Entrevistas estão no podcast 'A ditadura recontada: As vozes do golpe', produzido pela CBN e lançado nesta quinta pelo Globoplay

A partir de 1984, o jornalista Elio Gaspari manteve uma rotina de conversas regulares com o general Ernesto Geisel. Os encontros ocorriam às terças-feiras no apartamento do ex-presidente, em Ipanema. Pelo trato entre os dois, Gaspari perguntava o que quisesse, mas só podia levar suas anotações. Geisel ficava com as fitas, que guardava numa mesinha ao lado do sofá. 

Depois que o general morreu, em 1996, sua filha, Amália Lucy, procurou o jornalista. Queria entregar 12 cassetes, de 90 minutos cada. O material ajudaria o colunista do GLOBO e da “Folha de S.Paulo” a escrever sua obra em cinco volumes sobre a ditadura militar.

As entrevistas estão no podcast “A ditadura recontada: As vozes do golpe”, produzido pela CBN e lançado nesta quinta-feira pelo Globoplay. A série também revela outro tesouro do acervo de Gaspari: gravações feitas pelo próprio Geisel entre outubro de 1973 e março de 1974, quando recebeu a faixa presidencial.

Ao longo de seis meses, o general registrou suas principais reuniões e conversas ao telefone. Tempos depois, o material seria confiado a Gaspari por Heitor Ferreira, secretário particular de Geisel.

Para preservar as cerca de 220 horas de diálogos, o jornalista converteu as fitas magnéticas em CDs. Depois converteu os CDs em arquivos digitais. Nada se perdeu, mas a qualidade do áudio sofreu os efeitos da passagem do tempo.

Agora o problema foi resolvido com ajuda da inteligência artificial. Por iniciativa da editora Bárbara Falcão, a equipe do podcast removeu ruídos e conseguiu recuperar as vozes da ditadura.

— Elio permitiu que a equipe tivesse acesso pleno a seus arquivos. Os áudios foram ouvidos, selecionados, contextualizados e retrabalhados. Como são gravações de décadas atrás, em alguns momentos tivemos de usar a inteligência artificial para recuperá-las, torná-las compreensíveis. Essa é a preciosidade a ser dividida com a audiência — diz o jornalista Plínio Fraga, que supervisionou roteiro, pesquisa e edição da série.

O trabalho começou em março de 2021 e mobilizou diretamente 12 pessoas. Ficou pronto a tempo do aniversário de 60 anos do golpe de 1964, a ser lembrado neste domingo.

A direção executiva é de Pedro Dias Leite, diretor da CBN, com pesquisa de Helena Dias e apresentação de Nadedja Calado. O próprio Gaspari participou de todas as etapas do projeto.

— A narrativa que ele estabeleceu ali guiou a produção dos roteiros de cada episódio. Tentamos ser fiéis e, por vezes, até mesmo literais à sua premiada obra — conta Fraga.

O resultado poderá ser ouvido em seis capítulos, a serem lançados toda quinta-feira nas plataformas de áudio. O primeiro episódio marca mais uma novidade na carreira de Gaspari, iniciada aos 19 anos no semanário Novos Rumos. Aos 80, comemorados discretamente na sexta passada, o jornalista faz sua estreia no mundo dos podcasts.


Fonte: O GLOBO