Decisão da Câmara de retomar urgência para o projeto, retirada dias antes, evidenciou divergências entre Congresso e o ministro Camilo Santana

Em um movimento capitaneado pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), a decisão de ontem da Câmara de acelerar a tramitação do projeto de reforma do Novo Ensino Médio evidenciou as divergências entre o Congresso e o ministro da Educação, Camilo Santana. A medida foi uma derrota para o Planalto, por trazer de volta ao projeto a urgência que o governo havia retirado há três dias, diante das mudanças no texto originalmente enviado pelo MEC, feitas pelo relator, Mendonça Filho (União-PE) (leia mais detalhes ao lado).

Ao tirar o caráter de urgência do projeto, o governo incomodou Lira, pelo entendimento de que o Executivo não pode ditar o ritmo do Legislativo. O retorno da urgência está ligado a uma série de insatisfações que começou com as críticas do Centrão ao ministro por travar verbas destinadas pelos parlamentares para o FNDE. Segundo levantamento do GLOBO, em outubro, apenas 4% do dinheiro tinha sido liberado. O montante de cerca de R$ 500 milhões pode ser usado em projetos como construção de creches, em escolas da educação básica e na compra de ônibus escolares.

Outro ponto de atrito foi a escolha de Santana por Fernanda Pacobahyba, uma pessoa de sua confiança, para assumir o FNDE em janeiro. Fernanda Pacobahyba foi secretária de Fazenda no Ceará quando ele era governador. A nomeação incomodou o Centrão, tirado de cena após comandar o fundo na gestão de Jair Bolsonaro.

Na terça-feira, a Câmara aprovou um projeto da deputada Tabata Amaral (PSB-SP) que garante bolsa para estudantes do ensino médio, no lugar de uma medida provisória que previa a medida, publicada em 28 de novembro. Apesar da escolha do deputado Pedro Uczai (PT-SC) para a relatoria do texto, Lira retirou o protagonismo do ministério comandado por Santana em relação a uma das principais medidas planejadas pelo governo para a educação este ano.

Votação em breve

Em relação ao projeto do Novo Ensino Médio, Lira disse ao GLOBO que está “tentando construir um entendimento com líderes para a próxima semana”.

— É fundamental aprovar ainda neste ano, para diminuir a insegurança no meio educacional. Quem aprova lei é o Legislativo, que não é uma casa de carimbação. A única divergência é técnica: o projeto eleva as horas de aulas de 1,8 mil para 2,1 mil, e o governo quer 2,4 mil. Mas ainda estamos negociando — disse Mendonça.

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), integrante da base, reconhece a possibilidade de aprovação em 2023.

— Sabemos que o prazo entre a aprovação da urgência ao projeto e a apreciação do mérito vai ser de, no máximo, uma semana. Estamos tentando negociar os principais pontos relativos à carga horária, para chegarmos a um entendimento melhor.

Ministro da Educação no governo Michel Temer, quando foi responsável pela mudança desta etapa do ensino que está atualmente em vigor, Mendonça acolheu uma sugestão do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) que previa alterações na carga horária das disciplinas e o retorno do ensino à distância.

A sugestão inicial do Consed era de 1,8 mil horas na formação geral básica — similar ao que está na lei aprovada quando o deputado era ministro e muito distante do projeto de Santana.

O texto agora prevê que a formação geral básica, parte obrigatória para todos os alunos do currículo, tenha 2,1 mil horas, com possibilidade da utilização de 300 dessas horas para ensino técnico. O projeto original do MEC era de 2,4 mil horas, com exceção do ensino técnico, que teria um piso de 2,1 mil horas.

Em nota, o MEC criticou a alteração: “O Brasil tem uma oportunidade de pacificar o tema do ensino médio. Ter 2.400 horas para formação geral básica é um pleito legítimo de professores e estudantes e reduzir e equacionar itinerários é fundamental para garantir equidade de oferta”.

‘Não entrou em campo’

Outras mudanças de Mendonça são a dispensa dos estados de fornecer aulas de espanhol e a liberação de aulas à distância. As duas propostas também contrariam o projeto do governo.

Integrante da equipe de transição na área de educação e crítico ao relatório de Mendonça, o professor da USP Daniel Cara diz que Santana precisa adotar uma postura mais ativa no Congresso para impedir a votação do texto na forma como está:

— Na prática, o ministro ainda não entrou em campo para defender o projeto. Só se dedicou a conversar com o relator na semana passada. Como ministro da Educação, precisa chamar Lira, Mendonça e restabelecer relação com todos os parlamentares que ele sequer tem atendido.

As outras rixas entre ministério e Congresso
  • Comando do FNDE: O ministro indicou para a presidência de um dos órgãos mais cobiçados pelo Centrão a ex-secretária de Fazenda do Ceará Fernanda Pacobahyba, que não tem ligações com o grupo político de Arthur Lira. Anteriormente, o presidente era Marcelo Lopes da Ponte, ex-chefe de gabinete de Ciro Nogueira (PP-PI), e o diretor de Ações Educacionais, Gharigam Amarante, homem de confiança de Valdemar da Costa Neto, presidente do PL de Jair Bolsonaro.
  • Recursos do antigo orçamento secreto: O MEC é um dos alvos de reclamações de parlamentares por não empenhar recursos das emendas de relator, o antigo orçamento secreto barrado pelo STF, que foram para os ministérios. Em novembro, de R$ 79 milhões destes recursos, o ministério não havia empenhado R$ 68,8 milhões (86%). Até parlamentares do governo reclamaram da falta de interlocução com Camilo Santana para liberar também verbas do FNDE.
  • Projeto de Tabata no lugar da MP: O governo enviou uma medida provisória com o que considera uma das principais ações na educação neste ano: a criação de uma bolsa para estudantes de baixa renda no ensino médio. Mas Arthur Lira preferiu por em votação um projeto da deputada Tabata Amaral (PSB-SP) que propunha o benefício desde 2021. Mesmo o fato de o relator ter sido o petista Pedro Uczai (SC) não escondeu o constrangimento e a intenção do presidente da Câmara de tirar o protagonismo do MEC de Santana.
O que o governo quer e o que a Câmara propõe:

Carga horária:
  • MEC: Formação geral básica teria um piso 2,4 mil horas, com exceção do ensino técnico que seria de 2,1 mil horas. O restante do tempo seria para itinerários formativos.
  • CÂMARA: Formação geral básica teria um piso de 2,1 mil horas. No ensino técnico, os estados poderiam usar 300 dessas horas na parte flexível do currículo.
Ensino à distância:
  • MEC: Veta a oferta de disciplinas.
  • CÂMARA: Libera a oferta.
Ensino de Espanhol:
  • MEC: Volta a ser obrigatório.
  • CÂMARA: Deixa de ser obrigatório.
Novo Enem
  • MEC: Debate ficaria para depois depois da aprovação das mudanças do Novo Ensino Médio, nas discussões da renovação do Plano Nacional de Educação, que termina em 2024.
  • CÂMARA: Um dia de prova das disciplinas da formação geral básica e outro com os itinerários formativos, com base em uma matriz curricular para a parte flexível do currículo, que ainda precisa ser criada.

Fonte: O GLOBO