Operação da Polícia Federal trouxe à tona o teor antidemocrático de encontro ocorrido no Palácio do Planalto em julho de 2022

A reunião investigada pela Polícia Federal, em julho de 2022, por ter incluído tratativas relativas a uma "dinâmica golpista" antecedeu em poucos dias dois importantes eventos para o então presidente Jair Bolsonaro: o encontro com embaixadores, marcado por ataques ao sistema eleitoral – que levou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a condená-lo no ano passado por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, declarando sua inelegibilidade –, e a convenção na qual ele lançou oficialmente sua candidatura à reeleição.

O encontro em 5 de julho de 2022 no Palácio do Planalto foi registrado em vídeo. Nas imagens a que a Polícia Federal teve acesso, é possível ver o debate sobre a estratégia de ataque ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e à credibilidade das urnas.

Segundo a PF, estavam presentes Jair Bolsonaro, os então ministros Anderson Torres (Justiça) — que, naquela ocasião, estava com Covid-19 —, Augusto Heleno (GSI) e Paulo Sérgio (Defesa), além do ex-ministro da Defesa e da Casa Civil Walter Braga Netto, que seria oficializado no mesmo mês como vice de Bolsonaro nas eleições de 2022, e de Mário Fernandes, chefe-substituto da Secretaria-Geral da Presidência.

Veja abaixo algumas declarações de Bolsonaro nos dias seguintes à reunião.

Passar o cargo só 'bem lá na frente'

Data: 08 de julho de 2022

Durante a solenidade de brevetação da Brigada de Infantaria Paraquedista, no 26° Batalhão de Infantaria Paraquedista do Rio de Janeiro, Bolsonaro afirmou ter certeza de que só passaria o cargo para um sucessor "bem lá na frente".

— A pátria espera que cada um cumpra com o seu dever. Tenho certeza que conosco, sempre altivo, e pensado no futuro da mesma (pátria), nós entregaremos lá na frente, mas bem lá na frente, esse país para outro presidente que possa continuar fazendo o trabalho que começamos em 2019 — falou.

Mudança no STF

Data: 15 de julho de 2022

Em sua primeira visita a Juiz de Fora desde a facada que sofreu em 2018, Bolsonaro colocou sob suspeita a lisura do processo eleitoral e a atuação do ministro Edson Fachin, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para isto, ele se valeu de uma fake news.

Em pronunciamento, o ex-presidente afirmou que uma decisão de Fachin tirou o Luiz Inácio Lula da Silva (PT) da cadeia e que, por isto, ele não teria isenção para presidir o tribunal eleitoral. Lula, no entanto, foi solto após decisão colegiada do Supremo Tribunal Federal (STF) ter mudado o entendimento sobre a condenação em segunda instância. Bolsonaro também se disse "empenhado" em mudar o perfil dos ministros do STF, caso fosse reeleito.

— Quem for reeleito presidente terá mais duas vagas no Supremo. Nós vamos mudando aos poucos. Quem foi que tirou o Lula da cadeia? Foi o ministro Fachin. Onde está o Fachin hoje em dia? Conduzindo o processo eleitoral. Isso é suspeição ou não é? — questionou durante encontro com lideranças da Assembleia de Deus na cidade mineira.

Certeza na vitória

Data: 17 de julho

No Palácio da Alvorada, ao ser questionado se telefonaria para Lula caso ele ganhasse as eleições em outubro, Bolsonaro rechaçou qualquer possibilidade de derrota.

— Ele que vai ligar para mim. Eu tenho certeza que eu não vou ligar para ele. Não tem o "se" nessa questão. É o Flamengo enfrentando o Bangu, com toda certeza. Até com o time reserva. Com todo o respeito ao Bangu — afirmou, na ocasião.

Depois da derrota em 2023, Bolsonaro só quebrou o silêncio depois de 44 horas do resultado das urnas ser divulgado.

Reunião com embaixadores

Data: 18 de julho


O ex-presidente Jair Bolsonaro usou a reunião com embaixadores para, sem provas, fazer ataques às urnas eletrônicas e colocar em dúvida o processo eleitoral brasileiro. Em discurso, o então chefe do Executivo repetiu acusações infundadas sobre a segurança e a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro, além de criticar o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O encontro acabou motivando a condenação que resultou na decretação de sua inelegibilidade pelo próprio TSE.

— Quando se fala em eleições, vem à nossa cabeça transparência. E o senhor Barroso (Luís Roberto Barroso, ex-presidente do TSE), também como senhor Edson Fachin (presidente do TSE à época), começaram a andar pelo mundo me criticando, como se eu estivesse preparando um golpe. 

É exatamente o contrário o que está acontecendo — afirmou Bolsonaro. — Não é o TSE que conta os votos, é uma empresa terceirizada. Acho que nem precisava continuar essa explanação aqui. Nós queremos, obviamente, estamos lutando para apresentar uma saída para isso tudo. Nós queremos confiança e transparência no sistema eleitoral brasileiro — disse o presidente.

Apuração paralela
  • Data: 22 de julho
Durante visita a um posto de gasolina em Brasília, Bolsonaro voltou a defender a adoção de um sistema de apuração paralelo nas eleições daquele ano.

— Nós temos muito tempo pela frente... Eu vou dar golpe em mim mesmo, é isso? Eu vou dar autogolpe? — disse.

Convenção
  • Data: 24 de julho
Cerca de 20 dias após a reunião, Bolsonaro participou da convenção nacional do PL, um megaevento realizada no Maracanãzinho para homologar sua candidatura à reeleição. Ele citou ações de seu governo, enalteceu lideranças do Centrão e criticou Lula, que acabaria vencendo as eleições. 

Nos minutos finais de sua fala, Bolsonaro fez ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e conclamou apoiadores a irem às ruas no Sete de setembro, mesma data em que, no ano anterior, ele participara de manifestações antidemocráticas que pediam o fechamento da Corte.

— Nós, militares, juramos dar a vida pela pátria. Todos vocês aqui juraram dar a vida pela sua liberdade. Eu juro dar a vida pela minha liberdade, repitam. Esse é o nosso Exército. O exército do povo. É o Exército que não admite corrupção, não admite fraude. Que quer transparência, que merece respeito. E que vai ter. Esse é o exército que nos orgulha. O exército de 210 milhões de pessoas — disse o ex-presidente.

'Medo de quê?'
  • Data: 28 de julho
Durante uma live, Bolsonaro criticou um manifesto em defesa da democracia articulado pelo presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes da Silva. Ele afirmou que é uma nota “política em ano eleitoral” e que não conseguia “entender” o motivo do manifesto, criado em resposta às acusações sem provas que o presidente fez do sistema eleitoral brasileiro a embaixadores.

— Não consigo entender. Estão com medo do quê, se estou há três anos e meio no governo. Nunca teve uma palavra minha, uma ação, gesto. Nunca falei em controlar mídia, em controlar mídias sociais, em democratizar a imprensa. Nada — afirmou o presidente, completando: —Por que isso daqui? Uma nota política, eleitoral, que nasceu lamentavelmente na Fiesp em São Paulo.

'Não preciso falar se sou democrata'
  • Data: 02 de agosto
Em entrevista ao SBT, Bolsonaro afirmou que não precisava assinar o manifesto em defesa da democracia articulado pela Fiesp. Bolsonaro repetiu que a carta era "política" e que não precisava falar se é ou não um democrata.

— Essa carta é política. Não precisa eu falar se sou democrata ou não, olha as minhas ações. [...] Essa carta como está você não precisa assinar, é com gestos [...] Eu comprovo que sou democrata pelo o que eu fiz — disse.


Fonte: O GLOBO