Ex-mandatário havia acabado de renovar licença para pilotar, segundo a imprensa chilena; experiente, ele não teria conseguido remover o cinto de segurança e se afogado

O ex-presidente do Chile Sebastián Piñera tomou uma decisão que salvou a vida da irmã, Magdalena, e de outros dois passageiros, Ignacio e Bautista Guerrero, que estavam a bordo do helicóptero que ele pilotava. Ele morreu, na tarde desta terça-feira, aos 74 anos, depois que a aeronave caiu na comuna de Lago Ranco, região de Los Ríos.

O helicóptero começou a perder altitude quando estava a 400 metros da casa do empresário José Cox, amigo com quem o ex-presidente almoçara. Pouco depois de decolar, ao perceber que havia um problema, "Piñera procurou se aproximar da superfície do lago para que seus companheiros pudessem pular na água com segurança enquanto ele tentava controlar a máquina [o helicóptero]", relatou o jornal El Mundo.

Experiente na pilotagem, Piñera orientou os passageiros a saltarem do helicóptero antes dele, segundo contou a irmã dele, Magdalena Piñera.

— Se eu pular com vocês, o helicóptero cairá sobre todos nós — disse ele, de acordo com Magdalena, cujo relato foi divulgado por veículos da imprensa regional como La Razon, El Confidencial, Emol e El Periodico.

Os três conseguiram nadar até a margem e saíram sozinhos do lago. Apenas a irmã do ex-presidente apresentou hematomas, segundo o La Razon. No entanto, na sua vez de deixar o helicóptero, Piñera não teria conseguido tirar o cinto de segurança e, por isso, teria se afogado.

"Uma hipótese que está sendo ventilada até agora sugere que uma das janelas do helicóptero ficou entreaberta, o que embaçou seu vidro em questão de segundos, perdendo toda a noção de distâncias", diz o La Razon.

Um dos hobbies do ex-presidente chileno era pilotar helicópteros. Ele fazia isso desde 2004, quando aprendeu a voar. Em diversas ocasiões, Piñera foi foco da imprensa de seu país após enfrentar problemas com sua aeronave. Em outras ocasiões, Piñera chegou a pagar multas por pousos irregulares. Segundo o canal chileno 24 Horas, ele havia acabado de renovar a licença para pilotar helicópteros e estava no comando do voo.

Experiência como piloto

O ex-presidente tinha vasta experiência em pilotar helicópteros. Em 2004, adquiriu a licença, após ter aulas com o instrutor Alfonso Wenzel. Em 2011 durante entrevista ao portal chileno Qué Pasa , seu professor garantiu que não foi fácil ensiná-lo a voar.

“Quem quer aprender a vagar pelas nuvens deve ser gente conservadora, que arrisca pouco, que não vai contra a corrente , como acontece quando se quer vencer no mundo dos negócios”, disse. E detalhou: “Exatamente o que Piñera não é. Portanto, ele teve que aprender e levou quase um ano para isso. Muito mais do que seu colega de classe".

Seu sócio foi o empresário Andrés Navarro. Ambos tiveram que realizar um curso de 40 horas teóricas e 50 horas práticas para obter a licença de Piloto Privado de Helicóptero. Juntos, eles compraram um helicóptero Robinson 44 para praticar e acrescentar horas de voo.

Mas, o ex-presidente tinha horários muito complicados e muitas vezes faltava às aulas. “Como professor, fiquei preocupado, porque para aprender a voar é preciso uma rotina muito rigorosa”, disse o instrutor na ocasião.

Ele também relatou um momento de tensão que viveram juntos no ar:

“Em uma ocasião houve muita turbulência. Resolvi voltar, mas se não, ele teria continuado. Piñera deveria ter aprendido que para ser um bom piloto é preciso ser mais reflexivo e andar mais devagar, com menos pressa", lembrou.

Foram diversas as ocasiões em que o chileno teve conflitos que envolveram seu helicóptero. Em 2011, Piñera teve problemas com um helicóptero da mesma marca, um Robinson 44. Aconteceu no dia 22 de janeiro do referido ano, quando a aeronave do ex-presidente chileno pousou no meio de uma rota regional na cidade de Quilicura Bajo, nos arredores de Curanipe, na Região VII, cerca de 300 quilômetros ao sul de Santiago.

Sebastián Piñera e Navarro viajavam na aeronave. Ambos estavam pilotando o helicóptero. Pelo que disseram na época, o presidente perguntou onde ele estava e fez um telefonema para conseguir gasolina.

