Especialistas alertam que as mudanças climáticas estão tornando esses eventos mais recorrentes e intensos

Porto Velho, Rondônia - A loja de roupas masculinas de Mickael Breitenbach, de 31 anos, estava cheia de mercadoria. Ele e o sócio fazem aniversário no mesmo dia, 5 de maio, e todo ano promovem um grande evento para impulsionar as vendas. Neste 2024 a chuva chegou quatro dias antes. A água subiu 2,5 metros dentro do comércio em Arroio do Meio, no Rio Grande do Sul, e o que escapou da enchente ainda foi levado por saqueadores. O prejuízo do pequeno empreendedor foi de R$ 550 mil.

Desde 2015, chuvas fortes e deslizamentos de terra já causaram ao país perdas de R$ 139,7 bilhões, segundo dados do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID). Nessa fatura, estão danos em habitações e instalações públicas, como escolas e hospitais; diferentes tipos de prejuízos públicos, como nos sistemas de transportes e na assistência médica emergencial; e prejuízos privados nos setores de agricultura, pecuária, indústria, comércio e serviço.

— Lavamos as peças que deixaram e vamos fazer uma promoção para conseguir algum capital de giro pelo menos. Mas só poderemos abrir depois de colocar outra porta — conta Mickael.

O S2ID é a rede pela qual estados e municípios comunicam à Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, ocorrências que vão de epidemias a queda de barreiras desde 2013; os cálculos com as perdas, no entanto, passaram a ser registrados apenas dois anos depois. É a partir das informações contidas na plataforma que a União decide acatar pedidos de emergência ou calamidade e repassa recursos às regiões afetadas. A partir desses dados, O GLOBO levantou os números registrados nas categorias chuvas intensas, alagamentos, inundações, enxurradas e movimento de massa.

Nesses quase dez anos, foram danificadas ou destruídas no Brasil 1,9 milhões de casas; 14,3 mil escolas; e 6,5 mil unidades de saúde. Na esfera pública, os maiores prejuízos estão na área de transporte, de R$ 17 bilhões. Já na iniciativa privada, o setor mais afetado é a agricultura, com danos de R$ 39,3 bilhões.

Prejuízos com chuvas — Foto: Editoria de arte

Prejuízos com chuvas — Foto: Editoria de arte

Pedro Fontão, coordenador do Laboratório de Climatologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), explica que as mudanças climáticas estão tornando esses eventos mais recorrentes e intensos, como a tragédia do Rio Grande do Sul que, ele reforça, é sem precedentes. Por conta dela, 2024 já é o ano com o maior número de desabrigados e desalojados desde 2013, início da série histórica. Além disso, o sistema de dados indica prejuízos de R$ 9 bilhões no estado.

Uma vítima por dia

Outro aspecto apontado por Fontão é um número cada vez maior de pessoas vivendo em áreas de risco. Segundo o Plano Nacional de Defesa Civil, publicado neste ano, 1.942 municípios têm parte da população em regiões suscetíveis a deslizamentos, enxurradas e enchentes. A quantidade é 136% maior do que a identificada em um levantamento de 2012. São 8,9 milhões de pessoas em locais de maior vulnerabilidade.

Os dados do S2ID mostram também que o volume de estragos decorrentes de chuvas se intensificou nos últimos anos. Mais da metade dos R$ 139,7 bilhões de prejuízos financeiros (R$ 74,6 bilhões) foi registrado a partir de janeiro de 2022. Além disso, o Brasil registrou nesse período mais de uma morte por dia por chuvas e deslizamentos. Não só em grandes tragédias, mas também em episódios pontuais que vão destruindo famílias no país.

Em março de 2023, Edivaldo Oliveira circulava pelo bairro Jorge Teixeira, um dos mais populosos de Manaus, por volta das 20h, quando precisou parar o carro para checar o nível de água no carburador. Ao deixar o veículo, percebeu o chão tremer e ouviu um estrondo. Em pouco tempo, só enxergava nuvens de poeira; depois, “uma escuridão tremenda”.

— Não saem da minha cabeça os gritos de socorro e as imagens das pessoas retiradas sem vida da lama — lembra ele.

Desde 2022 o mundo vive sob o efeito do El Niño, que modifica a temperatura terrestre de forma com que tenha mais chuva Sul do Brasil e mais seca no Norte. O fenômeno, no entanto, está para acabar, diz Fontão.

— A agência atmosférica da Nasa deve oficializar o fim do El Niño neste mês.

Após o fim do El Niño, é comum haver um período de neutralidade climática que pode chegar até cinco anos. No entanto, a chance da formação do La Niña já em agosto é de 70% e em setembro passa de 75%. Esse é um fenômeno de sinal trocado: o risco passa a ser de secas fortes no Sul e enxurradas no Norte.


Fonte: O GLOBO