Competição conta hoje com 23 atletas brasileiros, país com maior número de estrangeiros

A experiência de 12 anos atuando na CBF para alavancar o Brasileirão e a Copa do Brasil levou Manoel Flores a se tornar, neste mês, Diretor de Competições e Operações da liga de futebol da Arábia Saudita, onde uma série de craques internacionais desembarcaram nos últimos meses, do português Cristiano Ronaldo ao brasileiro Neymar. 

Ao GLOBO, Flores conta como tem sido a atuação no país que se tornou atraente para atletas de primeiro escalão e cujo ambicioso projeto esportivo deve culminar na realização da Copa do Mundo de 2034.

Você desembarcou, em janeiro, para ser consultor da Liga Saudita em meio ao boom de investimentos em futebol no país. Como foi o trabalho inicial e como se deu a efetivação no novo cargo?

Foram dez meses de uma consultoria ao Ministério do Esporte, conhecendo as pessoas, construindo relações e entendendo o mercado. A Arábia Saudita é um país apaixonado por futebol, como o Brasil. E o futebol é o carro-chefe na estratégia atual e futura do país. 

Depois, recebi o convite para me juntar à liga, que está neste processo de atrair grandes atletas, o que ficou bem marcado na janela de transferências do meio do ano. Fiquei feliz de ser reconhecido internamente, por conta do que entreguei no Brasil, do que conseguimos construir no Brasileiro e na Copa do Brasil.

Já deu para entender os desafios nesse novo país?

O que me chamou a atenção nos primeiros meses foi a relevância que o futebol tem. É um país grande, com uma população apaixonada. Tem um grupo de clubes maiores, como no Brasil e na Europa. Clubes que atraem mais a mídia, o torcedor. E a cultura dos sauditas é parecida com a do brasileiro: um povo alegre, engajado, determinado e, sobretudo, apaixonado. 

Depois do jogo do Fluminense (contra o Al-Ahly, no Mundial), ouvimos muitos relatos de alegria do povo saudita com o time brasileiro. Peguei um motorista em Jedá, e o grande ídolo dele no futebol é o Thiago Neves. Os desafios que vou encontrar aqui são parecidos com os da CBF, que é a parte da gestão do produto, de atrair mais o torcedor para a arquibancada, de agregar valor a todos os componentes de marca, público, etc

Qual é a missão a curto prazo?

Consolidar a forma de disputa. A gente tinha um campeonato que era disputado de maneira diferente a cada ano. Eram 15, agora são 18 clubes. O formato é simples, de pontos corridos. Essa atratividade passa também por toda a estratégia do país, que tem o turismo como um dos pilares. Fazer com que o país seja moderno, bom de se morar. 

Acredito que os atletas estão felizes aqui. Eles têm opções de restaurantes, viagens, locais de visitação... Se hoje o país é uma realidade na competitividade de contratações, não é só por trazer atenção mundial. Tem toda uma estratégia de médio e longo prazo. A liga vai crescer junto com esse processo de atração.

E quais são as pretensões da liga e do país para o futuro?

A ideia é a liga crescer como um todo. Tem a ambição de se tornar uma das dez melhores do mundo. Isso passa por agregar valor, o que envolve equilíbrio técnico e torná-la mais competitiva. Tê-la no imaginário do torcedor saudita e internacional, com estratégias e eventos para atrair cada vez mais fãs. Vejo-a competindo com as grandes ligas quando o assunto é direito esportivo. 

A liga acabou de se mudar para um escritório novo, tem a intenção de trazer os melhores profissionais. Espera-se que a seleção cresça junto. O limite de oito atletas internacionais por equipe é para que os grandes jogadores sirvam de exemplo para os mais jovens. A estratégia de construir campos de futebol pelo país também contribui para o nascimento de talentos.

Já se pode dizer que há profissionalização por aí?

É preciso estruturar isso, ter estratégias que passam pela participação da população e pelo desenvolvimento de talentos. Tudo caminha para pavimentar esse trajeto. Os clubes têm suas estruturas, mas muitos estão construindo novos centros de treinamento. 

Tudo é pensado de forma não pontual, diferentemente de muitas iniciativas mundo afora. Nada é feito sem uma estratégia pensada por muita gente. A visão do país toca nesses aspectos. Querer uma população ativa, a Arábia Saudita como referência em várias áreas. E o futebol é uma forma de comunicação incrível para isso

Como ficam os costumes locais nesse processo?

Na Arábia Saudita, o futebol e a vida transcorrem normalmente. Não vejo nenhuma questão interferindo. Independentemente de aonde vá, você tem que lidar com peculiaridades locais. No Brasil, tem estados com regras diferentes. Aqui, nada interfere na boa gestão do futebol.

E em relação às transferências? O dinheiro, em boa parte vindo do governo, não vai ‘ter fim’?

A competitividade da liga saudita no mercado veio para ficar. Eles serão compradores ativos, sempre com muita estratégia. Não vejo os clubes esmorecendo nesse sentido. Sempre vão ser players relevantes. É uma realidade. E serve para todos os atletas, incluindo brasileiros.

Como a presença de Neymar ajuda o projeto saudita?

Estamos vivendo o hype dele desde que foi anunciado. É um ídolo, foi muito aguardado e celebrado. O carinho do torcedor saudita pelo Brasil é algo de destaque, e com o Neymar não é diferente. Torço para que ele retorne logo para abrilhantar o torneio (o atacante está se recuperando de grave lesão e não deve atuar durante o primeiro semestre de 2024). São 23 brasileiros na liga, o país com maior número de estrangeiros hoje.

Os portugueses, por sua vez, têm presença crescente através de técnicos como Jorge Jesus e Luís Castro...

Eles fazem um trabalho incrível. Treinador português é bem visto no mundo inteiro. Jesus pegou o Al-Hilal e decolou. Percebo que o trabalho deles é muito valorizado, tornam-se referência para a torcida, que gosta de um futebol bem jogado. Aqui tem música, mosaico, bandeira... Mas também tem protesto, vaia, torcida organizada, tudo isso. Se a Copa se confirmar aqui (o país é candidato único), será um espetáculo. O saudita é um povo diferente.


Fonte: O GLOBO