Promessa de economia e preços iguais em horários de pico atraem novos clientes ao mercado livre de energia

A abertura do mercado livre de energia para todos os consumidores de média e alta tensão, no chamado grupo A, a partir de janeiro, vai permitir que 165 mil empresas de pequeno e médio porte possam escolher seu próprio fornecedor de eletricidade, além das concessionárias tradicionais.

Hoje, esse mercado conta com 37 mil consumidores, a maior parte formada por grandes companhias industriais. A promessa de consultorias e empresas do segmento é que a maior concorrência na oferta pode gerar reduções de até 30% na conta de luz.

Assim, hotéis, restaurantes e padarias, por exemplo, já começam a fazer os cálculos para trocar de fornecedor de eletricidade. Segundo a Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), com dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) , mais de 8.700 empresas já pediram a migração para o mercado livre a partir de 2024.

O mercado de média e alta tensão inclui empresas que precisam de equipamentos que consomem maior quantidade de energia. E por isso, precisam, na prática, de uma rede mais robusta de eletricidade. Em geral, as contas mensais são acima de R$ 10 mil. Com a nova regra, cai a barreira de consumo mínimo de 500 kW mensais para entrar no mercado livre.

— O setor de energia vai romper a fronteira do mercado de varejo — disse Rodrigo Ferreira, presidente da Abraceel.

Prazo de um a cinco anos

Mas, para especialistas, é preciso cuidado e atenção extra antes de aderir ao mercado livre. Isso porque as comercializadoras responsáveis por vender a eletricidade precisam entender a empresa e oferecer pacotes específicos com previsão de consumo para os diferentes meses do ano.

Além disso, diferentemente da concessionária, no mercado livre são firmados contratos que podem variar de um ano a cinco anos com diferentes índices de reajuste anual. Por isso, destacam especialistas, é importante estar atento ao contrato antes de aderir.

Para as empresas, a redução de preço ocorre em razão da maior diversidade de fontes que são escolhidas pelos comercializadores — já são 93 empresas credenciadas e 39 em processo de autorização — na hora de vender a energia, que pode ser ajustada de acordo com os preços no mercado e condições hidrológicas.

A abertura do mercado livre é uma grande transformação para a economia brasileira e permitirá tornar indústrias e varejo mais competitivos”

— Dante Beneveni, CEO da Urca Trading

Já o mercado cativo tem preços maiores, pois há diversos custos que incidem na conta do consumidor final para compensar momentos de pouca chuva, com a contratação de termelétricas, por exemplo, que têm energia mais cara do que outras fontes.

Assim, a Urca Trading, associada do Grupo Urca Energia, quer conquistar 2 mil clientes até o fim de 2024. O objetivo do grupo é atuar em nichos de mercado voltados para clientes com fatura mensal de, pelo menos, R$ 10 mil.

Dante Beneveni, CEO da Urca Trading, diz que vão ser desenvolvidos produtos específicos para cada setor com base no consumo. Outro pilar é criar, por meio da área de inteligência, ações para evitar o desperdício. Segundo ele, a estratégia envolve a venda de energia com certificado que rastreia e comprova a origem renovável:

— A abertura do mercado livre é uma grande transformação para a economia brasileira e permitirá tornar indústrias e varejo mais competitivos. Nossa ideia é oferecer uma solução simples e sem burocracia para quem quer migrar.

A preferência por fontes renováveis e preço menor fizeram a indústria de alimentos Reffinato buscar o mercado livre. Segundo Jean Carlo Farina Busetto, CEO da companhia, a decisão foi tomada após ver outras empresas de porte similar aderirem:

— A saída do mercado cativo é simplesmente por questão do alto custo que temos hoje na indústria. O mercado livre é uma alternativa para reduzir consideravelmente nossos gastos com energia. E ainda conseguimos optar pela fonte de geração. Negociamos o contrato para cinco anos.

Segundo Vinicius Santos, CEO do LSH Hotel, na Barra da Tijuca, no Rio, a migração para o segmento em que o cliente escolhe o fornecedor de energia reduziu a conta em até 30%:

— Essa mudança nos permitiu ter mais previsibilidade do consumo, além de não ter alteração do valor pago pela energia no horário de pico. A ideia original era colocar placas solares, mas devido ao projeto estrutural do hotel não conseguimos avançar, por não ter área disponível para a instalação das placas. Direcionamos os estudos para o mercado livre de energia.

Flexibilidade do contrato

Rodrigo Morais, diretor comercial no Grupo Safira, explica que há falta de conhecimento sobre o mercado livre. A companhia, que conta com mais de mil clientes no segmento, vem investindo em produtos mais simples, de entrada. 

Ele lembra que grandes indústrias contam com departamentos de energia, o que ajuda a montar uma estratégia de compra de eletricidade. O mesmo não ocorre entre pequenas e médias empresas.

— Um dos desafios é que nem sempre essa empresa sabe o que vai consumir de energia, seja a mais ou a menos a depender de períodos de alta e baixa temporada, como em hotéis ou no setor de gastronomia. Por isso, a ideia é buscar contratos que tenham flexibilidade. Se o contrato não for bem feito, pode haver cláusulas de compra de energia no mercado à vista, o que vai depender das condições no momento — afirmou Morais.

Para João Sanches, fundador e CEO da Trinity Energias Renováveis, haverá mais oportunidades para o consumidor. Ele avalia que as empresas precisam fornecer um serviço customizado com base no volume previsto, que pode variar de acordo com a sazonalidade, como ocorre em uma faculdade, uma sorveteria ou uma padaria.

— O consumo é maior dependendo da época do ano. Entrar no mercado livre é algo que tem que ser bem estudado, apesar do preço menor, pois, se a empresa quiser voltar, vai depender de a concessionária aceitar — diz Sanches, que tem 1.200 clientes e quer chegar a 2 mil no fim de 2024.

Mas o preço menor ainda é o grande chamariz. Antonio Marques, que comanda uma franquia de loja Habibs no Rio, vai mudar, pois, segundo ele, o mercado cativo tem custo alto sem possibilidade de negociar.

— O preço foi um aspecto de peso enorme na nossa escolha. Pesquisamos a comercializadora com calma após verificarmos que é uma empresa séria.

Na Ecom, comercializadora que tem 700 pontos de consumo no mercado livre, a previsão é chegar a 20 mil clientes em 2027. Felipe Sapucahy, diretor comercial da companhia, diz que a mudança para o mercado livre exige atenção, pois é preciso entender o apetite a risco de cada cliente:

—Existem produtos em que os preços de energia são fixados e outros em que é garantida uma redução percentual fixa em relação ao mercado cativo. Cada um tem as suas vantagens, sendo parte do nosso trabalho explicar as diferenças para o cliente tomar a melhor decisão dentro do seu perfil.

Douglas Ludwig, diretor Executivo da Ludfor Energia, destaca como vantagem a possibilidade de trabalhar 24 horas por dia com o mesmo preço da energia, não precisando mais usar geradores no horário de pico.

— A perspectiva de crescimento para 2024 é de 23% a 25%. E nós devemos, já no primeiro trimestre, chegar a 3 mil unidades consumidoras em todo o Brasil — diz ele, que contabiliza 2.700 clientes.

De olho na chegada de novas empresas, a Enel Trading, comercializadora do Grupo Enel, está criando produtos para atender a esse novo público. A estratégia, diz Dario Miceli, diretor de Trading e Comercialização, é iniciar com soluções simplificadas para 99% dos novos consumidores com contratos de três anos:

— Hoje, muitas empresas podem escolher ainda a fonte de energia que querem para serem abastecidos, como as renováveis.


Fonte: O GLOBO