Em 2022, a taxa de fertilidade do país caiu pelo sétimo ano consecutivo, para 0,78, levando as autoridades a buscar maneiras de evitar uma crise populacional

O salão do hotel estava cheio de balões cor-de-rosa, som de canções de amor e 100 solteiros se reunindo para uma noite de vinho, conversas e — dedos cruzados — romance. Antes que Mia Kim percebesse, cinco horas se passaram no encontro para 50 homens e 50 mulheres, realizado em uma cidade nos arredores de Seul. O after durou até 1h. Mas Kim, de 37 anos, que trabalha em uma empresa de software perto de Seul, disse que a noite ainda “parecia muito curta”.

O papel de casamenteiro não era de outro senão do governo municipal. Um número crescente de cidades em toda a Coreia do Sul está patrocinando eventos de encontros às cegas como estes para solteiros, desesperados para estimular jovens adultos no caminho do casamento e da família, já que o país registrou a menor taxa de fertilidade do mundo por três anos consecutivos.

As cidades dizem que o problema é que os jovens simplesmente não querem se casar — ou ter filhos em um país onde apenas 2% dos nascimentos ocorrem fora do casamento.

— Uma visão negativa do casamento continua se espalhando na sociedade sul-coreana — disse Shin Sang-jin, prefeito de Seongnam, a cidade próxima a Seul que recentemente sediou o evento de encontro às cegas. — Acho que é papel dos governos locais criar condições para que as pessoas que querem se casar encontrem seus parceiros.

Muitos jovens sul-coreanos, porém, dizem que os verdadeiros obstáculos para aumentar a taxa de natalidade são os custos assombrosos de creches, moradias inacessíveis, poucas perspectivas de emprego e jornadas de trabalho extenuantes — e que os encontros às cegas fazem pouco para resolver esses problemas. As mulheres, em particular, dizem que foram desencorajadas a ter filhos pela prevalência da discriminação contra as mães trabalhadoras.

Outros afirmam que, ao tentar bancar o casamenteiro, o governo está sendo muito intrusivo nas escolhas reprodutivas pessoais. Mas os eventos de encontros às cegas se mostraram populares. Seongnam recebeu mais de mil inscrições para apenas 100 vagas para seus eventos este mês. E os participantes fizeram ótimas críticas à seleção de participantes.

Encolhimento

Embora a proporção de pessoas que se casam tenha diminuído em todo o mundo, ela despencou especialmente na Coreia do Sul. Houve seis casamentos por mil pessoas nos Estados Unidos em 2021, em comparação com 3,8 por mil pessoas na Coreia do Sul.

Menos nascimentos também acompanharam essa estatística. Em 2022, a taxa de fertilidade do país asiático — o número médio de crianças nascidas de uma mulher em idade reprodutiva — caiu pelo sétimo ano consecutivo, para 0,78, levando as autoridades a buscar maneiras de evitar uma crise populacional. Especialistas em políticas públicas dizem que as medidas foram insuficientes e os planos de algumas autoridades saíram pela culatra.

Mesmo com o número de sul-coreanos interessados em ter filhos diminuindo, as autoridades esperam que o interesse em casamentos patrocinados pelo governo dure. Seongnam, uma cidade de cerca de 1 milhão de habitantes, destinou cerca de US$ 192 mil de seu orçamento para tais eventos e planeja sediar vários outros este ano.

— Gostamos de ver os jovens sorrindo, corando e emocionados — disse Kang Mi-jeong, chefe da equipe municipal encarregada de enfrentar a baixa natalidade, que organizou o evento.

Cidades em outros países com baixas taxas de natalidade, incluindo China e Japão, também abraçaram esses programas. Na Coreia do Sul, muitas cidades pequenas patrocinam eventos semelhantes há anos, visando pessoas de 27 a 39 anos que moram ou trabalham em suas comunidades.

'Artificial e intrometido'

O encontro às cegas municipal alcançou a área metropolitana de Seul pela primeira vez em Seongnam. Funcionários na capital sul-coreana disseram que também estavam considerando sediar um evento do tipo. Eles inicialmente apoiaram a proposta, mas a estavam revisando por causa de críticas generalizadas nas redes sociais.

— Acho que não ajudaria em nada a resolver a queda na taxa de natalidade — disse Jeon Seolhee, 27, estudante de pós-graduação perto de Seul. — Para as mulheres jovens, a preocupação é que ter filhos interrompa suas carreiras.

Alguns jovens sul-coreanos também rejeitaram o projeto como artificial e intrometido.

— Parece um pouco artificial — disse Park Soomin, 30, que trabalha em uma empresa de mídia em Incheon, outra cidade nos arredores de Seul. — É estranho que o governo esteja tentando intervir nas relações pessoais.

Pesquisadores que estudaram o declínio da população da Coreia do Sul dizem que jornadas de trabalho reduzidas, cultura de trabalho favorável à família e igualdade de gênero seriam mais eficazes do que encontros às cegas promovidos pelo governo para lidar com as causas da baixa taxa de fertilidade, de acordo com Jung Jae Hoon, professor de bem-estar social na Universidade Feminina de Seul.

Em Seongnam, as autoridades disseram que o programa de encontros às cegas não era para ser a solução definitiva para a crise demográfica da cidade. Mas acreditavam que os eventos satisfariam uma necessidade social. Das 200 pessoas que chegaram sozinhas, 78 saíram em duplas, disseram.

— Homens e mulheres jovens podem não estar namorando, mas estão entediados e dizem que se sentem solitários nos finais de semana — comentou Lee Myung-gil, um coach de namoro que ajudou a administrar o programa em Seongnam.

Hwang Dabin, 33, que trabalha no setor imobiliário em Seongnam, disse que estava interessado em participar de um dos eventos organizados por sua cidade porque a pandemia prejudicou sua vida social. Ele está solteiro há seis anos, acrescentou.

— Fiquei emocionado ao saber que este evento seria presencial — afirmou, acrescentando que havia dado match com uma mulher no evento.

Kim não encontrou um parceiro, disse que não estava desapontada. Alguns participantes do evento estavam organizando um encontro por conta própria e ela planejava ir.

— Agora, estou tentando me contentar apenas em me divertir com pessoas boas — declarou Kim. — Conexões não acontecem à força.


Fonte: O GLOBO