Clássicos trazem primeiros ambientes de extrema exigência logo no início da temporada

Um aspecto une a Supercopa jogada por Palmeiras e São Paulo aos primeiros clássicos dos Estaduais. Todos eles criam ambientes de extrema exigência em torno de times ainda despreparados para assumirem qualquer compromisso com a excelência.

Na sala de imprensa do Maracanã, antes que Tite desse sua entrevista coletiva após o 0 a 0 de Vasco e Flamengo, um youtuber lia, ao vivo em seu canal, mensagens de seus seguidores: os termos vergonha e vexame foram repetidos algumas vezes em referência à exibição rubro-negra. O time acabara de empatar um clássico que, diga-se, fora apenas a quarta aparição da equipe titular no ano.

O Atlético-MG jogou ainda menos neste 2024: a derrota para o Cruzeiro, no sábado, foi só o terceiro jogo do time. Mas foi o bastante para vaias, ameaças a jogadores e, claro, o farto uso das expressões que o futebol brasileiro tanto ama: lá estavam a vergonha e o vexame completando o checklist da nossa intolerância. 

Ano após ano, é fácil ouvir que a fase inicial da temporada é um período de testes, de ajustes. Mas, no Brasil, a racionalidade cai por terra ao primeiro clássico. O que se tem é uma curiosa realidade em que, quando os duelos locais batem à porta, é como se os times jogassem mais para evitar os efeitos da derrota do que para acumular créditos com as vitórias.

Do Maracanã, Tite e Ramon Díaz deveriam levar para casa bons diagnósticos de um jogo que exigiu bem mais do que a sucessão de encontros inexpressivos contra os clubes mais modestos do Carioca. Mas, especialmente para o rubro-negro, o saldo do 0 a 0 é a impaciência. O abismo financeiro entre o Flamengo e seus rivais locais gerou uma ansiedade por constante imposição. Quando ela não vem, o humor se transforma.

O foco no resultado termina por se sobrepor às lições do jogo. O Flamengo teve bons momentos ao recuperar a bola logo após perdê-la no ataque, evoluiu ao atacar pronto para defender. Parecem surgir bons movimentos com De La Cruz partindo da direita ao centro, mas os erros técnicos se acumularam na definição das jogadas. E o time, que defendeu mal o lado atacado por Lucas Piton, ainda tem uma linha defensiva com problemas para fazer a bola sair bem jogada de trás.

Já Ramón Díaz viu seu Vasco realizar ótimo exercício defensivo. Piton foi excelente nos cruzamentos e Payet parece fisicamente mais inteiro em 2024. Por outro lado, as últimas temporadas viram o Vasco celebrar a capacidade de conter o Flamengo no Estadual, até a temporada lembrar o clube de que, ao longo do ano, a exigência será maior. Ofensivamente, será preciso ter mais do que as jogadas com Piton na esquerda. A entrada de Adson pareceu promissora.

A Supercopa, mal jogada nos 90 minutos, tinha roteiro similar ao Maracanã. A rivalidade faria um dos lados celebrar uma taça que, mais adiante, será insuficiente para sustentar um balanço positivo do ano. Mas para um São Paulo que tem no banco um jovem treinador, evitar a derrota era importante. Carpini sabe que, no Brasil, é raro ver um clube ter convicção suficiente para sustentar técnicos promissores sem resultados imediatos.

Por falar no peso da derrota, o sábado viu o Atlético-MG, dono de uma bonita arrancada na parte final do último Brasileiro, ser vaiado. O pecado foi perder o segundo clássico seguido em sua nova casa para o Cruzeiro. Não é desprezível o peso emocional, afetivo, da vitória num clássico. Mas a intolerância desatada pela derrota parece fazer bem mais barulho.

O Corinthians, de quatro derrotas seguidas, uma delas num clássico, já demitiu Mano Menezes.

Diz a cartilha que equipes devem se preparar para jogar bem e, então, buscar vitórias. No Brasil, é preciso vencer antes de se preparar.

INTOLERÂNCIA

Junto com os clássicos estaduais, volta à pauta o ambiente violento do futebol. Belo Horizonte viu uma garrafa quebrar o vidro do ônibus da comissão técnica do Palmeiras, além de brigas entre atleticanos e cruzeirenses na região metropolitana. No Rio, a chegada ao Maracanã teve brigas na rampa de saída do trem e de metrô. Discutimos se jogos devem ter torcida única ou mista. Antes disso, deveríamos pensar num plano nacional de segurança.

IMPACTO

O Barcelona pode não ser dos ambientes mais estáveis do futebol europeu no momento. Mas, ainda assim, Vítor Roque precisou de 56 minutos de futebol para marcar seus primeiros dois gols, um em cada uma de suas duas últimas aparições. O sintomático é que seu impacto aconteceu a partir do instante em que Xavi, mesmo fazendo o brasileiro partir do lado esquerdo, deu a ele liberdade para se mover no centro do ataque e atacar espaços, uma de suas especialidades.

CORRIDA DE TRÊS

Brilhante ao se organizar ofensivamente, o Arsenal bateu o Liverpool e deu à Premier League a perspectiva de algo que se tornara incomum: uma corrida de três times. Tricampeão, o City não faz sua melhor temporada, mas deve crescer com as voltas de De Bruyne e Haaland. O Arsenal recuperou seu melhor nível e o rejuvenescido Liverpool é um brilhante trabalho de reconstrução de time feito por Jürgen Klopp. A reta final promete ser empolgante.


Fonte: O GLOBO