Bernardo Arévalo alega 'perseguição política' e OEA diz que decisão 'não tem fundamento'; medida não afeta vitória mas pode prejudicar legenda no Congresso

O presidente eleito na Guatemala, Bernardo Arévalo, chamou de ilegal a resolução do Cadastro de Cidadãos, um órgão técnico do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) da Guatemala, que anulou, na noite de segunda-feira, a personalidade jurídica do Movimento Semente. A decisão aconteceu minutos antes de o plenário do próprio TSE oficializar os resultados das eleições de 20 de agosto, quando Arévalo saiu vencedor.

— O que a resolução fez foi cumprir a ordem do sétimo tribunal, um tribunal que é absolutamente ilegal — declarou Arévalo em coletiva de imprensa. — Há um processo de perseguição política, que faz uso ilegal de instrumentos e instituições de justiça contra o Movimento Semente e contra a nossa candidatura. Mas, a partir deste momento, nada pode nos impedir legalmente de tomar posse em 14 de janeiro de 2024, como está constitucionalmente estabelecido.

O sétimo tribunal é comandado pelo juiz Fredy Orellana, aliado da ex-primeira-dama Sandra Torres, que perdeu as eleições. Após o primeiro turno, Orellana ordenou ao TSE que suspendesse o partido, reabrindo uma investigação penal por supostas irregularidades para a criação da legenda, em 2017. À época, o tribunal não cumpriu a ordem do juiz, já que não era possível suspender um partido em meio ao processo eleitoral.

A Corte de Constitucionalidade do país, no entanto, garantiu a realização do segundo turno, quando Arévalo venceu com 60,91% dos votos válidos, contra 39,09% de Sandra Torres. Torres e seu partido Unidade Nacional de Esperança (UNE) não reconheceram a vitória de Arévalo, e entraram com uma denúncia no Ministério Público alegando irregularidades na contagem de votos e no seu processamento digital.

Em nota, a Organização dos Estados Americanos (OEA) disse nesta segunda-feira que a suspensão da legenda "não tem fundamento algum ou motivo devidamente demonstrado".

Disputas judiciais

Analistas também classificam como perigosas as investigações abertas e outros recursos legais que podem colocar em dúvida o resultado das eleições. Agora, um dos principais desafios que as autoridades do TSE enfrentam é defender a oficialização dos resultados.

— Vivemos tempos sombrios e as esperanças dos atores que se opõem aos resultados serão depositadas no sistema judicial — explicou ao jornal Prensa Libre Rubén Hidalgo, diretor do Instituto Centro-Americano de Estudos Políticos (Incep).

Para o advogado e analista Edgar Ortiz, no entanto, a medida não afeta a posse de Arévalo, que teve a segurança reforçada após a descoberta de dois possíveis planos para assassiná-lo, na última sexta-feira.

— A suspensão não pode ser dada em pleno processo eleitoral, a lei não prevê isso, então estamos num vazio jurídico. Mas ela não afeta o resultado e não é definitiva — declarou à AFP.

Ainda assim, as consequências da decisão devem recair sobre a bancada do partido no Congresso, que pode perder atribuições como a de presidir comissões.

— Informamos ao povo da Guatemala que o Movimento Semente não desistirá de exigir respeito pela vontade popular expressa nas urnas, pelo Estado de direito e pelo regime democrático que estão sendo ameaçados por aqueles que se recusam a aceitar a mudança que a Guatemala exige — disse Arévalo.

A investigação sobre a legenda é comandada pelo promotor Rafael Curruchiche, inimigo declarado de Arévalo. Nas ruas, centenas de guatemaltecos exigiram na semana passada a renúncia de Curruchiche, e da procuradora-geral do país, Consuelo Porras. Os manifestantes se reuniram em frente à sede da Procuradoria-Geral da República para protestar contra as autoridades judiciais, incluídas pelos Estados Unidos em uma lista de "corruptos" da América Central.

De acordo com os manifestantes e organizações locais e internacionais, os esforços da Procuradoria-Geral da República têm como objetivo prejudicar Arévalo e seu partido, que chegaram às eleições com um forte discurso anticorrupção, incomodando grupos poderosos do país.


Fonte: O GLOBO