A condição que afeta Luís Phelipe causa crises epilépticas constantes e exige medicamentos anticonvulsivantes como o óleo feito a partir da cannabis sativa

Do final de 2019 para cá a vida do jovem Luís Phelipe Resende da Silva Gomes, hoje com 18 anos, mudou completamente. Os planos de fazer faculdade logo após concluir o Ensino Médio foram interrompidos pelo diagnóstico de doença de Lafora, uma condição rara.

Acamado, Luís vive sob os cuidados de sua mãe, Rosimary Resende da Silva Gomes, de 60 anos. Para dar suporte ao filho, ela teve que parar de trabalhar. Os dois vivem em Belford Roxo, na Baixada Fluminense.

Hoje, eles sobrevivem com o que conseguem arrecadar de uma “vaquinha” (clique aqui para ajudar) criada por Rosimary. Segundo a mãe, é a única forma de cobrir o tratamento custoso da doença, que causa crises epilépticas constantes e demência progressiva. Além disso, existe uma briga na Justiça para o custeio permanente do óleo de canabidiol, para amenizar as crises convulsivas de Luís.

Com incidência de 4 casos a cada 1 milhão de pessoas, a doença de Lafora foi registrada pela primeira vez em 1911, pelo neurologista espanhol Gonzalo Rodríguez Lafora. Ela é um tipo de epilepsia mioclônica progressiva, causada por genes autossômicos recessivos, ou seja, vêm de ambos os pais e pode se manifestar independente do sexo.

Confira abaixo o depoimento de Rosimary ao GLOBO:

“Eu trabalhava como faxineira e ele ia e voltava da escola e ficava em casa sozinho até eu chegar. Esse sofrimento começou no final de 2019 indo para o início de 2020. Nesse período, ele já com 16 anos, começou a reclamar, falando que as coisas dele caíam no chão. Começou a ver muitas estrelinhas coloridas e com isso cada vez que eu chegava em casa era uma reclamação diferente. Uma vez ele saiu com a minha sobrinha, a mão embolou quando foi pegar o celular. Ele também costumava cair reto no chão.

Comecei a levá-lo a médicos do plano de saúde, um deles falou que era epilepsia parcial e passou remédio. Não teve melhora, então fui buscar uma segunda opinião. O outro médico falou a mesma coisa. Fui buscar uma terceira opção, dessa vez em hospital público.

Meu desejo mesmo era que ele fosse transferido para ser examinado no Instituto do Cérebro. Mas com o SISREG consegui outro local, foi até bem rápido. Ele iniciou um tratamento, mas teve diversas convulsões. Na época estava muito forte a pandemia, internaram ele na emergência pela clínica médica. Em seguida, ele foi transferido para o Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe), onde ficou internado na Neurologia. Foi somente lá que eu ouvi pela primeira vez sobre essa doença de Lafora.

Foram os médicos do setor de Neurologia do Pedro Ernesto que custearam o exame genético dele para entender primeiro qual era a doença. Então, ele foi diagnosticado em junho de 2021 com a doença de Lafora. A médica explicou para mim tudo direitinho, que a doença não tem um tratamento específico, que é incurável.

Foi receitado o canabidiol pela médica para o tratamento, o óleo puro mesmo. Paguei R$ 2.320 por dois frascos. Ele só tomava 0,5 ml de 12 em 12 horas, mas quando ele foi ganhando peso foi aumentando a dose, até que passou de 1 ml para 2 ml. Então, no ano passado, a minha advogada conseguiu na Justiça o custeio do tratamento com o óleo.

Acabou em fevereiro deste ano e a Justiça não depositou para comprarmos mais. A médica fez um laudo pedindo, porque ele realmente precisa usar. No total, ele já toma 4 tipos de anticonvulsivantes todos os dias.

Bem, a situação dele agora é que ele fala, mas não consegue dizer uma frase completa. Ele chama “Mãe! Faz isso”, “Mãe, me troca” (o jovem usa fraldas descartáveis). Ele consegue movimentar os braços e as pernas, mas parou de andar.

Ele não é tão positivo não, eu coloco ele na cadeira de rodas (consegui uma com encosto para cabeça mas não é muito adaptada pra ele). Volta e meia ele chora, porque era perfeito.

Ele tinha o sonho de se formar e ser médico. Também tem uma paixão muito grande por culinária, ele dizia que queria ser chef. Amava programas de competição culinária, começou a querer fazer bolo em casa.

Luís nunca repetiu um ano escolar, tem o Ensino Médio completo. Quando adoeceu, estava terminando o primeiro ano. Passou para o segundo ano, estudou um mês e veio a pandemia, então ficou estudando em casa pela internet. A partir daí começaram as dores de cabeça. Acabei tendo que desistir da vaga dele. Devido à enfermidade, a escola o aprovou e ele concluiu o Ensino Médio, só falta pegarmos o diploma.

Em 2022 mesmo ele começou a fazer acompanhamento com a fonoaudióloga e nutricionista (tudo dele tem que ser muito bem esquematizado). Agora ele voltou a perder peso. Mês passado estava com 38,5 kg, mas perdeu 500 gramas nesse mês. É muito difícil conseguir tudo que ele precisa para ficar bem.

Não tem como eu trabalhar, mesmo ele sendo medicado, volta e meia tem crises convulsivas em casa. Mal consigo sustentar a gente. Moro no quintal da minha família, eles me dão uma ajuda. Pessoas de fora também me ajudam, às vezes trazem donativos ou coisas que eu possa fazer rifa.

É complicado, mas eu tenho me mantido bem de fé, bem forte. Não posso me abater porque preciso carregar ele, preciso cuidar dele, dou banho na cadeira. Não tenho como colocá-lo dentro do meu banheiro, por não ser adaptado. Então dou banho nele de sunga do lado de fora, quando está sol.

Essa semana eu o coloquei ele na cadeira para dar banho e ele teve uma convulsão. Ele só se bate e baba muito, mas não solta espuma. O corpo fica muito enrijecido. Eu aprendi a identificar os sinais com os médicos do Hupe, agora é fácil saber, porque sempre começa a tremer os olhos e a boca.

Eu só penso que quero vê-lo bom e curado. Meu sonho é isso, não sei como, até sei, mas é um milagre. Participo de um grupo de mães com doenças raras, aprendi muitas coisas lá, porque antes eu não sabia de nada. Mas não tenho condições de fazer como outras pessoas e levar meu filho para os Estados Unidos para fazer tratamentos caros.

Luís Phelipe e sua mãe Rosimary, antes do adolescente ser diagnosticado com a doença de Lafora — Foto: Arquivo pessoal/Reprodução


Fonte: O GLOBO