Os 63 pontos de Palmeiras e Flamengo, respectivamente líder e vice-líder separados pelo saldo de gols, representam a menor pontuação de um ponteiro da competição desde 2010

Ao longo dos últimos anos, sempre que se pretendeu buscar casos excepcionais, exemplos de grandes arrancadas ou viradas inesperadas, o Campeonato Brasileiro de 2009 costumava ser uma fonte inesgotável. 

Aquela edição, que até hoje detém o recorde negativo na pontuação do campeão – o Flamengo -, foi sistematicamente usada para manter acesas as esperanças de times que se distanciavam de seus objetivos. Agora, em 2023, estamos diante de um Brasileirão que promete redefinir os conceitos da excepcionalidade.

Os 63 pontos de Palmeiras e Flamengo, respectivamente líder e vice-líder separados pelo saldo de gols, representam a menor pontuação de um ponteiro da competição desde 2010 – levando em conta, é claro, a fotografia da tabela ao final da 35ª rodada de cada edição do campeonato. 

Desde que o torneio passou a ser jogado por 20 times, apenas em 2009, justamente o campeonato das exceções, o líder tinha menos de 63 pontos: naquele ano, o São Paulo terminou a 35ª rodada com 62 pontos. O Flamengo, que viria a ser o campeão, tinha 60.

É curioso que a ampliação das desigualdades econômicas vinha provocando dois fenômenos no Campeonato Brasileiro: o aumento da pontuação do campeão, uma maior concentração de pontos entre os primeiros colocados e a queda na pontuação dos rebaixados. 

A exceção recente fora o torneio de 2020, impactado pelos estádios vazios e pela pandemia. Entre 2006 e 2013, jamais um campeão em 38 rodadas atingira 80 pontos. Das nove edições seguintes, sete viram esta marca ser superada. A atual edição contraria tudo isso.

Neste momento, os três primeiros colocados somam 188 pontos. É o menor número dos últimos 12 anos. Em 2011, Corinthians, Vasco e Fluminense tinham, juntos, 185.

Por outro lado, os 41 pontos do 17º colocado ao fim desta rodada representam outro recorde: é a maior marca na era dos pontos corridos, empatada com a edição de 2007. Ou seja, nunca foi preciso fazer tão pouco para ganhar o título, e quase nunca foi preciso tanto para evitar o rebaixamento.

Há várias formas de interpretar o fenômeno. O caso é que a lógica da concentração econômica não foi rompida: há uma elite financeira estabelecida no futebol brasileiro. E quem olhar a classificação ao fim desta 35ª rodada, terá a tentação de dizer que a lógica novamente se estabeleceu e, outra vez, os mais ricos ditaram os rumos do torneio: Palmeiras, Flamengo e Atlético-MG estão, com a companhia do Botafogo, entre os quatro primeiros. O caso é que a tabela confirma expectativas por linhas tortas.

Esta é uma temporada em que os mais poderosos não traduziram dinheiro em desempenho. O Atlético-MG, ao bater o Grêmio de forma contundente, foi fazer no fim de novembro sua melhor partida no campeonato. 

Uma das poucas atuações plenamente convincentes de um elenco robusto. Já o Palmeiras com seu sistema de três zagueiros, ou o Flamengo com Tite, recentemente encontraram alguma consistência. Mas durante boa parte do ano, o que se discutia era porque os dois rivais não jogavam bem. Não fosse a inédita derrocada do Botafogo, os mais poderosos teriam passado longe de disputar a taça.

Sem que os mais ricos dominassem a disputa, o campeonato, que pela primeira vez após 4 anos reunia o tradicional grupo dos 12 grandes, dividiu pontos em todos os estratos da tabela. E vê, nas últimas temporadas, a subida de patamar de Bragantino, Fortaleza e Athletico-PR, apesar das oscilações dos dois últimos. Sem falar em SAFs que ampliam o investimento de clubes que vinham em crise.

O Brasileirão reforça a marca da competitividade. Mas seu campeão não será lembrado por uma temporada brilhante. No futuro, falaremos de 2023 como outra temporada de exceções.

DETURPAÇÃO

O controle que o Flamengo exibiu em Uberlândia apareceu após o time abrir o placar. Até ali, a equipe tinha problemas defensivos e repetia a dificuldade de ser intensa em jogos seguidos. Fora de campo, o ambiente no estádio lotado, aliás, prova que a venda de mandos de campo deturpa o princípio competitivo do campeonato. Em 2024, clubes e CBF precisam incluir no regulamento vetos a este tipo de recurso.

CRUELDADE

A parte cruel do mais novo tropeço do Botafogo foi que o time poderia sair do Nílton Santos com algo além dos três pontos: o novo sistema de jogo de Tiago Nunes parecia um norte para a reta final da temporada. E se é fato que Segovinha foi batido com muita facilidade por Soteldo, também é verdade que o gol do Santos pareceu um evento desconectado do jogo. Até ali, o time paulista não oferecera perigo.

DIREITO

Se o Fluminense escalar um time modificado contra o Palmeiras, em partida que pode ajudar a decidir o Brasileirão, tal opção será apenas reflexo de uma questão real: o absurdo calendário, ao programar as rodadas finais a cada três dias, impõe a um clube que se vê às vésperas do Mundial preservar jogadores. E o tricolor tem todo o direito de entender, racionalmente, em que partida deve colocar seus titulares.


Fonte: O GLOBO