O prefeito de São Paulo e candidato à reeleição, Ricardo Nunes (MDB), e o ex-presidente Jair Bolsonaro — Foto: Fotos de Edilson Dantas/O Globo e Evaristo Sá/AFP
Porto Velho, Rondônia - Na corrida para tomar espaço de Pablo Marçal (PRTB) e garantir a vaga no segundo turno em São Paulo, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) vem operando uma guinada à direita desde sua participação no ato contra Alexandre de Moraes no 7 de setembro. Para isso, vem pagando um pedágio ao bolsonarismo que inclui um périplo por canais conservadores e a mudança de posição em temas como a vacinação contra a Covid-19 e o impeachment de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Na terça-feira, Nunes deu entrevista para o jornalista Paulo Figueiredo, um dos alvos do inquérito de fake news do STF que teve seu passaporte cancelado por Moraes e que mantém um canal de direita popular entre bolsonaristas.
Na transmissão, que não constou na agenda oficial de campanha, o prefeito disse ser a favor da apresentação do pedido de impeachment caso os diálogos entre auxiliares do magistrado sugerindo cruzamento de informações entre o Supremo e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) à margem dos ritos oficiais para abastecer inquéritos contra bolsonaristas, revelados pela Folha de S. Paulo, procedam.
Até o 7 de setembro, o prefeito declarava não ser a favor do impeachment do ministro. “A manifestação é para garantir o Estado Democrático de Direito. Então estarei lá nesse contexto. Não vou defender o impeachment,” disse Nunes em sabatina da Rádio Eldorado no último dia 2.
Na quarta-feira, foi a vez do Te Atualizei, canal mantido por Bárbara Destefani que tem 2,1 milhões de inscritos. A transmissão ao vivo ganhou contornos de uma sabatina interna do bolsonarismo, quase como uma “discussão de relacionamento”.
Bárbara, que vota em Belo Horizonte (MG) e antes da entrevista era crítica ao apoio de Bolsonaro a Nunes nas rodas bolsonaristas, durante a transmissão se disse várias vezes “eleitora” e “apoiadora” de Nunes, o que ela também fez na entrevista com Marçal no último dia 10. Nessa condição, questionou diversas vezes o prefeito sobre polêmicas que “doem no coração” de apoiadores de Bolsonaro.
Empenhado em ser aceito, Nunes disse ter errado ao exigir o comprovante de vacinação na cidade durante a pandemia e se declarou contra a imunização obrigatória para prevenir a Covid-19.
“Eu tenho muita humildade de reconhecer os erros e poder falar daquilo que a gente acertou. Por exemplo, o passaporte da vacina, sendo hoje, eu não faria porque a gente percebe que foi uma ação errada e equivocada”, declarou o prefeito, embora a medida seja amparada pela ciência.
“Errar é humano, insistir é burrice”, completou.
Depois de ter resistido até o último minuto para aceitar em sua chapa o ex-comandante da Rota Ricardo Mello Araújo (PL), indicado por Bolsonaro, também disse que tem o vice em “alta estima”.
E para provar que sempre foi um político conservador, fez questão de exibir um vídeo de um discurso de 2015 em que combatia um trecho do Plano Municipal de Educação da gestão de Fernando Haddad (PT) que julgava representar a “ideologia de gênero”. A performance no microfone aos berros pareceu surpreender a própria apresentadora.
O emedebista também fez questão de dizer que “vai à missa todo domingo” e mantém relação “muito próxima” com evangélicos. Disse que, como prefeito, buscou fortalecer “o trabalho de evangelização” das igrejas. E garantiu ser ferrenhamente contrário ao aborto, à “ideologia de gênero” e a qualquer tipo de flexibilização de drogas.
Na conversa com Paulo Figueiredo, inclusive, prometeu retirar do ar o site de um serviço da prefeitura para a comunidade LGBTQIA+ que usa linguagem neutra, o que ele chamou de “essa merda”.
Guinada radical
O movimento de Nunes representa uma guinada radical para quem no início da campanha montou uma estratégia baseada em crescer conquistando o voto de centro. O motivo para isso é um só - o avanço de Marçal sobre o público bolsonarista, que só passou a refluir com a entrada do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) de cabeça na campanha.
No primeiro turno das eleições presidenciais de 2022, o prefeito apoiou Simone Tebet (MDB) e hesitou inicialmente em apoiar Bolsonaro na segunda rodada, embora tenha classificado Lula como uma escolha “impossível”.
Esse histórico fazia com que os bolsonaristas e Marçal considerassem que Nunes não seria suficientemente de direita – tanto que era vice de Bruno Covas, do PSDB, a quem Jair Bolsonaro já se referiu como “o outro que morreu” em 2021 ao criticar o ex-prefeito que faleceu durante o mandato, o que causou perplexidade no meio político.
