Sabores do Brasil chegam a cantos remotos de Portugal e conquistam paladares até nas pequenas cidades do país

No extremo norte de Portugal, na pequena cidade de Chaves — que tem cerca de 41 mil habitantes e fica a 11 quilômetros da fronteira com a Espanha —, a lanchonete Supimpa Snack Bar chama a atenção pelo cardápio e cartazes na porta com fotos de pão de queijo, coxinha, açaí, brigadeiro e sucos de frutas típicas do Brasil, como goiaba e caju. Nos supermercados da cidade, há uma variedade de marcas brasileiras de tapioca, biscoitos e, claro, farofa. Tudo importado do Brasil.

A enorme atração que Portugal tem exercido sobre os brasileiros nos últimos anos está levando junto o consumo de iguarias do Brasil, para muito além das grandes cidades como Lisboa e Porto. Os brasileiros que imigram para Portugal estão descobrindo oportunidades de trabalho em cidades pequenas do país, provocando a maior oferta de produtos típicos nos estabelecimentos locais, até mesmo nos recantos mais remotos.

São produtos que ajudam o brasileiro a conter a saudade e manter costumes, mas que também conquistam os paladares dos portugueses, dizem as empresas. Acabam virando uma oportunidade de negócio para os brasileiros que tentam a sorte em Portugal.

— Saí de Lisboa e vim para Chaves. Analisei o mercado, vi que teria potencial e abri uma loja aqui com os produtos do Brasil, usando fornecedores brasileiros. A comunidade brasileira começou a aumentar na cidade neste ano. E, assim, abri recentemente uma segunda loja. A ideia é unir o sabor do Brasil e o de Portugal — diz o português Paulo Lopes, dono da Supimpa, que é casado com uma brasileira.

Interesse dos nativos

A rede de supermercados Continente, a maior de Portugal, segue o mesmo rastro. A companhia já tem marcas brasileiras à venda em suas 300 lojas, como a tapioca Da Terrinha e a farofa Yoki. A estratégia da rede é ter uma oferta diversificada nas gôndolas para atender não somente os brasileiros, mas ao crescente interesse do público português pelos sabores e produtos do Brasil, despertado pelos imigrantes.

“A tendência aponta para um aumento na procura e oferta destes produtos”, afirmou a companhia em nota. “Muitas marcas brasileiras têm procurado expandir sua presença internacionalmente. Este movimento contribui para o aumento de marcas brasileiras em Portugal, tanto nos centros urbanos como os mais afastados”.

Uma das marcas que mais crescem em Portugal é a de biscoitos Piraquê, da M.Dias Branco. Segundo César Reis, diretor de Exportação da empresa, a marca chega hoje a diferentes cidades portuguesas por meio de distribuidores especializados:

— A Piraquê é uma das marcas que melhor representa a brasilidade. Por isso, tem muito apelo junto ao público brasileiro que vive em Portugal. Ao mesmo tempo, atende também o público português.

Outra grife bem brasileira que faz sucesso em Portugal é a das sandálias Havaianas, já presentes em mais de 800 lojas multimarcas no país, um número elevado considerando que a nação tem 10 milhões de habitantes.

— Havaianas têm uma distribuição muito intensa no país, em cidades menores, como Guimarães ou Braga. Estamos presente em todas as cidades pequenas do Algarve, no sul de Portugal, de Vila Nova a Sagres. Queremos estar onde o consumidor está — diz Vanessa Sosa, executiva da área comercial da marca.

O interesse dos portugueses por iguarias brasileiras é bem ilustrado pelo pão de queijo, que virou uma febre no país. A marca Seu Sabor, comandada pelo brasileiro Bruno Barbosa, de Belo Horizonte, começou há dois anos com um espaço na El Corte Inglés, rede de lojas espanhola com unidades em Lisboa e Porto. De lá para cá, avançou para o Algarve e agora está ampliando sua distribuição em cidades do norte, como Bragança.

Para ganhar escala, Barbosa decidiu abrir uma fábrica para a produção de pão de queijo em Bobadela, a 13 quilômetros de Lisboa. Ali, fabrica os produtos com insumos locais, já que a legislação impede a importação de derivados de leite do Brasil. Mas a receita é guardada a sete chaves.

