Preços de diárias são reduzidos e mesmo assim cancelamentos são cada vez mais frequentes na região

Há cem anos, o Hotel Piratininga ocupa a esquina da Rua do Triunfo com o Largo General Osório, no Centro de São Paulo, sobrevivendo a todas as transformações pelas quais a região já passou. Mas desde o início do ano, o hotel vê seus quartos ficarem cada vez mais vazios. O motivo, de acordo com o gerente Jadson Santana, são os conflitos recentes na cracolândia, que desde 2022 virou um problema que deixou de se restringir a apenas algumas quadras e se espalhou pela região central.

— Está bem difícil porque tem bastante que chega e já vai embora, não quer ficar, ou coloca um comentário negativo na internet por causa dos arredores. Desde o início do ano, a ocupação média que era de 90%, agora caiu para 40%. Eu sou gerente aqui desde 2015 e a gente não tinha essa dor de cabeça antes — contou ao GLOBO na última quinta-feira, poucas horas após saber que um dos hóspedes havia sido assaltado a mão armada na frente do hotel.

A cracolândia não é um problema novo. O termo começou a ser usado no fim da década de 1990, mas antes disso a região da Luz já era conhecida como a “boca do lixo” de São Paulo, por concentrar cenas abertas de uso de drogas. De 2022 para cá, porém, o chamado “fluxo” da cracolândia começou a migrar com frequência, afetando vias e bairros que antes ficavam mais distantes dos dependentes químicos e do tráfico de drogas, gerando uma onda de insatisfação de moradores e comerciantes de todo o Centro.

Cada dia em um lugar

Por muitos anos, dependentes químicos se aglomeravam na Alameda Dino Bueno, entre as ruas Cleveland e Helvétia, próximo a Praça Júlio Prestes. Mas em março do ano passado, os usuários migraram para a Praça Princesa Isabel, a poucos metros dali. Uma grande operação da Polícia Militar e da GCM desmantelou a então "nova cracolândia" em maio daquele ano, e a praça foi cercada. 

Desde então, o roteiro é o mesmo: usuários se aglomeram em determinada via, uma operação da PM causa a migração, usuários se dispersam e novos fluxos se formam, até que uma nova operação policial repita a dispersão.

Há mais de um mês, havia uma grande concentração de dependentes químicos na Rua dos Gusmões, entre a rua Santa Efigênia e a Avenida Rio Branco. Mas na última quarta (23), uma operação da PM dispersou os usuários. Na quinta, a reportagem observou diversos "mini fluxos" na própria rua dos Gusmões, mas em outro ponto (próximo a Rua dos Protestantes) e também na rua General Couto de Magalhães.

Essa migração frequente pode afetar ora um estabelecimento, ora outro. O Hotel Normandie, por exemplo, funciona na Avenida Ipiranga desde a década de 1960 e passou por diversas movimentações no Centro de São Paulo desde então, mas tem sofrido com os conflitos na região da Cracolândia desde o início do ano. 

De abril para cá, o hotel tem registrado sucessivas quedas nas reservas, e hoje a taxa de ocupação gira em torno de 55% --- antes, superava os 75%, de acordo com o dono do hotel, Fábio Ionesco. O valor médio das diárias caiu de R$ 320 para R$ 250.

— Tive que baixar o preço das diárias, se não, não ia ter cliente. O valor médio era de R$ 320, agora está em R$ 250. Janeiro e fevereiro é baixa estação, normalmente é mais fraco, março foi bom, mas abril já começou a cair, maio em diante despencou. 

O fenômeno cracolândia e moradores de rua não é de hoje, os usuários estavam concentrados na Praça Princesa Isabel, aí a prefeitura dispersou, provavelmente para conseguir fazer as abordagens de uma maneira mais fácil, e se espalhou. 

Aí, neste momento, começou a prejudicar as pessoas. Teve a pandemia também que piorou o problema — comenta o empresário, que também é dono de outro hotel na região, que tem um convênio com a Prefeitura de São Paulo para abrigar 180 idosos em situação de rua.

Fábio Ionesco, dono do Hotel Normandie: queda na ocupação desde maio. — Foto: Maria Isabel Oliveira/Agência O Globo

Se ora prejudicam um estabelecimento, as mudanças de lugar do "fluxo" da cracolândia ora podem beneficiar outros. Fábio Redondo, dono da rede Buenas Hotel, que abriga sete hotéis duas e três estrelas no Centro de São Paulo, afirma que viveu “momentos de muita tensão” entre novembro de 2022 e abril deste ano, porque viu alguns de seus estabelecimentos ficarem cercados pelo fluxo da cracolândia.

— Entre março e abril, houve aumento de 50% nos cancelamentos porque quando as pessoas chegavam e viam que estavam próximas à cracolândia, cancelavam a estadia — conta o empresário — Mas depois da pandemia, a gente teve um aumento maior de moradores de rua, um agravamento na segurança, não dá pra falar que é somente a cracolândia.

Na época, os usuários estavam se concentrando em ruas acima dos Campos Elíseos, mais próximas da Avenida São João. A partir do fim de maio, o fluxo migrou para a região da Santa Ifigênia e Luz, abaixo da Avenida Rio Branco, onde estão até agora. A atual área da cracolândia abriga centenas de lojas de produtos eletrônicos e é uma das principais regiões comerciais da cidade, o que tem provocado a revolta de empresários da região.

Preço baixo e fácil acesso

Helena e Gabriella, que escolheram se hospedar em um hotel 2 estrelas do Centro de São Paulo pelo custo-benefício. — Foto: Maria Isabel Oliveira/Agência O GLOBO

Mesmo com os episódios de violência — que vão desde furtos e roubos de celular até ataques a ônibus e saques de farmácias por dependentes químicos — a região central ainda é um atrativo para turistas que vêm até São Paulo para negócios, compras ou diversão.

As jovens de 19 anos Gabriella Prado e Helena Darnelas vieram para um show em São Paulo pela primeira vez e escolheram se hospedar no Centro. As notícias de violência na região as deixaram com receio, mas não as impediram de escolher a estadia na área. O motivo? O preço baixo e o fácil acesso a diversos pontos de interesse.

— Toda minha família me botou muito medo em vir para cá. Mas eu escolhi aqui porque era o mais barato e porque fica perto do Cine Joia (na Liberdade), onde vou ver um show. É minha primeira vez em São Paulo, eu nunca vi tantas pessoas morando na rua e usando droga na rua assim na vida, é muito diferente. Ontem, antes de viajar, eu descobri que aqui é um bairro perigoso. Mas meu pai me tranquilizou falando da música do Caetano Veloso — comenta Helena, moradora de Vitória (ES).

— Eu fiquei com um pouco de medo porque essa área é mais perigosa, mas eu acho muito bonito esses prédios antigos, minha cidade só tem 60 anos, então está sendo uma experiência diferente — afirmou Gabriella, natural de Umuarama (PR).


Fonte: O GLOBO