O ex-presidente, aliás, também tentou se manter distante de Nunes, para não perder apoio dos próprios eleitores. Quando Marçal começou a subir nas pesquisas, ele ainda chegou a aconselhar Tarcisio a não bater de frente com o ex-coach, dizendo que se fizesse isso o governador assinaria seu “atestado de óbito” político.
Depois de alguns erros táticos de Marçal, porém – como chegar no final do ato de 7 de setembro e depois divulgar que foi barrado no carro de som –, Bolsonaro decidiu partir para a briga pública, no que teve o apoio do pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus.
Na ofensiva para retomar os votos perdidos para Marçal, a equipe de Nunes dividiu os eleitores de Bolsonaro em subgrupos para identificar onde e como deveria tentar conquistá-los.
De acordo com essa análise, a ala mais à direita do bolsonarismo já fechou com Marçal e não aceita Nunes porque o considera moderado demais. Mas um outro grupo bastante representativo, que não aceita as denúncias de suposto envolvimento de Marçal com o Primeiro Comando da Capital (PCC) nem a condenação do ex-coach por golpes financeiros, ainda poderia ser cativado.
Esse eleitor faz questão de que seu candidato se declare cristão, contra a “ideologia de gênero”, o aborto e descriminalização das drogas, além de ser favorável à anistia aos presos do 8 de janeiro e ao impeachment de Alexandre de Moraes.
Hoje, na avaliação de aliados próximos do prefeito, de certo mesmo só o apoio da fração de bolsonaristas que apoiam a agenda econômica liberal e rejeitam o candidato de Lula na capital, Guilherme Boulos (PSOL), mas não são tão apegados à pauta de costumes e não confiam em Marçal.
As pesquisas divulgadas nos últimos dias mostram que o movimento capitaneado por Tarcísio de Freitas começou a dar resultado.
Na Quaest, o prefeito passou de 19% no fim de agosto para 24% no último levantamento, divulgado na quarta-feira. Marçal, por sua vez, saiu de 19% para 24% na primeira semana de setembro, mas caiu para 20% na pesquisa mais recente. Hoje, Marçal aparece sete pontos atrás de Nunes e seis atrás de Guilherme Boulos.
O Datafolha desta quinta-feira registrou movimento parecido. Os dados detalhados das pesquisas mostram que Marçal desidratou entre homens, eleitores jovens, eleitores de Bolsonaro em 2022 e evangélicos.
Ainda segundo o instituto, Nunes ultrapassou Marçal entre o eleitorado evangélico. Ele aparece com 32% entre o segmento contra 26% de Marçal. O prefeito cresceu três pontos percentuais em comparação com o levantamento anterior, enquanto o rival do PRTB caiu quatro pontos percentuais.
Disputa pela direita
A aproximação com Bolsonaro era vista com muita cautela no núcleo próximo do candidato, uma vez que o ex-presidente amarga altos índices de rejeição na capital. Além disso, tanto ele quanto o governador Tarcísio de Freitas, seu afilhado político, foram derrotados na cidade de São Paulo no segundo turno de 2022 por Lula e Haddad, respectivamente.
O caráter de centro e centro-esquerda da metrópole foi, inclusive, usado como argumento pelo presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, para convencer Bolsonaro a apoiar a reeleição de Ricardo Nunes e rifar a candidatura do ex-ministro Ricardo Salles, que buscava representar o bolsonarismo raiz na disputa e recentemente deixou a sigla para se filiar ao Partido Novo.
As reservas do grupo de Nunes a Bolsonaro obstruíram por meses a definição de seu companheiro de chapa. O emedebista, que assumiu em maio de 2021 após a morte do prefeito Bruno Covas, não tem vice.
Enquanto o ex-presidente indicou o coronel Ricardo Mello Araújo, seu aliado próximo, com relativa antecedência no calendário eleitoral, o prefeito testou uma série de soluções caseiras – que iam de Aldo Rebelo (MDB), ex-comunista, a quadros conservadores como a vereadora Sonaira Fernandes (PL).
Com o crescimento de Marçal nas pesquisas, Bolsonaro passou a flertar com o ex-coach em uma estratégia para pressionar o prefeito de São Paulo a explorar seu apoio na campanha e acatar Mello Araújo como seu vice, o que ocorreu após muita resistência.
Os erros de Marçal e a ameaça de perder a hegemonia no campo da direita fizeram Bolsonaro recuar e Nunes aceitar o padrinho antes indigesto. O pedágio que Nunes está pagando agora sugere que talvez o prefeito tenha calculado mal suas chances de ganhar a eleição sem contar com Bolsonaro.
Fonte: O GLOBO
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