Brasil avalia se os últimos acontecimentos ferem o Acordo de Barbados, firmado entre governo e oposição da Venezuela
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva avalia se as prisões no entorno da principal candidata opositora na Venezuela, María Corina Machado, nos últimos dias terão impacto nas eleições do país, marcadas para 28 de julho. Segundo interlocutores da área diplomática, o Brasil também manterá contatos com outros países, além de representantes do presidente Nicolás Maduro e da oposição.
As conversas vão ocorrer com países que participaram das negociações do Acordo de Barbados, firmado entre governo e oposição da Venezuela, no fim do ano passado, para garantir que as eleições sejam transparentes, livres e justas. São eles Estados Unidos, Colômbia, Noruega, entre outros, também incluindo a União Europeia.
Um dos desafios é descobrir se a prisão de pessoas ligadas a María Corina Machado, opositora de Maduro que foi considerada inelegível pela Justiça venezuelana por 15 anos, é, de fato, um retrocesso no que foi negociado em Barbados. Um integrante do governo brasileiro ressaltou que ainda é precipitado chegar a uma conclusão sem uma avaliação minuciosa.
Na última quarta-feira, o procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, acusou vários membros do partido da líder opositora de planejar "ações desestabilizadoras" no país e ordenou a detenção de alguns de se seus principais assessores. Segundo a acusação, o objetivo dos funcionários do seu partido, o Vem Venezuela, seria provocar um motim em protesto à inabilitação de María Corina.
Apesar da sua inabilitação, a líder do partido Vem Venezuela é a grande favorita nas pesquisas, que lhe dão até 72% de aceitação frente a Maduro, que busca o terceiro mandato. O período de candidaturas para as eleições presidenciais começou nesta quinta-feira e vai até a próxima segunda.
O governo Luiz Inácio Lula da Silva tenta manter um canal de diálogo com Caracas, mas por enquanto as tratativas tiveram pouco efeito, na avaliação de especialistas. Mesmo com as reiteradas sinalizações de Maduro de que não irá recuar, o governo brasileiro considera fundamental manter um canal de diálogo com Caracas. O diagnóstico é que, ao longo dos anos, o isolamento só favoreceu o constante ataque a liberdades e a repressão a oposicionistas.
Detenções em série
O secretário-geral da ONU, António Guterres, lamentou "qualquer acontecimento que possa dificultar” o processo eleitoral na Venezuela, disse Farhan Haq, seu porta-voz, nesta quinta-feira. Ainda segundo ele, Guterres lembrou “a necessidade de garantir o direito de votar e de ser eleito por meio de eleições periódicas autênticas”, e reiterou seu apelo para que “se cumpram de boa-fé os acordos" com os quais a Venezuela se comprometeu, referindo-se em particular ao acordo de Barbados.
A vice-presidente Delcy Rodríguez reagiu no X (antigo Twitter) à declaração do porta-voz de Guterres, lamentando que o mesmo "despreze as ameaças internas e externas contra o povo venezuelano". Segundo ela, "a Venezuela seguirá seu caminho em defesa da democracia, paz e felicidade do povo."
Nos últimos meses, o governo Maduro vem colocando atrás das grades importantes assessores de María Corina. Fontes do GLOBO próximas da campanha da opositora não descartaram, pela primeira vez, a possibilidade de que a própria política possa, eventualmente, ser presa. Seria, frisou a fonte, “a única maneira de silenciá-la”.
A lista de detidos pelo Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin) inclui peças importantes de sua equipe: Henry Alviárez, secretário-geral do Vem Venezuela, e Dignora Hernández, uma das coordenadoras da campanha de María Corina. O Ministério Público também emitiu mandado de prisão contra outros sete colaboradores da campanha, entre eles sua secretária particular, Magalli Meda, apontada como uma possível candidata alternativa; seu assessor internacional, Pedro Urruchurtu; e o general da reserva Oswaldo Bracho, ex-prefeito de Caracas.
Com as detenções de quarta-feira, ao todo nove aliados de María Corina foram presos desde o início do ano. O Ministério Público emitiu mandados de prisão também contra Omar González, deputado do estado de Anzoátegui; Humberto Villalobos, secretário de assuntos eleitorais; Claudia Macero, chefe de comunicação; e Fernando Martínez Mottola, coordenador político da campanha.
Denúncia na ONU
O episódio aconteceu um dia depois da líder da oposição denunciar, perante o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), que Maduro tenta impedir sua candidatura às eleições presidenciais. Participando em uma reunião virtual, María Corina afirmou que o governo aumentou a perseguição contra lideranças políticas no país por saber, segundo ela, que perderá nas urnas.
— Maduro, que sabe que perdeu na via eleitoral, quer impedir que eu participe como candidata e aumentou a repressão e a perseguição — acusou Machado.
Durante a reunião com a ONU, a opositora também destacou que há 264 presos políticos hoje na Venezuela, entre eles quatro membros da sua campanha detidos anteriormente: além de Brandt, Juan Freites, Luis Camacaro e Guillermo López já haviam sido presos.
— Maduro quer sair do processo eleitoral, nós continuamos porque queremos votar e escolher. Precisamos de todos vocês, levantando suas vozes para acabar com a perseguição, a violação dos direitos humanos na Venezuela e por eleições livres e justas que levem à democracia, à paz e à liberdade — pediu Machado. (Com AFP)
Fonte: O GLOBO
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