Cartas de movimentos sociais a ministro foram duras e, entre os críticos, discurso é de que ex-superintendente do órgão em Alagoas atuou até para auxiliar parlamentares da CPI do MST

Porto Velho, Rondônia - A demissão de um dos primos do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), da superintendência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Alagoas sucedeu uma série de reclamações que chegaram aos ouvidos do ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, desde o início do governo Lula. 

Wilson Cesar de Lira Santos, conhecido como Cesar Lira, era apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e empreendia na autarquia uma política oposta à defendida pelos movimentos sociais e pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em outra frente, segundo opositores, atuava com interesses eleitorais: queria ser prefeito de Maragogi, no litoral alagoano.

Foram várias as reuniões e cartas enviadas por movimentos sociais, como o MST, ao ministro Teixeira. Nos textos, obtidos pelo GLOBO, integrantes reclamavam de Cesar, visto à frente do Incra como “inimigo da reforma agrária”. 

Em um deles, de janeiro, sete grupos afirmam que, “apesar das várias denúncias que realizamos em 2023, durante reuniões com Vossa Excelência e das notas públicas, persiste a irresponsabilidade política de manter um bolsonarista de carteirinha no cargo de superintendente do Incra”.

Dura com o ministro, aliado da pauta dos movimentos, a carta acusa Teixeira de “não honrar com a palavra”. Apesar do “histórico de serviços à extrema direita”, afirmam os sete grupos, “o superintendente continua ocupando um cargo extremamente importante, com a vossa anuência.”

Cesar Lira com o ex-presidente Jair Bolsonao — Foto: Reprodução

Desde o início do governo Lula, houve um esforço de trocar as chefias do Incra nos estados, dado que a gestão Bolsonaro era diametralmente oposta na política para o campo. Alagoas, contudo, permaneceu sob influência de Lira. A indicação de Cesar — em 2017, ainda no governo Michel Temer (MDB) — foi feita pelo deputado federal Marx Beltrão (PP-AL), mas passou a ser avalizada pelo primo e chefe da Câmara nos anos Bolsonaro.

Nos primeiros meses de 2023, o governo federal, Lira e movimentos sociais estabeleceram um acordo. Como Cesar tinha pretensão de substituir outro primo do deputado, Fernando Sérgio Lira Neto, na prefeitura de Maragogi, o superintendente precisaria ser exonerado até este mês, prazo final para poder disputar a eleição. Cesar, no entanto, foi preterido por outro escolhido pelo atual prefeito, o que colocou o acordo em xeque.

Com o cenário no campo em ebulição em abril, quando o MST voltou a intensificar as invasões, no chamado Abril Vermelho (leia mais na página 9), o ministro comunicou a Lira que precisaria exonerar o primo dele. Entre interlocutores de Teixeira, o discurso é de que o governo não tirou do deputado o comando do Incra, e sim que o problema era com a figura de Cesar. Caberá ao deputado alagoano a indicação do sucessor, e Lira, apurou o GLOBO, disse a aliados que vai consultar ruralistas do estado antes de definir o nome.

Cesar, segundo pessoas envolvidas no imbróglio, atuou como adversário dos movimentos sociais na superintendência. Durante a CPI do MST no Congresso, por exemplo, teria indicado locais de ações dos sem-terra para parlamentares fiscalizarem. Por outro lado, fez da política de entrega de títulos de propriedade, no governo Bolsonaro, uma plataforma para tentar se viabilizar em Maragogi. Quando ficou claro que o PP não lhe concederia a legenda, ventilou a hipótese de se filiar ao PL, sigla de Bolsonaro.

Depois da exoneração do primo, mesmo com a sinalização de que escolherá o substituto, o chefe da Câmara pautou em plenário a urgência de um projeto que prevê sanções administrativas e restrições a invasores de terra.

— O que o Lira está fazendo é uma operação vingança. Ele já sabia que o primo seria exonerado. Essa birra de agora é mesquinha, vingativa. Demonstra que está sem postura de presidente da Câmara — critica o deputado federal Paulo Fernando dos Santos (PT-AL), o Paulão, que participou das conversas entre o governo e os movimentos sociais.

Procurado via assessoria de imprensa, Lira não quis comentar a troca do primo.

Outros cargos de Lira

O Incra é um dos braços federais de Lira para manter poder em Alagoas, estado governador por Paulo Dantas (MDB) — aliado do principal adversário do presidente da Câmara,o senador Renan Calheiros.

Além da superintendência da autarquia, o deputado mantém indicações em outros postos. Conhecida como “estatal do Centrão”, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf) é comandada no estado desde o início de 2021 por João José Pereira Filho, o Joãozinho, primo de Lira.

Na superintendência do Ministério da Saúde, o chefe é Carlos Humberto Casado de Lira, filho de um diretor da Codevasf. Já o Porto de Maceió está nas mãos de Diogo Holanda, escolhido por Lira que permaneceu por lá mesmo com a chegada do governo Lula.

Também com influência de Lira, a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) tem cargos ocupados por ex-assessores dele e familiares. O superintendente Carlos Jorge Cavalcante é irmão de Luciano Ferreira Cavalcante, tradicional aliado do parlamentar.


Fonte: O GLOBO