Walter Schalka defende reforma administrativa para reduzir custo-Brasil e diz que indústrias não precisam de governo. Ele atribui longevidade da gigante de celulose à agilidade e à cultura de inovação

O Brasil precisa chegar a seu máximo potencial de crescimento e isso passa pela reforma administrativa e redução do tamanho do Estado, defende o presidente da Suzano, Walter Schalka, em entrevista ao GLOBO. Na percepção do executivo, existe maturidade na economia brasileira para as empresas serem independentes de apoios estatais.

Na segunda-feira, o governo anunciou um pacote de R$ 300 bilhões de estímulo à indústria, com participação do BNDES, que prevê subsídios e crédito mais barato. Nesta semana, a Suzano comemorou seu 100º aniversário e entrou para a seleta lista de empresas brasileiras seculares.

Em campanha que começa a ser divulgada, a fabricante de celulose se classifica como “uma startup de 100 anos” pela agilidade na tomada de decisões e inovação.

Qual é a avaliação do plano anunciado para promover a neoindustrialização do país?

Trabalhar com conteúdo local, com subsídios, não deu certo no passado. Minha percepção é que já existe maturidade na economia brasileira para as empresas serem independentes de apoios governamentais. Esses apoios geralmente têm componente político, lobbies setoriais, e isso não contribui para uma maior produtividade e eficiência da economia brasileira.

Temos então que focar no ganho de competitividade das empresas brasileiras. E, para isso, reduzir o custo-Brasil. Assim, precisamos reduzir o tamanho e melhorar a competitividade do Estado. A eficiência do Estado brasileiro é baixa. Se fizermos essas reformas, vamos liberar muitos recursos para renovar a infraestrutura, que é tão deficiente.

O setor de celulose, e não estou falando só da Suzano, não precisa de proteção nenhuma. Sua proteção está na competitividade criada ao longo do tempo.

Como avalia o primeiro ano do novo governo em termos de condução da economia?

Fico satisfeito de o Brasil estar trabalhando para ter uma disciplina fiscal. O país ainda precisa de reformas para elevar o seu máximo potencial de crescimento. Precisamos da reforma administrativa e da educação. Infelizmente o Brasil vive ainda uma polarização inadequada, e isso não ajuda a resolver questões estruturais que levem a uma melhor qualidade de vida da população.

Fábrica da Suzano em construção em Mato Grosso do Sul — Foto: Divulgação

O que permitiu à Suzano completar um século?

Tem o pioneirismo da família Feffer (fundadora da empresa), que sempre teve características de empreendedorismo e inovação. E a companhia investe 90% da geração operacional de caixa de forma contínua ao longo do tempo, independentemente do ambiente econômico, político, das questões geopolíticas. Isso é uma mola propulsora para o futuro.

A Suzano está sempre procurando ter um diferencial com inovação, que tenha origem na própria companhia, para não replicar o que concorrentes fazem. Temos agilidade no processo de decisão, cultura de inovação e de sustentabilidade. Isso cria diferenciais de difícil replicabilidade. Esse é o conceito que a gente tem no nosso negócio, que produz uma combinação muito forte.

Quanto a empresa está investindo neste início de novo ciclo? E quanto investiu nos últimos anos?

Nos últimos quatro anos, foram R$ 60 bilhões. É o maior investimento privado do país. No ano passado, foram R$ 18,5 bilhões, e este ano, mais R$ 16,4 bilhões. A empresa busca as melhores alternativas de alocação de capital para aumentar sua base fundiária.

Hoje, a Suzano planta 1,2 milhão de árvores todos os dias. E estamos fazendo investimento em plantas novas. Até o fim do primeiro semestre vamos inaugurar a maior planta de celulose do mundo (Projeto Cerrado, em Mato Grosso do Sul). Só em Cerrado, foram R$ 22,2 bilhões.

O que mudou no mercado de celulose com a digitalização e menor uso de papel?

