Presidente americano também instou um 'cessar-fogo' imediato no território palestino

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden ameaçou, nesta quinta-feira, condicionar o apoio futuro a Israel à forma como o país aborda suas preocupações sobre as mortes de civis e a crise humanitária em Gaza, tentando, pela primeira vez, usar a ajuda americana para influenciar a condução da guerra contra o grupo terrorista Hamas. O democrata também subiu o tom e pediu que o premier chegue a um "cessar-fogo imediato" no território palestino, refletindo uma "grande frustração" com o governo do Estado judeu, segundo a Casa Branca.

Durante uma ligação de 30 minutos, a primeira entre os dois líderes após a morte de sete trabalhadores humanitários em um ataque israelense — que Israel atribui a um erro grave —, Biden pediu a Netanyahu que "anuncie e implemente uma série de medidas específicas, concretas e mensuráveis para lidar com os danos aos civis, o sofrimento humanitário e a segurança dos trabalhadores humanitários", informou a Casa Branca em um comunicado.

Mas Washington não chegou a dizer diretamente que o presidente interromperia o fornecimento de armas ou imporia condições para seu uso, como os democratas pediram que ele fizesse.

"O presidente Biden enfatizou que os ataques aos trabalhadores humanitários e a situação humanitária geral são inaceitáveis", acrescentou. "Ele deixou clara a necessidade de Israel anunciar e implementar uma série de medidas específicas, concretas e mensuráveis para lidar com os danos aos civis, o sofrimento humanitário e a segurança dos trabalhadores humanitários. Ele deixou claro que a política dos EUA com relação a Gaza será determinada por nossa avaliação da ação imediata de Israel com relação a essas medidas."

A declaração foi a mais incisiva emitida pela Casa Branca nos seis meses de guerra entre Israel e o Hamas, ressaltando a crescente frustração do presidente com Netanyahu, que desafiou a pressão americana para reduzir o sofrimento dos civis em Gaza. Foi a primeira vez também que Biden sugeriu que os EUA podem condicionar sua assistência a Israel, um importante aliado no Oriente Médio.

— Sim, tem havido uma frustração crescente — disse o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, John Kirby, a repórteres, quando perguntado se o telefonema refletia a frustração de Biden com o fato de Netanyahu não estar fazendo "o suficiente" para proteger as organizações que ajudam os civis em Gaza, que enfrenta uma situação humanitária catastrófica.

Biden, que expressou apoio firme ao direito de Israel de responder ao ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro, criticou a morte de sete trabalhadores humanitários pelas forças militares israelenses nesta semana e a situação humanitária em Gaza, onde a ONU alertou sobre a fome iminente.

"São inaceitáveis", afirmou, segundo a Casa Branca, enfatizando que "um cessar-fogo imediato é essencial para estabilizar e melhorar a situação humanitária e proteger civis inocentes".

De acordo com Kirby, o presidente quer ver "medidas concretas e tangíveis" para reduzir a violência contra civis e aumentar o acesso da ajuda humanitária a Gaza. Ele disse que a Casa Branca espera que Israel faça anúncios de mudanças específicas dentro de horas ou dias, mas não delineou métricas específicas para julgar a resposta de Israel ou o que Biden faria se não estivesse satisfeito.

— O que queremos ver são algumas mudanças reais do lado israelense e, se não houver mudanças do lado deles, terá de haver mudanças do nosso lado — declarou o porta-voz da Casa Branca.

Horas depois da conversa entre os dois líderes, o Gabinete de segurança israelense aprovou a reabertura temporária do posto de fronteira de Erez, que liga Israel ao Norte de Gaza e que estava fechado desde o dia 7 de outubro do ano passado.

Embora sem mencionar o ultimato de Biden, o governo israelense afirma que a reabertura de Erez, além da permissão para o uso do porto de Ashdod para o transporte de itens de primeira necessidade, são parte de um pacote de "medidas imediatas para aumentar a ajuda", para "evitar uma crise humanitária" e para "garantir a continuidade dos combates" em Gaza. O texto cita ainda o aval para o aumento dos envios de ajuda vinda da Jordânia através do posto de Kerem Shalom.

Tensões iranianas

Netanyahu não divulgou imediatamente uma descrição do telefonema, mas em outros comentários nesta quinta-feira pareceu não se abater. Em uma reunião em Jerusalém com congressistas republicanos convidados, organizada pelo Comitê Americano de Assuntos Públicos de Israel, conhecido como AIPAC, o primeiro-ministro rebateu fortemente a insistência de Biden em uma solução de dois Estados para o conflito palestino.

— Há um movimento contrário, uma tentativa de forçar, de enfiar goela abaixo de nós um Estado palestino, que será outro paraíso do terror, outro campo de lançamento para um atentado, como foi o Estado do Hamas em Gaza — disse Netanyahu. — Os israelenses se opõem a isso, de forma esmagadora.

Em uma declaração em vídeo separada, o premier se concentrou na ameaça que vê do Irã

— Durante anos, o Irã tem agido contra nós, tanto diretamente quanto por meio de seus representantes, e, portanto, Israel está agindo contra o Irã e seus representantes, tanto em operações defensivas quanto ofensivas — afirmou, referindo-se a um ataque aéreo israelense que matou sete oficiais militares iranianos na Síria nesta semana. — Saberemos como nos defender e operaremos de acordo com o princípio simples pelo qual aqueles que nos atacarem ou planejarem nos atacar nós os atacaremos de volta.

A Casa Branca disse que Biden apoiou Israel contra o Irã durante seu telefonema desta quinta-feira com Netanyahu, ao qual se juntaram a vice-presidente Kamala Harris, o secretário de Estado Antony Blinken e Jake Sullivan, o conselheiro de segurança nacional.

"Os dois líderes também discutiram as ameaças públicas do Irã contra Israel e o povo israelense", disse a Casa Branca no comunicado, dias depois que um ataque ao consulado iraniano em Damasco matou 11 pessoas, entre elas um importante general da Guarda Revolucionária do Irã, levando as tensões no Oriente Médio ao seu ponto mais alto em meses. "O presidente Biden deixou claro que os Estados Unidos apoiam fortemente Israel diante dessas ameaças".

'Israel não é o Hamas'

O Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, falando em Bruxelas, detalhou ainda mais o nível de descontentamento dos EUA com o fracasso de Israel em estabelecer mecanismos de controle para proteger os trabalhadores de ajuda humanitária em Gaza.

— Israel não é o Hamas. Israel é uma democracia. As democracias dão o mais alto valor à vida humana, a toda vida humana. Como já foi dito, uma vida salva o mundo inteiro — disse Blinken. — Essa é a nossa força, é o que nos distingue dos terroristas. Se perdermos essa reverência pela vida humana, corremos o risco de nos tornarmos indistinguíveis daqueles que não conseguem.

Ainda segundo Blinken, "apesar das medidas importantes que Israel está tomando para permitir a entrada de assistência em Gaza, os resultados são lamentavelmente insuficientes e inaceitáveis":

— Cem por cento da população de Gaza apresenta níveis agudos de insegurança alimentar. Cem por centro da população precisa de assistência humanitária, e aqueles que trabalham heroicamente para fornecer essa assistência estão correndo grande risco de vida.

Já o porta-voz da Casa Branca, John Kirby, disse que o apoio dos Estados Unidos à defesa de Israel continua "inabalável".

— Nosso apoio à autodefesa de Israel continua inabalável — disse o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, John Kirby, aos jornalistas. — Eles enfrentam uma variedade de ameaças, e os Estados Unidos não vão abandoná-los. (Com AFP e The New York Times)


Fonte: O GLOBO