Com o desgaste de Alexandre Padilha e sem base sólida em votações, Fernando Haddad vai entrar mais uma vez em campo

No momento em que enfrenta dificuldades para controlar os gastos públicos, o governo prepara uma ofensiva para tentar barrar bombas fiscais gestadas pelo Congresso, mas esbarra na crise enfrentada pela articulação política. 

Com o desgaste na interlocução com o Parlamento enfrentado pelo ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e sem uma base sólida em votações, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vai entrar mais uma vez em campo para dialogar com parlamentares e defender a sua agenda. 

Ele deve se encontrar nos próximos dias com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), para tratar sobre o andamento de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que turbina o vencimento de juízes, que pode gerar impacto estimado em até R$ 42 bilhões por ano aos cofres públicos.

A PEC que institui o quinquênio aumenta 5% nos ganhos de magistrados e promotores a cada cinco anos. Na quarta-feira, o texto avançou na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) do Senado com votos favoráveis de senadores da base e sem uma efetiva atuação do Planalto. 

Além do penduricalho para o Judiciário, há ainda outras pautas com potencial de impactar as contas do governo em andamento no Congresso, como a apreciação dos vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em parte das emendas de comissão, previsto para a semana que vem, e a tramitação de uma proposta que trata do programa que incentiva o setor de eventos (Perse).

Volta antecipada

Ontem, o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Sem partido-AP) afirmou que Haddad deve se encontrar com Pacheco e criticou a avanço da medida. O ministro da Fazenda antecipou seu retorno de Washington (EUA), onde participa de agendas do G20, mas ainda não há data marcada com o senador.

— Não me parece adequado o Congresso sinalizar uma matéria para o topo da carreira do funcionalismo público enquanto não há proposta para os servidores. O governo tem feito esforço fiscal em diferentes áreas. Vamos dialogar e pedir bom senso e reflexão do Congresso — disse Randolfe.

Em relação ao chamado “quinquênio”, o governo acredita que a medida terá como efeito o fim do teto salarial para o Judiciário, levando a uma bomba fiscal. Integrantes da equipe econômica destacam que a nova remuneração será mais um penduricalho e, portanto, não precisará entrar no cálculo de limite de salários para o setor. Hoje, o limite que um juiz pode ganhar é R$41,6 mil, teto dos ministros do Supremo.

Um dos compromissos do relator da PEC, Eduardo Gomes (MDB-TO), e de Pacheco é pautar os quinquênios junto com o projeto que limita os supersalários no funcionalismo público. Para aliados de Haddad e da ministra do Planejamento, Simone Tebet, porém, nenhum projeto aprovado compensaria o prejuízo com o penduricalho e que o “céu seria o limite” para a remuneração no Judiciário.

— Eu pessoalmente acho que é totalmente um retrocesso fora de qualquer responsabilidade fiscal ou mesmo de política de gestão de pessoas — afirmou o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA).

Veto a emendas

Na Câmara dos Deputados também há descompasso. Em entrevista ao GLOBO, o líder do governo na Casa, José Guimarães (PT-CE), reconheceu que o rompimento entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e Padilha não é uma briga “trivial”. Ele avalia que Padilha seria capaz de fazer um armistício, mas não vê sinais de entendimento partindo de Lira. O deputado tem mantido conversas com o ministro da Casa Civil, Rui Costa. Guimarães também criticou o desentrosamento no diálogo entre Executivo e Legislativo

— A orientação do presidente Lula é que todas as matérias que vêm do Executivo sejam discutidas com os líderes antes. Às vezes, a matéria vem sem a gente ter conhecimento. É um erro. Vai editar uma Medida Provisória? Chame os líderes antes para conversar.

Na lista dos projetos que podem representar impacto ao governo está a provável derrubada do veto a parte das emendas de comissão, que foram inicialmente determinadas no valor de R$11 bilhões na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), mas durante as negociações da Lei Orçamentária Anual (LOA) houve a ampliação para R$16 bilhões. Lula vetou R$ 5,6 bilhões deste valor, que os congressistas devem derrubar na quinta-feira.

Parlamentares destinaram um quinto de todos os recursos livres do Orçamento da União para 2024 sancionado pelo presidente Lula, mesmo com o veto dele de R$ 5,6 bilhões em emendas parlamentares. As verbas livres são aquelas sobre os quais o poder público pode escolher sua destinação, voltadas principalmente para investimentos e custeio da máquina pública. O percentual sob poder do Congresso ganhou corpo a partir de 2020, mas vinha caindo desde então.

Há ainda preocupação do governo com a manutenção do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), criado para mitigar os efeitos negativos da pandemia sobre negócios dessa área. O Ministério da Fazenda propôs o fim gradual do programa, com a reoneração das empresas que hoje têm descontos em impostos. Porém, os parlamentares resistem em abrir mão do benefício fiscal para as empresas do setor. O impacto, caso o programa de descontos continue como está, poderia chegar até R$ 20 bilhões, segundo técnicos do governo.

Em outra frente, o governo também tenta retomar uma cobrança maior de impostos sobre a folha de pagamentos dos municípios e empresas. A contribuição previdenciária de um grupo de setores sobre a folha de pagamento passaria de 10% em 2024 para 17,5% em 2027. Para outro, sairia de 15% em 2024 até atingir 18,75% em 2027. Depois disso, ambos pagarão 20%.

Entre as cidades, apenas municípios com até 50 mil habitantes terão benefício fiscal, e mesmo assim, com prazo limite até 2027, de acordo com a proposta do governo. Hoje, municípios com até 156 mil habitantes pagam 8% sobre salários. Já as empresas pagam 2% sobre a receita bruta.


Fonte: O GLOBO