Novo estudo mostra que técnica para aumentar nuvens sobre os oceanos pode resfriar a Terra mais do que se pensava antes
Diante da lentidão dos países em reduzir as emissões de CO₂, a Humanidade vem flertando com tecnologias mirabolantes para resfriar o planeta. Assim, surgem propostas de “geoengenharia” invariavelmente controversas e, com frequência, pouco realistas. Mas uma delas está atraindo atenção da comunidade científica: a produção artificial de nuvens para refletir a radiação do Sol.
Batizada de clareamento por nuvens marinhas (MCB, na sigla em inglês), a ideia consiste essencialmente em borrifar água salgada na atmosfera para que as partículas de sal semeiem a formação de nuvens em extensões oceânicas. Como nuvens são mais claras que os mares, elas ajudariam a rebater parte da radiação solar que, hoje, está sendo absorvida pela superfície da água, contribuindo para o aquecimento da Terra.
Ninguém sabe ainda como (e se) é possível fazer isso em grande escala. Talvez, uma frota de grandes navios dê conta do recado. Ou talvez não. Mas a MCB parece mais perto de se tornar viável do que outras propostas de geoengenharia solar.
Posicionar grandes espelhos no espaço para desviar a luz do Sol ou enviar balões para espalhar aerossol na estratosfera são coisas que parecem, por enquanto, ficção científica. Há propostas também para tentar alterar o “albedo” (refletividade) de grandes porções de solo. Mas a disputa territorial para produzir comida e a área limitada de terra disponível são barreiras relevantes.
Um estudo publicado este mês, no entanto, avaliou o potencial resfriador do clareamento por nuvens marinhas e mostrou que ele é maior do que outras pesquisas haviam previsto. Cientistas ainda estão reticentes em fazer testes de grande escala com a tecnologia, mas se valeram de um “experimento” natural de formação de nuvens para estudá-lo: uma erupção vulcânica.
Usando imagens de satélite, um grupo de pesquisadores liderado pela Universidade de Birmingham, no Reino Unido, avaliou o potencial de formação de nuvens da atividade do vulcão Kilauea, no Havaí, numa faixa de mais de três mil quilômetros.
Comparando com períodos de inatividade, sem erupções, os cientistas avaliaram uma vasta área do Pacífico para entender como o aerossol lançado pelo vulcão em altitudes médias e baixas influenciava a nucleação, a semeadura de partículas sólidas em torno das quais a umidade se agrega e forma nuvens. Esse processo é o mesmo pelo qual a MCB se propõe operar.
Num artigo na revista Nature Geoscience, liderado pelo geofísico chinês Ying Chen, os cientistas conseguiram mostrar que a cobertura de nuvens aumentou em até 50% com a atividade vulcânica, produzindo um efeito de resfriamento de menos 10 Watts por metro quadrado na área afetada. Essa é a unidade de medida com que os pesquisadores estimam o fluxo de energia para dentro e para fora da superfície terrestre. Como comparação, duplicar a atual concentração de CO₂ levaria a um efeito de aquecimento de mais 3,7 Watts por metro quadrado, numa média global.
— As nossas descobertas mostram que o brilho das nuvens marinhas pode ser mais eficaz como intervenção climática do que os modelos climáticos sugeriram anteriormente — disse Chen ao GLOBO. — É claro que, embora possa ser útil, o MCB não aborda as causas subjacentes do aquecimento causado pelos gases com efeito de estufa produzidos pela atividade humana.
No estudo, o pesquisador compara a geoengenharia solar a um “analgésico”, um medicamento que alivia os sintomas, mas não combate a causa de uma doença.
Um aspecto interessante do trabalho é que ele refutou uma percepção anterior de que o efeito resfriador das erupções vulcânicas ocorria ao fomentar a formação de nuvens mais opacas, com mais umidade se agregando em torno das partículas sólidas. As imagens de satélite revelaram que esse fenômeno foi relativamente limitado. O Kilauea atuou resfriando um pouco o planeta em seus anos de maior atividade porque contribuía para a formação de nuvens em mais quantidade.
Uma consequência da constatação de que a MCB cria um efeito resfriador maior do que o calculado anteriormente é que os eventuais efeitos colaterais da tecnologia também podem ser mais relevantes.
— Não é possível antever os riscos usando modelos climáticos atuais. Se erraram na previsão do potencial da MCB, vão errar avaliando os riscos também. É preciso investigar cuidadosamente o risco de inundações ou fogo na Amazônia, por exemplo. Nosso trabalho pode contribuir para aprimorar os modelos — avalia o cientista.
Divisão na academia
Há bons pesquisadores entusiasmados com o estudo sobre geoengenharia solar, mas uma parte relevante da academia vê a proposta com mais preocupação.
Um abaixo-assinado que circula desde 2022 pedindo embargo ao emprego dessa tecnologia atraiu cientistas de renome da Universidade Harvard e de centros europeus como a Universidade de Cambridge. Um dos signatários é o brasileiro Roberto Schaeffer, titular do melhor núcleo de engenharia do país em pesquisa climática, a Coppe-UFRJ.
Schaeffer diz que não é contra geoengenharia solar por princípio, mas crê que ainda há tempo de o planeta agir para derrubar as emissões de CO₂ e fazer a lição de casa prescrita pelo Acordo de Paris, limitando o aquecimento global a um acréscimo de 1,5° a 2,0°C:
— A comunidade científica está dividida, mas entendo que não chegamos ao ponto de precisar lançar mão da geoengenharia quando há soluções mais baratas e inteligentes.
Um receio, porém, é que o planeta já aqueceu 1,2°C desde a revolução industrial, e as emissões por queima de combustível fóssil nem sequer começaram a cair.
— Se chegarmos a 2030 com emissões subindo, sobra pouca opção para frear a temperatura. Você vai ter que partir para geoengenharia porque vira uma situação de emergência.
Nem mesmo cientistas que estudam a geoengenharia a fundo querem se ver na situação de prescrever esse remédio amargo para o planeta, sobretudo com os efeitos colaterais ainda mal estudados. A MCB pode ajudar a Humanidade a ganhar tempo, mas não vai isentá-la da responsabilidade de zerar as emissões.
— Para aplicar a geoengenharia no mundo real, precisamos ser mais cautelosos e fazer mais estudos fundamentais — diz Ying Chen.
Fonte: O GLOBO
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