Houve 84,2 mil reclamações sobre qualidade do abastecimento na Aneel no ano passado. Tarifa deve ficar 5,6% mais cara, em média, em 2024 estima agência

Num momento em que as reclamações por problemas no fornecimento de energia dispararam, a conta de luz dos brasileiros deve subir acima da inflação neste ano. Projeção divulgada ontem pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aponta para uma alta média de 5,6% nas tarifas, acima das estimativas do mercado financeiro para o índice geral de preços este ano, de 3,86%.

Em 2023, a alta média nas contas foi de 5,9%. Enquanto isso, as queixas de consumidores pela qualidade no fornecimento de energia no país baterem recorde em 2023, conforme dados da própria Aneel.

Nos 12 meses encerrados em dezembro, dado mais recente, 84.328 reclamações por qualidade do fornecimento de energia foram feitas ao órgão, o maior patamar da série histórica, iniciada em 2014. Foi alta de quase 40% ante igual período de 2022.

As reclamações relativas ao Grupo Enel (com concessionárias em Rio, São Paulo e Ceará) subiram 52,88%. Para a Enel Rio, o número de reclamações pela qualidade do fornecimento saltou 103,98% de um ano para outro. A empresa atende Niterói, Região dos Lagos e Norte Fluminense.

Os dados são analisados pela Aneel, que pode aplicar multas ou outras sanções.

Reclamações Enel — Foto: Criação O GLOBO

No Rio Grande do Sul, a prefeitura de Porto Alegre pediu à Aneel maior fiscalização da CEEE Equatorial na semana passada. E a concessionária já é alvo até de uma CPI na Câmara Municipal.

A companhia disse que restabeleceu o fornecimento a 99,8% dos clientes desabastecidos devido a temporais do dia 16. E que eventos climáticos extremos vêm impactando a rede elétrica do estado. Mas afirma investir para melhorar os serviços.

Outras cidades gaúchas acionaram a Rio Grande Energia (RGE). Em Estrela, com pouco mais de 32 mil habitantes, João Carlos Schäfer, vice-prefeito em exercício, diz que na semana passada, após chuvas, cerca de 80% dos moradores ficaram sem luz por 72 horas:

— Protocolamos uma ação civil pública e obtivemos uma decisão favorável. Fizemos uma representação na Aneel porque os problemas com a RGE são recorrentes.

Prefeitos vão à Justiça

As cidades de Venâncio Aires e Cachoeirinha também entraram na Justiça. Segundo Schäfer, os 27 municípios que fazem parte da Vale do Taquari iniciaram discussões com o Ministério Público para pedir a troca da RGE como fornecedora de energia pela cooperativa de energia Certel.

A RGE informou estar em contato com as autoridades. Outras cidades estão recorrendo à Justiça.

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), classificou a Enel de “irresponsável”, no último dia 10, depois de bairros da cidade ficarem sem luz por mais de 24 horas após dois dias de fortes chuvas. Ele afirmou que a concessionária não cumpriu o plano de contingência e que “tem que sair da cidade”.

O município ajuizou uma ação contra a Enel cobrando melhor atendimento e restabelecimento mais célere do fornecimento.

Segundo o presidente da Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica, Marcos Aurélio Madureira, os números refletem os eventos climáticos que atingiram São Paulo e Rio no fim de 2023:

— Isso puxou para pior os dados. A questão é quando há tombamento de árvores de grande porte, que derrubam postes e fazem cair a rede. Já vemos experiências positivas de municípios que têm feito a troca da arborização, para espécies de menor porte.

Segundo o engenheiro Roberto Pereira D’Araújo, do Instituto Ilumina, a Aneel deveria liderar a fiscalização com o avanço dos efeitos das mudanças climáticas:

— Mas percebemos pouca atuação da agência, especialmente nos locais mais vulneráveis, onde há proximidade entre a rede e as árvores, que têm provocado os inúmeros apagões.

Após Niterói ter registrado as chuvas mais intensas em dez anos, a prefeitura pretende iniciar nova ação judicial contra a Enel para evitar mais problema de fornecimento. A ação será movida em conjunto com a prefeitura de Areal, diz o prefeito de Niterói, Axel Grael (PDT), e deve ser protocolada hoje. Ele frisa que a ideia é reunir 65 municípios atendidos pela Enel.

— Em novembro e dezembro, muitos bairros ficaram dias sem energia. A empresa não tem um plano de contingência. Em novembro, entramos na Justiça pedindo para retomar o fornecimento de energia mais rápido — diz Grael.

No fim de dezembro, Niterói entrou com uma representação na Aneel cobrando maior fiscalização da Enel.

No fim de dezembro, Niterói entrou com uma representação na Aneel cobrando maior fiscalização da Enel — Foto: Divulgação

A Enel Distribuição Rio informa que sua operação em Niterói se manteve em condições de normalidade nos últimos dias, mesmo com chuvas. Diz que, diante do alerta de tempestades, mobilizou seu plano de contingência, “que prevê o reforço de até três vezes no número de equipes em campo”, entre outras medidas. E que dialoga com a prefeitura.

Maricá dorme na praia

Também Maricá fez uma representação na Aneel contra a concessionária. E, após iniciar uma ação civil pública contra a Enel, obteve no último sábado na Justiça decisão que proíbe a empresa de cortar a energia de qualquer consumidor por 30 dias e dá duas horas para restabelecer o fornecimento.

Semana passada, dezenas de moradores do distrito de Itaipuaçu, que estavam sem energia, foram dormir na praia devido ao calor. O juiz José Renato Oliva de Mattos Filho, da 1ª Câmara Cível da Comarca de Maricá, determinou que a Enel apresente em 30 dias plano de contingência. Em caso de descumprimento, há multa diária de até R$ 20 mil.

— Desde meados do ano passado, aplicamos à concessionária três multas, somando mais de R$ 6,4 milhões. Mas nada mudou — diz o prefeito Fabiano Horta (PT).

A Enel diz que as tempestades em Maricá causaram danos na rede, afetando o fornecimento. E, com queda de árvores de grande porte, foi preciso reconstruir trechos inteiros da rede. Houve manobras para reduzir o número de clientes afetados.

Para reforçar a distribuição, a companhia antecipou aporte de R$ 1,5 milhão para a construção de mais dez quilômetros de redes.

Na cidade do Rio, queixas de moradores da Ilha do Governador crescem. Procurada, a Light disse que iniciou no dia 18 a construção de três linhas de distribuição para atender o bairro e a instalação de cem postes. A prefeitura não informou se adotou medidas.


Fonte: O GLOBO