Desde 1993, semisubmersíveis vêm sendo sofisticados para transporte de cocaína pelo Oceano Atlântico

As polícias espanhola e americana falam sobre narcossubmarinos desde 1993. Desde então, mais de 300 embarcações desse tipo foram apreendidas em ambos os lados do Oceano Atlântico, segundo as forças de segurança. Mas só no período entre 2017 e 2021, a polícia colombiana apreendeu 152 semissubmersíveis.

Construídas em sua maioria no Suriname ou na Guiana, essas embarcações transportam carregamentos com toneladas de cocaína das costas brasileira e colombiana para a Espanha e o norte da África. De acordo com a Brigada Central de Narcóticos da Polícia Nacional do país europeu, a evolução do uso desses dispositivos não parou de aumentar.

A construção dos narcossubmarinos foi se sofisticando com o tempo. Segundo a polícia espanhola, o atual objetivo dos traficantes é de incluir sistemas de navegação com piloto automático, evitando que as embarcações necessitem de uma grande tripulação para viajar. Assim, de acordo com a investigação, os criminosos ganhariam espaço para transportar mais carga nos dispositivos, que ainda têm tanques de combustíveis em seu interior.

Quatro submarinos já foram apreendidos na Espanha. Dois eram de fabricação europeia: um deles foi encontrado em agosto de 2006, na região de Galiza, e o outro em fevereiro de 2021, em Málaga –as duas cidades estão localizadas em solo espanhol. Ambos estavam em fase de teste e foram descobertos antes de serem utilizados.

Depois, a polícia localizou outros dois na Galiza: um deles estava naufragado com um carregamento de três mil quilos de cocaína, em novembro de 2019. O último foi encontrado em 13 de março deste ano já sem a carga. A embarcação media 23 metros de comprimento e tinha como nome Poseidon, em referência ao deus grego que, segundo a mitologia, tinha poderes sobre os mares.

De acordo com a polícia espanhola, as embarcações são apenas “a ponta de um iceberg de um tráfego muito mais constante”. A suspeita é de que no fundo das ilhas dos Açores, um território de Portugal, haja “um cemitério de narcossubmarinos".

2005-2006. Primeira tentativa de um semissubmersível feito na Espanha. Os empresários espanhóis Tomás Bengoechea, conhecido como O Grande, e Juan Serrano Fernández, identificado como O Advogado, se comprometeram a financiar a construção de um semissubmersível para transportar 750 quilos de cocaína.

O cartel de cocaína da Colômbia queria testar sua última invenção em uma viagem à Espanha. O escolhido do cartel do tráfico para a missão foi Ángel David Ríos Vargas, que de Majadahonda, em Madri, instruiu Francisco Omil Navazas, o Camisas, chefe de uma organização criminosa e que foi condenado na Operação Nécora por tráfico de drogas.

Mesmo com o plano meticuloso, todo o trabalho de engenharia naval realizado pelos traficantes galegos fracassou para os parceiros que financiaram a invenção. Sete cúmplices, dois deles reincidentes, receberam penas entre 10 e 13 anos de prisão.

O Ministério Público espanhol, representado pelo promotor Marcelo de Azcárraga, acusou os homens pelo crime de conspiração, por tentarem introduzir mais de 750 quilos de cocaína pura usando um dispositivo semissubmersível. A embarcação ainda não havia sido levada ao mar.

Manuel Clemente Grova, O Engenheiro, era responsável por preparar os meios náuticos que seriam utilizados no transporte. Grova, de 56 anos, tinha desenhado o submarino num armazém de sua casa, na cidade de Gondomar. A embarcação seria pilotada por um só ocupante, Juan Carlos González Filloy, de 45 anos.

Ao entardecer do dia 12 de agosto de 2006, o veleiro intitulado Nadir III saiu do Club de Yates de Baiona (localizado na província de Pontevedra, a cerca de 600 km de Madri, capital espanhola) rumo ao encontro do submarino que saía das instalações do estaleiro de indústrias navais A Xunqueira, na província de Moana, para ser lançado pela segunda vez.