Minutos depois, um helicóptero Carabineros pousou no local para socorrer o então presidente. Conforme relatado na época, Piñera havia dito à Polícia que viajavam com pouca gasolina. Mais tarde, o ex-presidente tentou negar que se tratasse de um pouso de emergência e garantiu que se tratava de uma parada programada.

Em 2008, Piñera pousou no meio do campo principal do estádio Monumental do Chile, onde treinava o time do Colo-Colo. Porém, não foi a única vez que o ex-presidente teve que pagar multa por pousar incorretamente seu helicóptero: em 2007, Piñera pousou seu veículo aéreo no campo do estádio municipal de Quellón, no arquipélago de Chiloé, bem no momento em que uma atividade esportiva começou.

Como era o helicóptero pilotado por Sebastián Piñera?

O helicóptero em que voava o presidente chileno era um Robinson R66 Turbine , modelo que começou a ser construído em 2007, mas só foi lançado ao mercado em novembro de 2010. É um helicóptero monomotor para cinco passageiros projetado e fabricado pela Helicóptero Robinson, empresa nos Estados Unidos.

Até 2020, a empresa havia entregue 1 mil unidades desse modelo, que é maior e mais rápido que o antecessor, o Robinson R44, e possui um compartimento de carga separado. Além disso, um motor turbo eixo, o Rolls-Royce RR300, foi construído sob medida para este modelo.

Segundo o site do fabricante, o R66 foi projetado para ser confiável, econômico e de fácil manutenção, além de ter bom desempenho de voo. Entre as novidades que a empresa introduziu neste modelo, ao contrário do R22 e do R44, está um amplo porta-malas, sistema de ar condicionado na cabine e possibilidade de montagem de console central traseiro.

Outro detalhe que chama a atenção nas principais páginas especializadas em aeronaves é que possui freio de rotor que permite ao piloto parar os rotores rapidamente, reduzindo o tempo de inatividade e o risco de ferimentos aos passageiros e pessoal de terra.

O interior do helicóptero Robinson R66 — Foto: La Nación

Dentro da ficha técnica oficial observa-se que a aeronave atende às mais recentes regulamentações de resistência a colisões da FAA , incluindo seus assentos e tanques de combustível, pois estes absorvem energia e são resistentes a impactos respectivamente.

As especificações incluem peso máximo de decolagem de 1.225 kg, carga útil de 640 kg, potência máxima de 224 cv, diâmetro do rotor principal de 10,0584 m, alcance de 650 km, velocidade máxima de 231,75 km/h e teto de vôo absoluto de 4.267,2 m.

De onde vem a fortuna de Sebastián Piñera e sua família?

Ex-acionista da empresa de aviação chilena LAN — hoje a multinacional LATAM —, de um canal de televisão e do clube de futebol Colo Colo, Piñera foi o primeiro presidente de direita desde o retorno da democracia após a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). No entanto, antes de se envolver na política, foi empresário bem-sucedido e investidor, segundo a Forbes.

O patrimônio líquido de Piñera, avaliado pela revista no dia de sua morte, estava estimado em R$ 13,4 bilhões. A riqueza, de acordo com a revista, foi construída com os investimentos feitos na Latam e, também, em empresas de cartão de crédito.

O acidente que matou o ex-presidente aconteceu na localidade de Lago Ranco, 920 quilômetros ao sul de Santiago. À frente do país por dois mandatos (de 2010 a 2014 e 2018 a 2022), Piñera foi um dos fundadores do partido Renovação Nacional, uma das principais formações da direita tradicional do país.

"Com profundo pesar, comunicamos o falecimento do ex-presidente da República do Chile, Sebastián Piñera Echeñique, aos 74 anos de idade. O ex-chefe de Estado morreu depois que seu helicóptero se chocou enquanto viajava com outras três pessoas, que sobreviveram", comunicou a assessoria do ex-mandatário. As causas do acidente, que ocorreu por volta das 15h no horário local (o mesmo de Brasília), ainda não foram descobertas.

Piñera era quem pilotava o helicóptero, de sua propriedade. A aeronave, um modelo Robinson 66, foi encontrada submersa pela Marinha a 40 metros de profundidade no lago. Seu corpo ainda não pôde ser retirado do local. O Serviço Nacional de Prevenção e Resposta a Desastres (Senapred) informou que, além da Marina, o Corpo de Bombeiros, Carabineros e Samu ainda atuam na região.

Segundo a imprensa chilena, a família de Piñera tem uma propriedade em Bahía Coique, para onde tem o costume de viajar todos os verões, sobrevoando o Lago Ranco. Ainda de acordo com a mídia local, a terça-feira foi chuvosa na região, com condições climáticas complexas.

