Morte do presidente em acidente ocorre em momento complicado para a República Islâmica, que enfrenta severos problemas econômicos, crescente descontentamento popular e tensões geopolíticas

Porto Velho, Rondônia - O Ministério das Relações Exteriores do Irã confirmou, nesta segunda-feira, a morte do presidente Ebrahim Raisi, em um acidente aéreo em uma área remota de montanhas perto da fronteira do país com o Azerbaijão. Após 15 horas de buscas, equipes conseguiram avistar "completamente queimado", na madrugada desta segunda-feira (fim da noite de domingo no Brasil).

Segundo a mídia iraniana, o helicóptero fazia parte de um comboio presidencial com outras duas aeronaves que aterrissaram sem problemas em Tabriz, nordeste do Irã. No helicóptero que sofreu a queda havia nove pessoas:
  • o presidente do Irã, Ebrahim Raisi;
  • o Ministro das Relações Exteriores do Irã, Hossein Amirabdollahian;
  • o governador do Azerbaijão Oriental, Malek Rahmati;
  • o aiatolá Mohammad Ali Ale-Hashem, representante do Líder Supremo do Irã no Azerbaijão Oriental.
  • um piloto, um copiloto, o chefe da tripulação, o chefe da segurança e outro guarda-costas.
Problemas em série

A queda da aeronave ocorreu em um momento que não poderia ser mais complicado para a República Islâmica, que enfrenta severos problemas econômicos, crescente descontentamento popular e tensões geopolíticas.

Em abril, a nação persa travou ataques diretos sem precedentes com Israel, aumentando os temores de uma conflagração regional para além da Faixa de Gaza, onde o Exército israelense combate o grupo terrorista Hamas desde os ataques sem precedentes ao sul do país, em 7 de outubro de 2023. Além de apoiar o grupo palestino, o Irã também dá suporte a grupos armados que declararam solidariedade na luta contra o Estado judeu, incluindo o movimento xiita libanês Hezbollah e os houthis, milícia do Iêmen.

Tudo indica que o mau tempo causou o acidente, que ocorre poucos dias depois de autoridades graduadas americanas e iranianas terem mantido conversações por meio de intermediários para tentar conter a ameaça de um conflito mais amplo no Oriente Médio. O Departamento de Estado dos EUA disse que acompanhava de perto os relatórios sobre o acidente, e a Casa Branca afirmou que o presidente Joe Biden foi informado.

Cotado como sucessor

Raisi, 63 anos, foi eleito em 2021 e era havia muito tempo uma figura proeminente no Irã. Como presidente, ele supervisionava todo o trabalho do governo e era o segundo indivíduo mais poderoso na estrutura política do Irã depois do líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, de 85 anos. Visto por muitos analistas como potencial sucessor de Khamenei, seu destino deixa incerto a política doméstica iraniana. Com sua ausência, o primeiro vice-presidente, o conservador Mohammad Mokhber, assumirá e deverá organizar eleições dentro de 50 dias.

— [Isso será] um grande desafio para um país que enfrenta internamente uma severa crise de legitimidade e alta tensão com Israel e os Estados Unidos na região — afirmou Ali Vaez, diretor de Irã no International Crisis Group, um agência independente de prevenção de conflito, ao jornal americano New York Times.

Área de buscas pelo helicóptero do presidente do Irã — Foto: Editoria de Arte/ O Globo

Em um discurso retransmitido pela TV estatal enquanto as buscas ainda estavam em andamento, Khamenei disse que a nação não deveria se preocupar e “deveria rezar pela saúde” do presidente de Raisi e de todos que estavam na aeronave, afirmando que as pessoas não deveriam “ficar ansiosas ou preocupadas” porque “não haverá perturbações na segurança e na governança do país”.

A agência de notícias Fars também relatou pedidos para que o público orasse pelo presidente, e imagens de fiéis rezando no Santuário do Imã Reza, um dos locais mais sagrados do islamismo xiita, foram exibidas pela televisão estatal. Raisi nasceu em 1960 em Mashad, segunda maior cidade do país, localizada na região nordeste.

O helicóptero de Raisi caiu após ele visitar a cidade de Jolfa, a cerca de 600 quilômetros a noroeste da capital Teerã, para inaugurar ao lado do presidente azerbaijano, Ilham Aliyev, a terceira barragem que os dois países constroem no Rio Aras. O encontro ocorreu apesar das relações frias entre as duas nações devido a um ataque armado à Embaixada do Azerbaijão em Teerã em 2023 e às relações diplomáticas do Azerbaijão com Israel.

O general Mohammad Bagheri, chefe das Forças Armadas do Irã, disse que o Exército e a Guarda Revolucionária foram enviados para a área de busca, a alguns quilômetros ao sul da fronteira com o Azerbaijão. Segundo o Crescente Vermelho iraniano, havia 65 equipes na área. Vídeos postados no Instagram pela ONG mostraram equipes caminhando em um terreno acidentado em meio à forte neblina.

Pressões internas

Nações amigas e rivais ofereceram ajuda ao Irã, que nos últimos dois anos foi palco de meses de protestos liderados por mulheres após a morte da jovem curda Mahsa Amini, de 22 anos, sob custódia policial — reprimidos de forma violenta. O país também sofreu escassez de água pelas mudanças climáticas e, em janeiro deste ano, o ataque terrorista mais mortal desde a Revolução Islâmica, em 1979. O Estado Islâmico, um inimigo declarado do país, reivindicou as duas explosões na cidade de Kerman, que deixaram 80 mortos e mais de 200 feridos.

A economia está devastada por causa de sanções americanas, mau gerenciamento e corrupção, e as perspectivas da retomada de um acordo com o Ocidente para limitar o programa nuclear iraniano, o que traria um alívio às sanções, são mínimas. A moeda local teve uma queda recorde no fim de março, e a inflação tem sido dolorosamente alta há anos, frequentemente acima de 30%.

Eleições parlamentares em março revelaram uma séria crise de legitimidade depois que milhões de iranianos boicotaram a votação e uma facção de extrema direita obteve fortes ganhos.

— Isso mostra quão impopular é a República Islâmica atualmente em nível doméstico — disse Vaez, descrevendo “uma crescente divisão entre o estado e a sociedade”. (Com New York Times)


Fonte: O GLOBO