Os austríacos alteraram o nome do clube, escudo, uniforme, seu CNPJ. Mudaram quase tudo, menos os dirigentes

Como os clubes de futebol no Brasil são quase todos associações civis, e tantos deles estão em intermináveis crises administrativas e financeiras, o brasileiro criou certo fetiche pela ideia da empresa. Associações estão decadentes porque sofrem influências políticas, também porque ninguém se responsabiliza por suas práticas e resultados. 

Companhias, não. Dotadas de governança robusta e centradas no profissionalismo, essas afastarão o futebol brasileiro de seus vícios. Será?

Quando a Red Bull decidiu elevar seu investimento no país e comprar o Bragantino, como um atalho para chegar logo à primeira divisão nacional, o discurso ia nessa linha. 

A empresa assumiu o controle sobre a associação civil que cuidava do futebol alvinegro, fez a conversão dela em companhia limitada e disse para todo mundo que, dali em diante, seriam aplicadas as melhores práticas em termos de administração. Com cultura europeia e muito dinheiro, a coisa finalmente ficaria séria.

Não estava claro o meio que os austríacos haviam achado para comprar o clube. Eles não queriam nem que o termo “compra” fosse usado, embora nenhuma outra definição fosse apropriada. Pois bem. Após meses de pesquisas em cartórios e conversas com gente próxima ao negócio, junto dos repórteres Martín Fernandez e Leonardo Lourenço, publicamos os documentos que mostram como foi conduzida a venda. Hoje sabemos que a Red Bull pagou R$ 94 milhões para assumir o Bragantino.

Quem recebeu esse dinheiro? O dirigente paulista Marquinho Chedid, cuja família dominava a associação civil havia décadas. Repasses se dividiram em duas frentes. R$ 46 milhões foram usados para comprar terrenos em Atibaia, onde hoje se constrói o centro de treinamento do clube. 

Não por acaso, os lotes estavam em nome dos filhos de Marquinho, que lucraram várias vezes com a revenda para a Red Bull. Outros R$ 48 milhões foram aportados nas contas do Bragantino e usados para pagar dívidas com a própria família Chedid. Dívidas que aumentaram abruptamente na hora da venda.

Os responsáveis pela transação não queriam que ninguém soubesse dela e se esforçaram para ocultá-la do público e do mercado. Compras de terrenos e pagamentos de dívidas apareceriam no balanço financeiro do Red Bull Bragantino, por exemplo. 

O que a empresa fez? Publicou algumas páginas com números gerais e escondeu a auditoria externa e as notas explicativas, que apontariam origem e destino da verba. A Red Bull se defendeu dizendo que não revela questões estratégicas de seus negócios. Hoje sabemos por quê. Pega mal encher os bolsos dos velhos cartolas do futebol.

Curioso é que o vínculo não se encerrou. A Red Bull poderia ter se desligado da família Chedid, após comprar dela o clube de futebol. Eis que Marquinho ainda representa o clube em reuniões na federação e na CBF, na condição de presidente honorário, e até sobre liga já falou em nome do Bragantino. 

Seus filhos continuam no cotidiano. Os austríacos alteraram o nome do clube, seu escudo, seu uniforme, seu CNPJ. Mudaram quase tudo, menos os dirigentes que estavam lá antes.

Fica difícil falar em governança e profissionalismo quando a estrutura está impregnada de cartolas amadores. A influência política continua. Fica complicado prometer boas práticas e entregar balanços incompletos, com páginas estrategicamente escondidas. A diferença está no investimento. 

Quando centenas de milhões de reais são aportados, o desempenho esportivo realmente melhora. Por enquanto, é o que se pode constatar do primeiro clube-empresa da nova era do futebol brasileiro.


Fonte: O GLOBO