Mal havia iniciado a jornada e o piloto do submersível, Juan Carlos González Filloy, detectou anomalias mecânicas que o fizeram temer pela segurança. Apenas um tubo que subia à superfície fornecia ar à tripulação e os instrumentos de navegação não estavam devidamente sinalizados. 

Em pânico, Juan Carlos abandonou o barco e pulou na água. A polícia encontrou o semissubmersível no dia seguinte com os motores funcionando entre a praia de Liméns e as Ilhas Cíes, com 4.650 litros de combustível a bordo.

2006. As primeiras informações. A polícia espanhola começou a obter dados sobre os semissubmersíveis, que cruzavam o Oceano Atlântico carregados de drogas para a Europa, neste ano. Estes relatórios são baseados na colaboração com outros países europeus, principalmente o Reino Unido, bem como com os seus homólogos colombianos e norte-americanos.

— Inicialmente eles partiram das costas do Brasil e do Suriname em direção à região noroeste da África, onde foram assistidos por barcos de pesca galegos ou marroquinos — afirmou uma fonte da polícia ao jornal espanhol El País. 

— Eles faziam a travessia transoceânica numa espécie de barcos de alta potência com motores de popa (parte posterior da embarcação) que eram abastecidos em diferentes pontos do percurso e descarregados em alto mar, ao largo da costa africana, por barcos de pesca, quase sempre galegos ou em iates, que também carregavam o combustível para o retorno do barco.

2007. Operação Destello. Preso na Colômbia, Jorge Isaac Velez Garzón já havia sido detido em janeiro de 2007, de acordo com a polícia. Naquela época, o homem, que viveu 15 anos na Espanha, era considerado o chefe do cartel de Bogotá, capital colombiana. Junto com o espanhol José Benito Charlín, único sobrevivente do chamado grupo dos Charlines, ele organizou o desembarque de pelo menos três toneladas de cocaína em semissubmersíveis, dos quais a polícia apreendeu 1,8 mil quilos.

Vélez Garzón já havia sido preso em janeiro de 1991 junto com José Ramón Prado Bugallo, o Sito Miñanco, que voltou à prisão e aguarda julgamento, como um dos homens de confiança da organização que dirigia o time de futebol Juventud Cambados. Nesta operação, também foi preso Gerardo Rial Iglesias, irmão do narcotraficante Oscar, conhecido como O Pastelero.

— Também caiu um barqueiro conhecido, de nome José Ramón Canto Nine (também conhecido como Moncho Vilaboa ou Vitamina), encarregado de tirar a droga dos semissubmersíveis que se aproximavam cada vez mais da costa espanhola — disse a fonte policial. No entanto, as embarcações nunca foram encontradas.

2008.
Detenção do primeiro narcotraficante que introduziu drogas na Espanha com semissubmersíveis. Em 5 de setembro de 2008, a polícia prendeu aquele que considera ser o primeiro narcotraficante que contrabandeou drogas para a Espanha por meio destas embarcações: Edgar Vallejo Guarín, conhecido como Beto, o Cigano. Naquela época ele era um dos traficantes mais importantes da Colômbia.

Guarín foi preso em Madri, embora morasse em hotéis de luxo de Barcelona. O homem era foragido da polícia dos Estados Unidos, que oferecia uma recompensa de US$ 5 milhões para quem o localizasse. Segundo as investigações, “ele havia enviado dezenas de toneladas de cocaína pelo mar”. Mas os narco-submarinos, dos quais não havia vestígios, nunca foram localizados, e permanecem como uma espécie de lenda.

Depois, investigações policiais concluíram que Guarín estabeleceu primeiro a sua base de operações na África, onde transportava a droga desde a América do Sul tanto em aviões como em semissubmersíveis e barcos de narcotraficantes espanhóis, com quem manteve relações para poder distribuir a droga por toda a Europa. De acordo com a polícia, o colombiano trabalhou com outros criminosos como Vidal Padín, apelidado de O Burro, e Óscar Manuel Rial Iglesias, identificado como O Pastelero, entre outros.

Guarín foi extraditado para os Estados Unidos, onde foi preso.

