Além de evidenciar o perfil garantista do ex-magistrado, seus votos na Corte sinalizam que a agenda de combate à “cultura do encarceramento” devem ser prioridades no novo posto

Anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o Ministério da Justiça, Ricardo Lewandowski analisou, em sua passagem pelo Supremo Tribunal Federal (STF), processos relacionados a pautas que estarão na ordem do dia da pasta que comandará a partir de fevereiro, como regras para acesso a armas de fogo. 

Além de evidenciar o perfil garantista do ex-magistrado, seus votos na Corte sinalizam que a agenda de melhoria das condições do sistema prisional e o combate à “cultura do encarceramento” devem ser prioridades no novo posto.

Especialistas lembram que a questão dos presídios tem conexão direta com a atuação de facções criminosas no país. As críticas de Lewandowski ao sistema foram recorrentes em sua trajetória na Corte. 

Em 2018, como relator de um habeas corpus coletivo para presas grávidas e mães de crianças com até 12 anos de idade, o então ministro do STF defendeu que falha estrutural no sistema prisional agrava a “cultura do encarceramento” vigente no país, que se manifesta “pela imposição exagerada de prisões provisórias a mulheres pobres e vulneráveis”.

Em 2015, o magistrado também entendeu que o Judiciário pode obrigar o Executivo a fazer obras em unidades prisionais para garantir aos detentos o respeito a sua integridade física e moral. Ele utilizou o voto para criticar o contingenciamento de recursos do Fundo Penitenciário Nacional.

— Não é possível alguém ser condenado a pena privativa de liberdade e ela ser exacerbada em situações degradantes que atentam contra a dignidade da pessoa humana — disse ele, na ocasião.

Pautas de Lewandowski no Supremo — Foto: Editoria de Arte

Agora no comando da Justiça, Lewandowski terá impacto direto na execução do fundo, que é gerido pela Secretaria Nacional de Políticas Penais. Em junho do ano passado, o Brasil tinha mais de 640 mil presos, segundo dados do órgão.

Audiências de custódia

Quando foi presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2015, Lewandowski também liderou a implementação das audiências de custódia, iniciativa que tinha entre seus objetivos frear o aumento do índice de presos ainda não julgados.

O diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Sérgio de Lima, avalia que o posicionamento do novo ministro dialoga com a demanda do governo Lula de enfrentar o tema da segurança pública.

— Lewandowski vai trazer para o primeiro plano a discussão da política penal e o sistema prisional, que está na ordem do dia quando pensamos em crime organizado e facções — analisa o pesquisador. — Para garantir lei e ordem, é preciso garantir mínimas condições do sistema prisional e reduzir o poder das facções ao cuidar dos presos.

A circulação de armas de fogo no país é outro desafio. Lewandowski foi relator de um julgamento que definiu a constitucionalidade do Estatuto do Desarmamento, em 2007. Em setembro de 2022, ele acompanhou o ministro Edson Fachin em três ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) que suspenderam os efeitos de trechos dos decretos do governo Bolsonaro que flexibilizaram o acesso a armas.

O posicionamento está em sintonia com a tarefa que Lewandowski terá no Ministério da Justiça de tirar do papel um plano de recompra de armas de fogo que voltaram a ser de calibre restrito no governo Lula, entre elas fuzis e pistolas 9 mm. No ano passado, o atual ministro da Justiça, Flávio Dino, que assumirá uma vaga no STF, afirmou que o programa dependia da alocação de recursos e poderia chegar a R$ 100 milhões. 

A pasta também precisará concluir o processo de migração do sistema de controle de armas do Exército à Polícia Federal. Até lá, os caçadores, atiradores desportivos e colecionadores (CACs) continuam a ser fiscalizados pelos militares.

Operações policiais

Em outro tema sensível para o Ministério da Justiça, Lewandowski se posicionou a favor de impedir a realização de operações policiais em favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia. Em março de 2023, ele também acompanhou a maioria da Segunda Turma do STF na decisão de que o Estado do Rio é responsável por balas perdidas decorrentes de operações policiais.

Lewandowski seguiu o posicionamento do ministro Gilmar Mendes, para quem cabe ao Estado comprovar que uma ação foi legal quando ocorre uma morte durante operação policial. A discussão chegou à Corte por meio de um recurso apresentado pela família de Luiz Felipe Rangel Bento, que em 2014 morreu aos 3 anos após ser baleado na cabeça enquanto dormia em sua casa. No momento em que o menino foi atingido, policiais faziam uma operação no Morro da Quitanda, em Costa Barros.

Em outra ação analisada pela Segunda Turma do STF, em fevereiro do ano passado, Lewandowski concordou com a tese de que era ilegal a condenação de um homem pelo crime de roubo, tendo como prova apenas o reconhecimento fotográfico realizado, inicialmente, por meio do aplicativo WhatsApp. A questão estava sendo analisada em um recurso apresentado pela Defensoria Pública da União.

O novo ministro da Justiça também votou, ainda no âmbito da Segundo Turma, pelo encerramento de uma ação penal contra o bicheiro Rogério de Andrade em 2022. Antes de seguir o parecer do relator do processo, o ministro Nunes Marques, Lewandowski chegou a suspender o julgamento com um pedido de vista.

Os ministros Gilmar Mendes e André Mendonça também seguiram o voto do relator. Edson Fachin foi o único a divergir. No processo, o bicheiro era apontado como mandante do assassinato de Fernando Iggnácio, com quem disputava pontos de jogo.

— A despeito da descrição normativa atrelada ao ora denunciado, a peça acusatória em momento algum narra qualquer outra circunstância ou elemento hábil à caracterização do crime, é omissa com relação aos demais supostos integrantes da quadrilha, é omissa em descrever minimamente um suporte fático que autorize ao menos a inferir a estabilidade e permanência da suposta associação criminosa — concluiu Lewandowski.


Fonte: O GLOBO