Um estudo sobre o transtorno feito nos Estados Unidos mostrou que o grave problema cresceu três vezes em apenas cinco anos entre homens e mulheres com mais de 65 anos

Quando Benjamin Han, um geriatra e especialista em medicina de vícios, conhece novos pacientes na Escola de Medicina da Universidade da Califórnia, em San Diego, nos Estados Unidos, ele conversa com eles sobre os problemas de saúde que pessoas mais velhas costumam enfrentar: condições crônicas, capacidade funcional, medicamentos e como eles funcionam.

Ele também pergunta sobre o uso de tabaco, álcool, cannabis e outras drogas sem prescrição.

— Os pacientes tendem a não querer falar sobre isso, mas eu coloco essa questão em um contexto de saúde — disse Han. — À medida que você envelhece, ocorrem mudanças fisiológicas e seu cérebro se torna muito mais sensível. Sua tolerância diminui à medida que seu corpo muda. Isso pode colocá-lo em risco.

É assim que ele descobre que alguém que se queixa de insônia pode estar usando estimulantes, possivelmente metanfetaminas, para se animar de manhã. Ou que um paciente que, há muito tempo, toma um opioide para dor crônica teve problemas com uma prescrição adicional, por exemplo, de gabapentina.

Quando uma paciente de 90 anos, a qual tinha condições físicas suficientes para pegar o metrô até o hospital em Nova York, começou a relatar tonturas e quedas, Han levou um tempo para entender o motivo: ela tomava pílulas prescritas, cujo número aumentava conforme a idade ia avançando, com uma dose de conhaque.

Ele já teve pacientes idosos cujos problemas cardíacos, doença hepática e comprometimento cognitivo foram provavelmente intensificados pelo uso de substâncias. Alguns sofreram overdoses; parte deles, apesar dos esforços, morreu.

Até alguns anos atrás, mesmo com a epidemia de opioides em curso, os profissionais de saúde e pesquisadores prestavam pouca atenção ao uso de drogas por adultos mais velhos. As preocupações se concentravam nas vítimas mais jovens em idade ativa, que eram as mais afetadas.

Mas à medida que os "baby boomers" —nascidos entre 1945 e 1964— completaram 65 anos, os transtornos relacionados ao uso de substâncias entre a população idosa aumentaram acentuadamente.

— Esse grupo de idosos têm hábitos relacionados ao uso de drogas e álcool que levam ao longo da vida — disse Keith Humphreys, psicólogo e pesquisador de vícios na Escola de Medicina da Universidade Stanford.

Os baby boomers, segundo o médico, "ainda usam drogas muito mais do que seus pais fizeram, e o campo não estava preparado para isso".

As evidências desse problema crescente têm se acumulado. Um estudo sobre o transtorno por uso de opioides em pessoas com mais de 65 anos, por exemplo, mostrou um aumento de três vezes em apenas cinco anos —para 15,7 casos por mil em 2018, ante 4,6 casos por mil em 2013.

Tse-Chuan Yang, co-autor do estudo e sociólogo e demógrafo da Universidade em Albany, afirmou que o estigma associado ao uso de drogas pode levar as pessoas a subnotificarem o problema, o que significa que a taxa real dos transtornos pode ser ainda maior.

As overdoses fatais também aumentaram significativamente entre os idosos. De 2002 a 2021, a taxa de mortes por overdose quadruplicou, passando de 3 para 12 por 100 mil, conforme relatado por Humphreys e Chelsea Shover, co-autora de um estudo publicado em março na revista científica JAMA Psychiatry, usando dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças. Essas mortes foram tanto intencionais quanto acidentais, refletindo interações com remédios e erros.

A maioria dos transtornos relacionados ao uso de substâncias em pessoas idosas envolve medicamentos prescritos, não drogas ilegais. E, como a maioria dos beneficiários do Medicare toma vários medicamentos, "é fácil ficar confuso", disse Humphreys.

— Quanto mais complicado for o regime, mais fácil cometer erros. E, em seguida, você tem uma overdose.

Até o momento, os números ainda são relativamente baixos —6,7 mil mortes por overdose de drogas em 2021 entre pessoas com 65 anos ou mais. A taxa de aumento, entretanto, é alarmante.

— Em 1998, isso é o que as pessoas teriam dito sobre as mortes por overdose em geral, o número absoluto era pequeno — afirmou Humphreys, sobre o número que atingiu cerca de 100 mil norte-americanos ao total, no ano passado. — Quando você não responde ao tratamento, acaba em um estado triste.

O álcool também desempenha um papel importante. No ano passado, um estudo sobre transtornos relacionados ao uso de substâncias, com base em uma pesquisa federal, analisou quais drogas os idosos americanos estavam usando, observando as diferenças entre os beneficiários do Medicare com menos de 65 anos (os quais se qualificam ao sistema devido a incapacidades) e aqueles com 65 anos ou mais.