Junho de 2008. Operação Antilla
. Em junho de 2008, a Polícia Nacional e o Serviço de Vigilância Aduaneira, apreendeu o São Miguel, uma embarcação enferrujada e sem documentação, com 3,6 mil quilos de cocaína a bordo e 15 tripulantes a mil milhas das Ilhas Canárias. Além de dois espanhóis, 12 venezuelanos e um italiano foram detidos no país europeu.

Um dos presos foi José Luis Fernández Tubio, que mais tarde se tornou testemunha protegida na prisão, traindo Óscar Manuel Rial Iglesias (O Pasteleiro) e José Constante Piñeiro Búa (Costela) ao delata-los à investigação.

— Foi Tubio quem confessou que ambos organizaram coletas de drogas em semissubmersíveis, confirmando nossas suspeitas — afirmou a polícia espanhola ao El País. — Um dia antes do julgamento, ele fugiu e os acusados ​​desse tráfico em grande escala foram absolvidos. Acredita-se que pagaram a ele.

Novembro de 2019. A polícia apreendeu o primeiro narcossubmarino da Europa, em uma ria em Vigo. Com quase 20 metros de comprimento, a embarcação transportava três mil quilos de cocaína e tinha três tripulantes a bordo: dois equatorianos e um espanhol, que foram presos e levados à Justiça.

Informações de fontes internacionais colocaram os investigadores no encalço de um narcossubmarino carregado com três toneladas de cocaína da Colômbia e com destino à costa galega. 

Agentes da Polícia Nacional, Guarda Civil e do Serviço de Vigilância Aduaneira detiveram-no ao largo da costa de Aldán, em Pontevedra, onde tinha sido abandonado pela sua própria tripulação, devido à impossibilidade de transferir a droga para outra embarcação, devido a uma tempestade que atingia a área e o medo de ser pego pela polícia.

Fevereiro de 2021. Segunda tentativa de semissubmersível feita na Espanha. Operação Ferro.
Uma organização internacional de tráfico de drogas estava finalizando a fabricação de um submarino semi-combinado exclusivo na Espanha. O modelo tinha nove metros de comprimento, três metros de largura e três metros de profundidade, e foi avaliado em um milhão de euros. Ele foi encontrado em um armazém industrial em Málaga.

Na operação, um conhecido traficante de drogas, F.E.C., apelidado de O Coxo e com histórico de participação no tráfico espanhol de cocaína em 2009, foi preso no aeroporto de Barcelona, ​​quando tentava fugir para a Holanda. O arquiteto da embarcação foi um homem cubano que já tinha trabalhado para Sito Miñanco, segundo a polícia. O semissubmersível, feito de fibra de vidro construído sobre o casco de uma plaina, precisava apenas de energia para funcionar.

— A ideia dos narcotraficantes era deixá-lo em Málaga para que pudesse viajar até um ‘navio-mãe’, em alto mar, para transferir até duas toneladas de cocaína e voltar com a carga para a terra — explicou a fonte da investigação. Se tivesse funcionado, o barco teria passado despercebido ao levar a maior parte de seu casco, pintado de azul, para debaixo d'água.

Março de 2023. Poseidon, rei dos mares. O semissubmersível com drogas foi localizado em 13 de março por um barco pesqueiro que navegava nas águas de uma ria em Arousa, na costa de Pontevedra.

Os investigadores da polícia afirmaram ter descoberto, no final de fevereiro passado, uma primeira tentativa de entrega da carga que a embarcação transportava: cerca de 4,8 mil quilos de cocaína que os narcotraficantes teriam conseguido descarregar de um semissubmersível, evitando a vigilância policial. Eles abandonaram a embarcação à deriva para evitar serem pegos.

Poseidon se trata de uma embarcação quase idêntica ao narcossubmarino anterior interceptado naquela área em 2019. Tem 23 metros de comprimento e viajou com três tripulantes sul-americanos que viajaram 20 dias e esperaram pelo menos uma semana para entregar a mercadoria, de acordo com a polícia espanhola.


Fonte: O GLOBO