Cientista político chileno Cristóbal Rovira Kaltwasser afirma que inelegibilidade do ex-presidente serve de alerta, e que bolsonarismo segue vivo apesar de punição do TSE

Para o cientista político chileno Cristóbal Rovira Kaltwasser, a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de tornar inelegível por oito anos o ex-presidente Jair Bolsonaro pode servir de alerta para que seus sucessores não sigam pelo caminho de ataque às instituições, mas essa moderação ainda é incerta no longo prazo.

Em entrevista ao GLOBO, o coautor de “Populism: A Very Short Introduction” (Oxford, 2017), comenta sobre o crescimento da extrema direita na América Latina, afirma que o bolsonarismo segue vivo apesar da punição e alerta para o risco de partidos da direita tradicional passarem a ver a retórica inflamada como caminho para formar base eleitoral.

Bolsonaro não poderá participar de eleições por oito anos por ataques às urnas e é investigado após o 8/1. Punições assim são importantes para evitar novos ataques a instituições?

Bolsonaro conseguiu formar um projeto político que vai durar independentemente do que acontecer com ele. Penso que um dos pontos fortes da democracia liberal é que precisamos de freios e contrapesos, instituições com poder de investigar e de sancionar. Isso não significa que o trumpismo, nos Estados Unidos, ou o bolsonarismo irão desaparecer, mas precisamos ter essas instituições capazes de controlar aqueles que estão no poder.

O que podemos esperar, mas não sabemos, é que líderes que tentem seguir no bolsonarismo entendam que, se fizerem exatamente as mesmas coisas que Bolsonaro, poderão ser punidos e isso pode ser uma forma de tentar moderá-los. Este é um debate comum na Europa. É um pouco como no jogo de futebol: se você aplica o vermelho com frequência, supõe-se que um dia o jogador vai parar de cometer falta porque é a única maneira de jogar. Ainda é interrogação se este tipo de abordagem pode funcionar a longo prazo.

O cientista político chileno Cristóbal Rovira Kaltwasser — Foto: Divulgação

Há mais semelhanças ou diferenças na extrema direita na América Latina?

A metáfora que uso é que todos eles são primos, mas não são irmãos. Se você comparar todos eles, verá que tem algumas diferenças. (O argentino Javier) Milei, por exemplo, é muito libertário, o que é um pouco excepcional dentro do contexto latino-americano. José Antonio Kast, no Chile, tem um comportamento muito contido se comparado à linguagem adotada por Bolsonaro. 

Mas, se você pensar nas ideias que estão desenvolvendo, tendem a compartilhar certas compreensões sobre os problemas da sociedade e questões que tentam politizar. Eles acreditam que a esquerda é culpada por todos os problemas da sociedade e tendem a ser muito conservadores na dimensão moral.

Isso é interessante porque, se você olhar para o início da trajetória Milei, ele não enfatizava dimensões morais. Mas hoje ele adota um forte discurso contra o aborto, por exemplo. E aqui você vê essa ideia de primos: eles têm entradas diferentes na política, mas tendem a compartilhar certas compreensões comuns.

Com a vitória de Lula, falou-se sobre uma nova “onda rosa" na América Latina, após governos à esquerda serem eleitos. Mas Javier Milei surpreendeu na Argentina. Há fortalecimento da extrema direita na região?

É verdade que tivemos a eleição de Lula no Brasil, de (Gabriel) Boric no Chile e Gustavo Petro na Colômbia, mas temos que considerar que todos esses líderes tiveram dificuldades para serem eleitos. Temos líderes de esquerda no poder, mas não há apoio massivo a governos de esquerda por toda a região. O que estamos vendo hoje são candidatos da extrema direita se tornando mais comuns, líderes diferentes surgindo.

Não acredito que esses candidatos necessariamente conquistarão o cargo no Executivo, mas estão se fortalecendo, conseguindo algo entre 15% e 25% de apoio da população, o que é muito. Eles têm votos suficientes para fazer barulho e polarização dentro do sistema político. Sobre o Milei, acho que foi uma grande surpresa ele conseguir ser o mais votado, o que, novamente, não significa que será o próximo presidente da Argentina.

Bolsonaro teve alguma influência nessa expansão?

Sim, há uma influência indireta. Você tem eleitores de extrema direita no Chile, Uruguai, Argentina e em diferentes países. Eles viram que havia alguém como Bolsonaro no Brasil e esses eleitores se perguntam “por que não temos nosso próprio Bolsonaro?”. Não acho que seja uma quantidade enorme, pode ser entre 10% e 15% da população. Eles são muito conservadores, por exemplo, em questões morais.

Uma outra influência, porém, é mais relevante, que se dá no nível dos partidos: políticos da direita tradicional olharam para o Brasil e começaram a pensar que talvez precisassem radicalizar, porque esta seria a única maneira de gerar uma forte base de apoio e politizar essa parte negativamente contra a esquerda. 

Políticos e partidos que eram de centro-direita começaram a perceber que talvez o modelo de Bolsonaro seja o caminho. Isso gera tensões dentro dos partidos de direita, em que parte quer radicalizar, enquanto outra prefere ser mais moderada.

Em geral, a estratégia de políticos tradicionais para reagir à direita populista é melhorar a economia. Esse é um caminho?

A economia é um fator relevante, mas não o único. Precisamos fazer uma distinção. Se pensarmos na extrema direita e nas pessoas que votam nela, há um grupo que, por exemplo, votou no Milei porque realmente acredita no que ele está dizendo. 

Para essas pessoas, não importa se a economia é fortalecida ou não. São pessoas normalmente muito conservadoras em questões morais e querem “lei e ordem”. E não há maneira de um candidato moderado agradar a essa fração do eleitorado. Para o bolsonarismo, não é muito diferente.

No entanto, com essa quantidade de pessoas, você não consegue vencer a eleição. E isso nos leva a entender que, entre os eleitores da extrema direita, há pessoas que são crentes nela, mas há as que estão desengajadas e descontentes com o sistema político. É claro que, quanto pior a situação econômica, maior o grupo de pessoas que votará na extrema direita, mas não necessariamente porque eles querem um político de extrema direita, mas porque querem punir o establishment.

Outro caminho discutido para reduzir o extremismo é a regulação das plataformas digitais,onde grupos radicais são expressivos. Mudanças na forma como essa indústria opera podem contribuir para fortalecer instituições?

Em um cenário ideal, diria que sim, mas na prática é muito difícil de fazer. O principal problema é que temos uma questão global aqui. Você pode criar uma legislação no Brasil, mas há plataformas que podem não ser controláveis a partir do Brasil. Como você vai fazer isso? O que os países podem tentar fazer é regular melhor como financiamos a política e as campanhas. 

Sabemos que as maneiras pelas quais você pode tentar influenciar as pessoas, com diferentes meios de comunicação e inteligência, exigem dinheiro. Se você conseguir regular o acesso ao dinheiro que os políticos têm e torná-lo transparente, essa é maneira de controlar um pouco melhor a situação.


Fonte: O GLOBO