, o contrato com a Globo estabelece que deve haver nove integrantes na Série A. Cada um abaixo disso, o valor reduz em 11%. Na prática: se o Vitória não cair, melhor para o bloco, que garante a chance de manter nove membros na primeira divisão, considerando que o Santos necessariamente tem de subir.

Embora do lado da LFU o impacto financeiro ainda não esteja quantificado, pois os direitos de transmissão ainda estão sendo vendidos, a lógica é semelhante. O descenso do Corinthians seria ruim para a mídia que comprasse os direitos da Série A. Ela iria dormir sonhando com 19 partidas de mandante do gigante e acordaria com 19 do Novorizontino. O que há de melhor, nesta hipótese, são as transmissões de mandante de Flamengo, Palmeiras, São Paulo etc.

Pois bem, vejamos o problema. Se o rebaixamento de um clube tem potencial de desvalorizar o contrato de direitos de transmissão em centenas de milhões de reais, como ficam os últimos jogos da temporada? Na 38ª rodada, o Vitória enfrenta o Flamengo, que pode já não estar mais brigando por nada no topo da tabela. Na 37ª, o Fluminense pega o Cuiabá, que pode já estar rebaixado e não ter mais nada a perder. São duas possibilidades entre outras tantas à mesa.

O leitor cético dirá que os tais blocos não são tão unidos, que é papo de jornalista. E eu volto com informação. Algumas semanas atrás, o presidente do Vitória, Fábio Mota, mandou um áudio para os demais dirigentes da Libra com um apelo por reforços. Relatou ele que tentara contratar jogadores por empréstimo de Athletico-PR, Cruzeiro e Internacional, e todos esses rejeitaram, sob a justificativa de que só fariam negócio com membros da LFU, não da Libra.

Evidente que são situações distintas. Uma coisa é não emprestar atletas para um rival que, se bem-sucedido, prejudicaria seu contrato de televisão. Outra é manipular o resultado de uma partida com a mesma finalidade. Informo sobre o caso para que se lembre: também se joga o jogo nos bastidores. Cartolas não deveriam ter permitido na história da quase liga é que disputas comerciais pudessem ferir a integridade do Campeonato Brasileiro. Deu no que deu.


Fonte: O GLOBO