Em 2023, 692 crianças ou adolescentes perderam suas mães para a violência contra a mulher

Os números alarmantes de feminicídio no país têm produzido milhares de outras vítimas ao longo dos anos. Em 2023, 692 crianças ou adolescentes perderam suas mães para a violência contra a mulher. O número é referente a 400, ou 23%, dos 1.706 casos de feminicídio identificados. Além disso, em 2,4% dos casos a mulher estava grávida, o que em alguns casos acaba por ser uma das motivações para o feminicídio.

Os números constam o primeiro relatório do o Monitor de Feminicídios no Brasil (MFB), uma iniciativa do Laboratório de Estudos de Feminicídio (Lesfem) da Universidade Estadual de Londrina (UEL) em conjunto com a Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA). O levantamento leva em conta a classificação de notícias a partir de ferramenta desenvolvida pelo Data + Feminism Lab do MIT (Massachusetts Institute of Technology).

O assunto já despertou preocupação no Palácio do Planalto, que lançou no ano passado uma pensão especial no valor de um salário mínimo, hoje R$ 1.320, para filhos e dependentes de vítimas do feminicídio. A lei, no entanto, ainda está em processo de implementação e nenhum valor foi repassado.

Ao sancionar a lei que garante o pagamento o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o Estado tem que assumir a responsabilidade de cuidar das crianças, já que não conseguiu cuidar da mulher que foi vítima.

— É preciso garantir que as pessoas que são vítimas da violência não tenham os seus filhos abandonados pelo estado. Se o estado não cuidou da pessoa e permitiu que ela fosse vítima, o estado precisa pelo menos assumir a responsabilidade de cuidar das crianças — afirmou, em outubro do ano passado.

Levantamentos como o feito pelo Lesfem, da UEL, têm apontado dimensões maiores da violência contra a mulher do que os dados oficiais, em razão da subnotificação. O cenário piora quando o recorte foca nos órfãos do feminicídio.

Silvana Mariano, coordenadora do estudo, destaca que os órfãos revelam uma nova face da crueldade da violência contra a mulher. Muitas vezes essas crianças são usadas pelos agressores como forma de controlar, chantagear e punir as mulheres, e em alguns casos os dependentes se tornam vítimas diretas da violência.

Além disso, em muitos desses casos, o dependente acaba ficando sob a responsabilidade do agressor ou de seus familiares.

— A família materna fica com um volume de problemas muito grande para lidar, além da perda da própria mulher. Se for uma sobrevivente, há ainda o processo de readaptação. É muito para conciliar com uma disputa de guarda — disse Mariano.

O relatório mostra ainda que em 2023, 261 casos de feminicídio ocorreram na presença dos filhos ou mães das vítimas, o que representa 15% do total dos casos de mortes registadas. Já nos casos de homicídio tentado, 18,52% foram testemunhados por esses familiares — 988 mulheres sobreviveram à violência. Com isso, adiciona-se à violência da mulher a camada do trauma gerado nas crianças e jovens.

— Uma outra invisibilidade é a situação da vítima de sobrevivente de feminicídio, que impacta no exercício da maternidade. Mesmo a criança com a mãe que sobreviveu, elas precisam estar em uma rede de proteção que dê a atenção para quem está lidando com esse tipo de violência — destaca a pesquisadora.


Fonte: O GLOBO