— Os sabores do Brasil estão cada vez mais populares em Portugal, sobretudo entre os jovens. E como há muitos brasileiros aqui, as redes de varejo e os hotéis querem criar empatia com o público e por isso vêm ampliando seus pedidos. Estamos em processo de crescimento para supermercados e lanchonetes em todo o país. Lisboa e Porto já estão saturadas, e o interior cresce —diz Barbosa, que tem recebido mais pedidos para Braga e cidades do norte.

Do Ceará para a Europa

Geraldo Neto, fundador da rede Açaí Natura, também avalia que a demanda por itens brasileiros ganhou fôlego com o interesse dos próprios portugueses. A empresa dele, que nasceu há oito anos em Fortaleza, começou com um espaço pequeno em Lisboa e hoje conta com 22 lojas em Portugal, quase todas no interior. A expansão foi planejada por meio de franquias.

— Vendi todas as lojas em Fortaleza para investir em Portugal. Já abrimos em Braga, Leiria, Sintra, Oeiras e agora estamos indo para Santarém, Loures, Seixal. O mais impressionante é que 77% dos nossos clientes são portugueses e não brasileiros. A gente via uma paixão de Portugal pelas novelas, mas hoje há uma transferência para os produtos do Brasil — diz.

Geraldo Neto estima que mais da metade da procura pela franquia (cujo investimento é a partir de € 45 mil, cerca de R$ 235 mil) é para regiões fora de Lisboa, como Vila Real, Viana do Castelo e Castelo Branco. Até o fim do ano, a meta da empresa é inaugurar mais cinco espaços em localidades com população de até 80 mil habitantes.

— Onde tem McDonald’s em Portugal há espaço para uma loja de açaí. Há potencial no norte e no centro-norte. Lisboa só tem 7% da população. Vendemos mais no inverno deste ano que no verão do ano passado. O frio impacta na operação, mas as pessoas consomem em casa.

Ele importa do Brasil a fruta in natura. Vem de sua plantação em Igarapé-Miri, no Pará. O processamento é feito em uma unidade em Via Longa, a 20 quilômetros de Lisboa.

— Mesmo com a concorrência, há espaço para quintuplicar as vendas em dois anos — afirma.

Pastel de nata ganha o Brasil

Se hoje os sabores brasileiros conquistam Portugal, o movimento na contramão começou por aqui na década passada, quando a Europa vivia uma grande crise econômica e o fluxo de imigração era invertido. Em 2013, o português João Pedro Sousa, de Braga, decidiu trazer para o Brasil a receita dos tradicionais pastéis de nata. Abriu uma loja em Copacabana, na Zona Sul do Rio, e passou a investir no crescimento da marca Casa das Natas, que hoje tem sete lojas no Rio e um espaço em São Paulo.

Ele também abriu uma fábrica para produzir a iguaria no Santo Cristo, região portuária carioca. A unidade emprega 35 pessoas e tem capacidade de produzir 20 mil pastéis de nata por dia. Há a possibilidade de aumentar a produção em até 70%, diz Sousa:

—Ampliamos nosso cardápio com mais itens típicos, como bacalhau e outros doces. E temos previsão para mais três espaços no Rio. Importamos produtos como farinha, máquinas e formas de alumínio para oferecer o mesmo sabor de Portugal. É preciso assar os pasteis a 400 graus Celsius. A ideia é criar uma experiência portuguesa no Brasil.

Quem também acaba de chegar a Copacabana é a Croissanteria Portuguesa. Além de pastel de nata, a casa trouxe croissants portugueses e adicionou recheios para se adaptar ao paladar brasileiro:

—Vamos abrir mais dois espaços no Rio neste ano. Quero levar a marca para São Paulo e Nordeste. O Brasil tem muito potencial — afirma o português Alexandre Cunha, que tem lojas em Coimbra e Lisboa.

Segundo ele, o croissant português usa uma receita diferente da versão da França, permitindo maior consistência. É uma das opções mais populares em Portugal, diz.

—No Porto, são consumidos mais de um milhão de unidades por dia.


Fonte: O GLOBO