A ministra do Interior, Carolina Tohá, informou que o presidente Gabriel Boric, que deve se pronunciar em breve, instruiu que seja realizado um funeral de Estado para o ex-presidente, além de ser declarado luto nacional — o país já enfrenta um pela morte de mais de 130 pessoas nos incêndios florestais que assolam o Centro e o Sul do país.

— Ele terá todas as honras e reconhecimentos republicanos que merece — disse Tohá no Palácio de La Moneda, a sede presidencial chilena. — O presidente Piñera nos governou e vamos lembrá-lo pela forma como doou e dedicou sua vida ao serviço público.

Local onde helicóptero de Piñera caiu no Chile — Foto: Editoria de Arte / O Globo

A morte do ex-presidente direitista foi amplamente lamentada por autoridades chilenas e internacionais, incluindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva: "Surpreso e triste com a morte de Sebastián Piñera, ex-presidente do Chile. Convivemos, trabalhamos pelo fortalecimento da relação dos nossos países e sempre tivemos um bom diálogo, quando ambos éramos presidentes, e também quando não éramos. Muito triste seu falecimento de forma tão abrupta. Meus sentimentos aos seus familiares e amigos de Piñera por esta perda", publicou o perfil de Lula no X, antigo Twitter.

Por sua vez, a ex-presidente socialista chilena Michelle Bachelet (2006-2010 e 2014-2018) disse: "sempre valorizei o compromisso do ex-presidente Piñera com o nosso país e a democracia, bem como o seu trabalho incansável e serviço à nação. Que descanse em paz".

O Gabinete do presidente Javier Milei, da Argentina, também lamentou a morte de Piñera, enviando "condolências aos familiares, amigos e ao povo chileno em nome do Estado Argentino".

Também o fez o ex-presidente da Argentina, Mauricio Macri: "Realmente é uma perda total, insubstituível. Hoje me despeço de um amigo e de um líder notável. Todo o meu carinho para sua família", escreveu o ex-presidente argentino no X.

"Sinto a maior dor pela morte do meu grande amigo e colega Sebastián Piñera. Um líder único, um ser humano íntegro e um amigo como poucos que sempre apoiaram a Colômbia. Minha solidariedade a toda a sua família", escreveu o ex-presidente colombiano Iván Duque, muito próximo de Piñera, no X.

O partido Renovação Nacional também lamentou profundamente a morte, destacando sua "marca indelével na política chilena". "Sua vida foi dedicada ao serviço público, demonstrando um compromisso com o bem-estar do Chile e de seu povo. O ex-presidente Piñera foi um líder que constantemente buscou unir o país, transcendendo diferenças políticas para trabalhar pelo bem comum", disse o partido em comunicado.

Quem foi Sebastián Piñera?

Piñera nasceu em Santiago em 1º de dezembro de 1949, filho do ex-embaixador José Piñera Carvallo e Magdalena Echenique Rozas, e teve uma carreira de sucesso como empresário antes de entrar na política. Casado com Cecilia Morel desde 1973, com quem teve quatro filhos, Piñera era engenheiro comercial formado pela Universidade Católica do Chile e pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

Antes de ingressar na política, Piñera construiu uma carreira de sucesso como empresário, sendo um dos principais empreendedores do país. Ele foi fundador e principal acionista de várias empresas, incluindo a companhia aérea LAN Chile (atual Latam Airlines), o canal de televisão Chilevisión e Blanco y Negro, que administra o clube de futebol Colo-Colo.

Sua incursão na política começou nos anos 1980, quando se tornou senador independente após participar ativamente do plebiscito de 1988 contra a ditadura de Pinochet. Mais tarde, em 2005, foi candidato presidencial pela Renovação Nacional, perdendo para Bachelet nas eleições de 2006. Em 2010, liderando a centro-direita, foi eleito presidente, servindo até 2014. Em 2018, foi reeleito para um segundo mandato, encerrando em 2022, sendo sucedido por Boric.

Durante seu último mandato, Piñera enfrentou a crise social de outubro de 2019, quando protestos massivos desencadeados pelo aumento das tarifas do metrô acabaram se transformando em uma grande reivindicação contra um modelo de mercado livre com a ausência do Estado na educação, saúde, pensões e sem assistência social.

A pandemia de Covid-19 se somou à convulsão social; a polarização política cresceu devido ao debate sobre a mudança da Constituição; e, além disso, houve uma crise econômica que o Chile não experimentava há 30 anos.


Fonte: O GLOBO