Dos 2% de beneficiários com mais de 65 anos que relataram um transtorno por uso de substâncias ou dependência no último ano (cerca de 900 mil idosos nos Estados Unidos) mais de 87% abusaram do álcool. A droga foi responsável por 11.616 mortes na população de idosos em 2020, um aumento de 18% em relação ao ano anterior.

Além disso, cerca de 8,6% dos transtornos envolveram opioides, principalmente analgésicos prescritos; 4,3% envolveram maconha; e 2% envolveram medicamentos prescritos que não são opioides, incluindo tranquilizantes e medicamentos anti-ansiedade. As categorias se sobrepõem, porque "as pessoas frequentemente usam várias substâncias", de acordo com William Parish, autor principal e economista da saúde no RTI International, instituto de pesquisa sem fins lucrativos.

Embora a maioria das pessoas com problemas relacionados ao uso de substâncias não morra de overdose, as consequências para a saúde podem ser graves, como, por exemplo, o aumento de lesões causadas por quedas e acidentes, aceleramento do declínio cognitivo, além do surgimento de cânceres, doenças cardíacas e hepáticas e insuficiência renal.

— É particularmente triste comparar as taxas de ideação suicida — disse =Parish.

Os beneficiários do Medicare mais velhos com transtornos por uso de substâncias eram mais de três vezes mais propensos a relatar "sofrimento psicológico grave" (14%) do que aqueles sem tais transtornos (4%). Cerca de 7% tinham pensamentos suicidas, em comparação com 2% dos que não relataram transtornos por uso de substâncias.

No entanto, uma pequena parte desses idosos recebeu tratamento no último ano —apenas 6%, em comparação com 17% dos beneficiários mais jovens do programa de saúde— ou mesmo fez um esforço para procurar tratamento.

— Com esses vícios, é preciso muito para fazer alguém se preparar para o tratamento — disse Parish, observando que quase metade dos entrevistados com mais de 65 anos disse que não tinha motivação para procurar ajuda.

Mas eles também enfrentam mais obstáculos do que as pessoas mais jovens.

— Vemos taxas mais altas de preocupações em relação ao estigma, coisas como se preocupar com o queos vizinhos iriam pensar — disse Parish, considerando ainda as barreiras logísticas como a dificuldade de os pacientes encontrarem transporte, não saberem onde procurar ajuda e não poderem pagar pelo tratamento.

Segundo o especialista, esses fatores fazem com que seja "mais difícil para os idosos tentar navegar no sistema de tratamento".

Outro obstáculo é ainda a cobertura desigual do Medicare. Nos Estados Unidos, a legislação federal de paridade, que determina a mesma cobertura para saúde mental (incluindo tratamento para vícios) e saúde física, garante benefícios iguais em seguros de saúde privados de empregadores, intercâmbios estaduais de saúde, mercados da Lei de Cuidados Acessíveis e na maioria dos planos do programa social Medicaid, destinado a famílias de baixa renda.

Mas o Medicare nunca foi incluído nessa legislação, segundo Deborah Steinberg, advogada sênior de política de saúde no Legal Action Center, uma organização sem fins lucrativos que trabalha para expandir a cobertura equitativa.

Defensores de mudanças para tornar o Medicare mais amplo têm obtido algumas conquistas. O programa, por exemplo, cobre triagem para uso de substâncias e, desde 2020, programas de tratamento de opioides, como clínicas de metadona. Em janeiro, após ação do Congresso norte-americano, o benefício cobrirá o tratamento por uma ampla gama de profissionais de saúde e o "tratamento intensivo ambulatorial", que normalmente fornece nove a 19 horas de aconselhamento e educação semanalmente. Benefícios ampliados de telessaúde, motivados pela pandemia, também ajudaram.

Mas o tratamento mais intensivo pode ser difícil de acessar, e o tratamento residencial não é coberto de forma alguma. Os planos do Medicare Advantage, com suas redes de provedores mais limitadas e requisitos de autorização prévia, são ainda mais restritivos. A advogada Deborah Steinberg relatou receber " muitas reclamações de beneficiários".

— Na verdade, nós estamos progredindo — disse ela. — Mas as pessoas estão tendo overdoses e morrendo por falta de acesso ao tratamento.

Em uma faixa etária cujo consumo de álcool e drogas na juventude costuma, muitas vezes, proporcionar momentos divertidos entre amigos, pode ser difícil para as pessoas reconhecerem o quão vulneráveis se tornaram.

— Aquela pessoa pode não ser capaz de dizer que está viciada — afirmou Keith Humphreys. — É um Rubicão que as pessoas não querem cruzar.

Segundo o especialista, uma piada sobre usar LSD em Woodstock pode até fazer com que alguém "pareça interessante". Mas "esmagar OxyContin e inalá-lo" tem o efeito contrário.


Fonte: O GLOBO