Rogério Ceron, secretário do Tesouro Nacional — Foto: Brenno Carvalho/Agência O Globo
Porto Velho, Rondônia - A equipe econômica ainda calcula o quanto a surpresa positiva com o crescimento de 1,4% PIB no segundo trimestre trará de alívio à arrecadação. Mas isso não deve mudar o arrocho orçamentário — atualmente, R$ 15 bilhões estão congelados. O secretário do Tesouro, Rogério Ceron, avalia que um novo bloqueio de recursos pode ser necessário para dar conta do aumento das despesas obrigatórias, como a Previdência, o que será anunciando na semana que vem.
Esse novo ajuste, porém, não deve superar R$ 5 bilhões, numa avaliação preliminar. Bloqueio ocorre quando as despesas crescem acima do previsto. Já o contingenciamento é quando as receitas vêm abaixo do esperado. Ceron afirma que “tudo está no radar”, quando questionado sobre um corte estrutural nas despesas. E admite que uma mudança na Previdência pode ser necessária num eventual novo mandato de Lula. Leia a entrevista:
A surpresa com o PIB deve trazer algum alívio na arrecadação. Será possível rever o contingenciamento de R$ 3,8 bilhões neste mês?
Há ambiente favorável pelo menos para que não tenhamos mais contingenciamento. Não sei se vai ser o suficiente para reverter. Todos os fatores são positivos do último relatório bimestral (em julho) para cá em termos de arrecadação. Mas não acredito que haverá alívio da pressão de despesas obrigatórias. Porém, também não vejo um cenário de grande pressão adicional.
O que seria uma grande pressão?
Abaixo de R$ 5 bilhões considero como uma pressão gerenciável. Mais do que isso, é mais agressivo. É mais ou menos essa ordem de grandeza, mas não sei o que virá ainda. Faz parte ter um bloqueio adicional, mas não me parece que teremos um volume acima de R$ 5 bilhões, que vá atingir R$ 10 bilhões. É o que sinto vendo o desempenho mês a mês.
A contenção de R$ 15 bilhões então é o piso para o ano?
O bloqueio não tem volta. O contingenciamento, em tese, tem alguma possibilidade (de ser revisto). Mas aquele espaço pode ser ocupado por alguma pressão adicional de bloqueio. Estamos no ajuste fino do encerramento (do ano).
O Orçamento de 2025 conta com quase R$ 170 bilhões em receitas adicionais. De onde virá o dinheiro?
Não há grandes medidas novas. O cenário é menos desafiador do que foi em 2024. Sabemos que o Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) não está performando tão bem, mas tem um efeito de dilação no tempo. O estoque está sendo julgado, vai ter que ser cobrado, e remunerada alguma parcela em algum momento, como sempre aconteceu na história.
Mas há R$ 18 bilhões no Orçamento com aumento de impostos de JCP (juros sobre o capital próprio) e CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e o presidente da Câmara, Arthur Lira, já indicou que não deve passar. Como resolver?
Vai ter que ser um trabalho conjunto do Executivo com o Legislativo. A responsabilidade pelo equilíbrio fiscal é de todos os Poderes.
O governo tem mirado o limite de tolerância da meta fiscal (-0,25% do PIB) e isso tem sido alvo de críticas, inclusive do TCU. Não é arriscado?
Tem riscos? É óbvio que tem, como qualquer estimativa. No final do ano sempre tem uma sobra aqui e outra acolá na execução de despesas. Então, faríamos um shutdown em todo o governo para depois falar que não era necessário? Se um real entrar a menos, quer dizer que a gente vai descumprir (a meta)?
No começo do ano, a discussão era quando nós iríamos alterar a meta porque era impossível o cumprimento. Mudamos para algo possível desde que se faça bloqueio e contingenciamento. Agora, discutimos se é melhor buscar o centro da meta. Estamos evoluindo positivamente.
Não está no radar da equipe econômica uma revisão estrutural de despesas?
Tudo está no radar. Estamos trabalhando para isso, já há medidas concretas. Entendo quando alguns analistas falam que não é suficiente. De tempos em tempos, precisa ser feita essa revisão. Principalmente, a grande despesa pública que é o regime previdenciário.
Uma nova reforma da previdência é um debate para esse governo?
Pode ser que, num eventual segundo governo (do presidente Lula), seja necessário. A preocupação é garantir que não seja necessário agora. O trabalho de revisão busca isso. A gente tem uma questão de judicialização muito grande que precisa ser enfrentada. São dezenas de bilhões todo ano.
Nosso discurso é consistente: vamos chegar em 2026 com o melhor resultado fiscal da última década. Estamos atentos à dinâmica das despesas obrigatórias e vamos atuar para garantir que elas não gerem um colapso (no funcionamento) dos órgãos públicos.
Analistas apontam que o modelo do novo auxílio-gás é um drible nas regras fiscais. Por que a equipe econômica incluiu no Orçamento essa brecha?
É natural que alguns analistas usem palavras de efeito para chamar a atenção. Acho que não é para tanto. O governo está ciente da necessidade de discutir e ajustar. Um ponto colocado é que pode ser um precedente ruim, gerando espaço para execução de outras despesas fora do Orçamento. É uma questão de macroarranjo que pode trazer incertezas. Isso está sendo discutido para chegarmos a uma solução que não traga essa percepção.
Com o nível de despesas que temos hoje, em 19% do PIB, é possível conter a trajetória da dívida?
A despesa primária em torno de 19% do PIB está compatível com o período de 2017 e 2018, que antecedeu a pandemia e de uma gestão que tentava reduzir o tamanho do Estado (governo de Michel Temer). Isso elimina a discussão de que há excesso de despesa primária. É suficiente para estabilizar a relação dívida/PIB? Não, vamos ter que iniciar um processo de geração de superávit primário. Isso acontece naturalmente com a regra do arcabouço, mas leva tempo.
Quanto tempo?
Mais ou menos dez anos para um ajuste de 1,5% do PIB. Acelerar isso depende do fiscal, mas também do PIB e da taxa de juros. Precisa ter uma combinação saudável: continuar crescendo em bom patamar, recuperando o fiscal e reduzindo o custo de rolagem da dívida. Estamos sendo muito francos sempre: é um processo de recuperação gradativa, equilibrado.
A equipe econômica está preocupada com o possível aumento da taxa de juros?
Uma eventual alta de juros não está atrelada à deterioração fiscal. Os números provam isso. No início do ano, as projeções eram de descumprimento da meta fiscal e redução dos juros. Agora, as projeções caminham para cumprimento da meta e aumento de juros.
Fonte: O GLOBO
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