Agência é a única do país a ter uma mulher preta como CEO

‘A publicidade do Brasil não gosta do Brasil’. A frase que o publicitário Felipe Silva costuma repetir resume bem sua visão de mercado e as razões que o levaram a fundar a própria agência após uma carreira de mais de 15 anos como redator e criativo em grandes agências do país.

Cria do Morro de Santo Inácio, no Rio, Felipe fundou a Gana com o diretor de arte Ary Nogueira (que também fez carreira em grandes agências) com a missão de traduzir o Brasil para as marcas, a partir de uma linguagem de comunicação que busca referências na criatividade do próprio povo brasileiro. A Gana é hoje a única agência 'full service' com um time 100% preto.

— Há um potencial criativo enorme no país que as marcas não experimentam. O publicitário brasileiro odeia novela e BBB. Somos muito premiados, mas as referências são o filme iraniano. O povo brasileiro não se reconhece na propaganda — diz Felipe, que antes já havia fundado a Escola Rua, projeto social de formação em publicidade para pessoas negras e da periferia.

A Gana começou na raça, como um coletivo, com um projeto para a marca Kuat, da Coca-Cola, em plena pandemia, em 2021. Logo vieram outros projetos (Havaianas, Netflix, Natura, Nubank e outros). Até que vieram contas fixas: iFood, Mercado Bitcoin, Spotify e a própria Kuat. Lá fora a reputação da Gana como uma agência que entende o brasileiro também vem se espalhando e a empresa tem sido cada vez mais procurada por grandes agências para nacionalizar campanhas globais.

— O mercado tenta colocar as agências em caixinhas. Ainda tem marcas que nos chamam pra pensar a estratégia de diversidade, mas depois contratam outra agência pra executar — diz a CEO Tatiana Monteiro, que ascendeu ao cargo no mês passado, após os fundadores da Gana se indignarem com um levantamento que mostrou que não havia uma única mulher preta na liderança de uma agência no Brasil. 

Ex-Dentsu, Tatiana se juntou ao time da Gana, e depois virou sócia, meses depois de sua fundação, originalmente como chefe de operações. — Não, era possível um país como o Brasil não ter uma mulher preta na liderança de agência --- diz Felipe.

Os resultados começam a aparecer: o faturamento, que foi de R$ 16 milhões no ano passado, deve crescer 30% este ano. E o primeiro Leão, um bronze em social media para a Budweiser, veio na última edição do festival de Cannes, o Oscar da publicidade, no mês passado. — Houve uma mudança gigante em Cannes este ano — diz Felipe, que foi jurado no festival. 

— A pauta da diversidade ficou muito mais forte, enquanto aqui a gente até regrediu. As empresas ainda pensam a diversidade como meta a ser cumprida e não entenderam que ela agrega em inteligência e resultado —.

Atuando como uma agência full service — que entrega desde a criação à execução — a Gana vai além, idealizando produtos criativos diversos. Entre eles, uma exposição para a Meta, um talk show para a Ludmilla e o Mano a Mano, podcast do Mano Brown que foi abraçado pelo Spotify, e que em março ficou em primeiro lugar em audiência na plataforma.


Fonte: O GLOBO