Muita gente faz a conexão do papel com a questão do imprimir e escrever. Nesse campo, o papel vem perdendo representatividade ao longo do tempo. Mas tem utilizações que estão crescendo. O mercado de tissues (papel higiênico, guardanapos, toalhas de papel), por exemplo, vem crescendo globalmente.

A celulose de fibra curta (produzida pela Suzano) vem ganhando espaço da fibra longa no mundo. Também temos ganhado espaço do plástico. Ao longo do tempo, o plástico terá que ser extinto. E o melhor produto para repor é a fibra de celulose.

E como está a Suzano em competividade no setor?

Somos o produtor de menor custo global. Nosso custo hoje é da ordem de US$ 180 por tonelada. Os europeus, canadenses, chineses estão na ordem de US$ 550 por tonelada. É uma diferença brutal. Mas eles têm vantagem e custo logístico menor, porque o maior consumo está lá.

Nós temos mitigado isso colocando mais ferrovias no nosso sistema, navios de maior capacidade. Acabamos de lançar o maior navio de celulose do mundo.

Em busca de mais áreas para eucaliptos, a Suzano briga com culturas de milho e soja?

Nossa competição é com pasto. Não conseguimos competir com soja e milho, que pagam preços melhores pela terra do que nós. Eles têm um rendimento em reais por hectare melhor que o nosso. Mas com pasto, geralmente degradados há muitos anos, nós conseguimos ter melhor resultado.

São áreas com menor teor de argila e, portanto, não tão competitivas. Compramos ou arrendamos a terra.

A Suzano já tem uma ’joint venture’ na Finlândia para produzir têxteis sustentáveis. Vai se expandir lá fora?

Ao longo do tempo a companhia terá que fazer um movimento de internacionalização mais forte. Nós crescemos bastante no Brasil e vendemos para 110 países. Mas, em muitas aplicações do produto para a conversão final, tem que estar próximo do cliente. Já temos essa primeira joint venture, mas temos outras alternativas para olhar o futuro.

A companhia anunciou um investimento de US$ 100 milhões em pesquisa e educação para sustentabilidade. O consumidor já tem essa visão de sustentabilidade?

Nem no Brasil, nem no mundo, infelizmente. Só uma pequena parte da população de 8 bilhões de pessoas (entre 3% e 4%) tem interesse em sustentabilidade e entende isso como fundamental, um legado para as próximas gerações. A pessoa concorda com a tese, mas se você pergunta se ela pagaria um centavo a mais por um produto sustentável, geralmente a resposta é não.

Ou seja, se tiver algum custo financeiro, eu não quero mudar os meus hábitos. Mas nós seremos forçados a mudar. Estamos indo para o precipício, e esse é um jogo que envolve 8 bilhões de pessoas, que terão de atuar juntas.

O Brasil tem vantagens competitivas quando se fala em sustentabilidade. Como fazer para aproveitá-las?

O país tem uma possibilidade imensa de ter inserção na geopolítica global, por meio da questão ambiental. Nenhuma nação tem o nível de energia renovável que temos na nossa matriz. Poucos países têm a quantidade de água que temos, além da dimensão da Amazônia. Tudo isso é um diferencial competitivo.

Tem um mundo de possibilidades para o Brasil explorar adequadamente para criar muito valor. E o Brasil precisa exigir — e a palavra é essa mesma — do Hemisfério Norte para se sentar na mesa e discutir de igual para igual como resolver as questões climáticas globais.

Onde estará e como será a Suzano daqui a cem anos?

Eu acho que a sociedade vai se beneficiar da relação com a Suzano ao longo da história. Nossos produtos estão do lado certo da equação de sustentabilidade. E também na questão ambiental, que é tão fundamental para a sociedade. Estamos trabalhando para sermos cada vez mais bem posicionados no lado social.

Acho que, mais do que projetar a Suzano daqui a 100 anos, temos de projetar a companhia daqui a três ou cinco anos. Esse é o horizonte que a gente consegue prever. O ambiente global vai se transformando ao longo do tempo, e a capacidade de adaptabilidade da Suzano às novas tendências é que vai fazer dela uma empresa sempre na vanguarda.


Fonte: O GLOBO