Titulares das pastas ampliam espaço de redutos no orçamento, e já destinam mais verba que em todo o ano passado

A seis meses das eleições municipais, os ministérios do Turismo e da Integração Regional turbinaram os cofres de prefeituras dos estados de origem dos seus ministros e liberaram, só em janeiro, mais recursos a esses municípios do que em 2023 inteiro. No Ministério das Cidades, por sua vez, a quantia equivale a quase metade do total destinado no primeiro ano do governo Lula. As pastas afirmam seguir critérios técnicos na distribuição da verba.

Em comum, os ministérios são comandados por indicados de partidos aliados — União Brasil e MDB — e, nos três casos, os municípios mais contemplados são administrados pelo mesmo grupo político dos ministros. O dinheiro do governo federal servirá para obras como pavimentação de ruas, construção de praças e até a instalação de pórticos nas entradas das cidades.

Tucumã e Medicilândia, cidades no interior do Pará que, juntas, não chegam a 100 mil habitantes, vão receber essas estruturas para desejar boas-vindas a visitantes. Sem tradição turística, os municípios lideram o ranking das que mais foram contempladas com recursos do Ministério do Turismo neste ano. Ambas têm à frente prefeitos do União Brasil, o mesmo partido do ministro Celso Sabino, que comanda a pasta.

Em nota, a pasta diz que “tem firmado convênios com vários estados para incremento da infraestrutura turística”. Em 2023, o ministério não havia liberado recursos ao Pará.

Agora, dos R$ 23 milhões em convênios com cidades paraenses publicados neste ano, 62% foram para prefeituras do União Brasil. A sigla elegeu prefeitos em só sete da 144 prefeituras do estado na última eleição (quando ainda era DEM), menos de 5% do total.

Cofre cheio: ministérios turbinam redutos em ano eleitoral — Foto: Editoria de Arte

Esses investimentos têm servido de trunfo eleitoral aos prefeitos, que divulgam as obras e a boa relação com o ministro nas redes sociais.

— Três convênios já liberados. Uma grande reforma no terminal rodoviário, no mercado municipal e os dois pórticos das cidades. Temos, sim, que ser gratos ao nosso ministro Celso Sabino — celebrou o prefeito de Tucumã, Dr. Celso Lopes Cardoso (União), que deve concorrer à reeleição.

O prefeito disse que os recursos foram enviados por causa do trabalho junto a parlamentares e ao governo federal. “Conseguimos a verba porque o município precisa e fez o dever de casa com as exigências que a lei manda”, diz Cardoso, em nota.

Já em Medicilândia, o próprio Sabino esteve na cidade em fevereiro para anunciar o repasse de R$ 4 milhões para erguer uma nova rodoviária na cidade.

— Medicilândia hoje tem dois deputados e conseguimos agora, também, um espaço no Ministério do Turismo — disse o ministro, em discurso ao lado do prefeito Julio Cesar do Egito (União Brasil). Procurado, o prefeito não retornou.

Também do Pará, o ministro das Cidades, Jader Filho, foi outro a despejar verba nos municípios de aliados Em pouco mais de dois meses, a pasta publicou convênios que preveem o envio de R$ 232,6 milhões a prefeituras do estado, quase metade dos R$ 470 milhões autorizados ao longo de 2023. A maior fatia desses recursos (77,7%) ficará com prefeitos emedebistas, que comandam 60% dos municípios.

Irmão governador

O ministério nega influência política e alega seguir uma portaria de 2023 para definir quais cidades terão prioridade. “Os critérios consideram os indicadores socioeconômicos e o tamanho da população beneficiada”, diz a pasta, ressaltando a maioria de prefeituras do MDB no estado.

Jader Filho preside o diretório do MDB no Pará, estado governado por Helder Barbalho, seu irmão. Os dois são filhos do senador Jader Barbalho. Ananindeua, que teve Helder como prefeito até 2013, foi a mais contemplada com convênios neste ano. O município de quase 500 mil habitantes receberá R$ 22 milhões para obras viárias e de saneamento. Já a capital, Belém, ainda não teve convênios aprovados neste ano.

Ananindeua tem como prefeito o ex-presidente da Assembleia Legislativa paraense Dr. Daniel Santos, também do MDB, pré-candidato à reeleição. Ele afirma que os recursos são fruto de emendas que parlamentares indicam para a cidade, incluindo a sua mulher, a deputada Alessandra Haber (MDB-PA). É o ministério, contudo, que decide a ordem de municípios que serão contemplados primeiro e também é responsável pelos trâmites legais da assinatura dos convênios.

O casal esteve com Jader Filho na sede da pasta no dia 22 de fevereiro. A reunião foi registrada nas redes sociais por Santos.

— Os convênios já tinham saído (quando houve a reunião). Nossa pauta era política. O ministro é presidente do MDB no estado e temos eleições — disse o prefeito.

Mesmo nos casos dos convênios firmados no ano passado, a previsão é que boa parte do dinheiro seja desembolsado neste ano, segundo documentos analisados pelo GLOBO. Em Alenquer, por exemplo, o prefeito emedebista Tom Farias terá um superlativo impulso financeiro para quebrar um tabu local — desde 2000 um comandante do município não consegue se reeleger. A cidade deve receber R$ 13,1 milhões em abril para implantar um sistema de abastecimento de água potável.

Verbas para o Amapá

O ministro da Integração Regional, Waldez Góes, também ampliou a liberação de recursos para prefeituras de seu estado, o Amapá, às vésperas da disputa eleitoral. Foram R$ 61,8 milhões em convênios em janeiro, 19,6% a mais que o liberado em todo o ano passado. Governador do estado por quatro mandatos, Waldez é aliado do senador Davi Alcolumbre (União-AP), fiador de sua indicação ao cargo. O grupo político da dupla tem a maioria das 16 prefeituras do estado como aliadas. A exceção é Macapá, administrada por Antônio Furlan (MDB).

Embora a cidade do adversário político também tenha entrado na lista de beneficiadas, ao ficar com 28,2% dos recursos neste ano, mais da metade (53,4%) foi destinado para prefeituras do União Brasil, legenda de Alcolumbre, e do PDT, partido do ministro. As cidades de correligionários dos dois representam seis das nove que tiveram convênios publicados em janeiro. “Os projetos aprovados para a disponibilização de recursos são apresentados pelos entes (estaduais ou municipais)”, diz a pasta.

Com uma população 34 vezes menor que a capital, Macapá, a cidade de Tartarugalzinho, de 12.945 habitantes, foi a segunda mais contemplada no ano ao fechar dois convênios com a pasta em janeiro, no valor de R$ 12,5 milhões. Somando o que já havia sido reservado em 2023, contudo, o município assume a liderança no ranking, com 35,2 milhões, mais que o dobro dos R$ 16,8 milhões de Macapá, que não recebeu nenhum centavo no ano passado.

— Faço reivindicações aos parlamentares, como todo prefeito. Se tenho poder de articulação e infelizmente o outro (prefeito) não está conseguindo, aí vai da gestão política — disse o prefeito Bruno Mineiro (União), pré-candidato à reeleição.


Fonte: O GLOBO