Inspeção incluiu não apenas apartamento no sexto andar, de propriedade do empresário, mas também térreo, varanda de onde vítima caiu e áreas comuns

Os desembargadores da Câmara Criminal, que definirão o futuro do caso que investiga se a morte da modelo brasileira Emmily Rodrigues foi feminicídio ou suicídio, vistoriaram nesta quarta-feira o apartamento do sexto andar do bairro Retiro, em Buenos Aires, de onde há um mês e meio a vítima caiu. 

O advogado do empresário Francisco Sáenz Valiente, proprietário do apartamento e único investigado no processo, garantiu que apresentou como prova um novo áudio dele para o 911 (serviço de emergência), no qual é possível ouvi-lo dizer: “fugiu de mim. Fugiu de mim, e se jogou”. O canal de televisão por assinatura argentino C5N divulgou os trechos da gravação.

A inspeção da casa de onde Rodrigues caiu começou depois das 10 horas (horário local) no prédio e incluiu não apenas o apartamento do sexto andar, de propriedade do empresário agrícola, mas também térreo, local de onde a vítima caiu e áreas comuns. Participaram da inspeção os juízes Magdalena Laíño, Ricardo Matías Pinto e Ignacio Rodríguez Varela, o advogado representando os pais da vítima, Ignacio Trimarco, e o defensor particular do empresário acusado, Rafael Cuneo Libarona.

“Foi muito proveitoso, e destaco o trabalho das camareiras por terem se dado ao trabalho de vir fiscalizar a cena de um caso tão delicado como este”, disse Trimarco ao final do procedimento.

No entanto, o advogado da denúncia afirmou que "deve ser investigado o motivo" pelo qual "não apareceu em planimetria anterior um acesso do sétimo andar à casa de Sáenz Valiente, que é um duplex". Trimarco garantiu que, durante a inspeção, pôde confirmar que tanto aquela porta como uma entrada de serviço no sexto andar “não foram tapadas” pelos investigadores.

“Isso comprova a falta de preservação do local do evento e é, no mínimo, flagrante”, afirmou o advogado da família.

O advogado alertou ainda que "apesar de sempre terem dito que não havia câmeras em casa, percebeu-se que havia uma arrancada da porta principal, outra que fica à entrada da cozinha e uma central com cabos que podem ser de um DVR removido”.

Quando o advogado de defesa foi questionado sobre o que havia acontecido naquela manhã de 30 de março, ele voltou a dizer que a jovem de 26 anos sofreu "um surto psicótico", que Sáenz Valiente a impediu de pular de uma janela em duas ocasiões e que ele falhou na terceira tentativa, quando quis agarrá-la e ficou com a calça da vítima na mão, e a jovem acabou caindo.

Outra chamada para o 911

A este respeito, Cúneo Libarona definiu como "furo" que foi acrescentado ao caso uma gravação de áudio da segunda chamada que seu cliente fez para o 911 pedindo ajuda, na qual, segundo explicou, o telefone do seu cliente "está ligado e atirado o chão e ali se ouvem os gritos onde Sáenz Valiente diz “ela escapou de mim, ela escapou de mim, ela se jogou”.

Mais cedo, os dois advogados se referiram às mensagens reveladas nesta terça pelo canal Télam, nas quais o empresário agrícola e mineiro avisou a duas das mulheres que foram a sua casa naquela manhã que o local tinha “tusi, coca e faso” (tipos de drogas).

Enquanto para a Trimarco estas comunicações "provam em princípio o fornecimento gratuito de estupefacientes", para Cúneo Libarona "não torna a organização de um evento para consumir drogas" e insistiu na versão que o arguido deu na sua investigação de que "o que comprou ele não o oferecia a outros e era para seu consumo pessoal”.

O estado do caso

A Câmara 6 da Vara Criminal interveio porque, tanto a denúncia quanto os procuradores, Santiago Vismara, da Promotoria Criminal e Correcional 10, e Mariela Labozzetta, da Promotoria Especializada em Violência contra a Mulher (UFEM), recorreram à falta de mérito que o juiz Martín Del Viso emitiu em 18 de abril para Sáenz Valiente, que foi libertado após passar 20 dias detido pelo caso.

No próximo dia 22 de maio, às 12h, haverá uma audiência oral onde será definido se confirmam a improcedência ou se há elementos para acusá-lo por crime. Vismara e Labozzetta pediram que o empresário tivesse prisão preventiva decretada por dois crimes: "feminicídio", que prevê prisão perpétua, e "facilitação de entorpecentes e local para seu uso" que, segundo a Lei de Drogas 23.737 da Argentina, é punível com prisão de 3 a 12 anos se for gratuita.

Em seu parecer, os procuradores destacaram, entre outros pontos, que se tratava de um caso de "grave violência contra a mulher", que a morte de Emmily ocorreu em um "contexto sexualizado", que houve "facilitação de drogas" e que a cena foi "alterada".

Os estudos toxicológicos realizados pelo Corpo Médico Legal revelaram que, antes de cair no vazio, a modelo brasileira consumiu álcool (1,0 grama no sangue foi a dosagem), cocaína, maconha, ketamina e MDMA (um dos componentes do tusi, a forma abreviada para "Tucibi" pela pronúncia inglesa da sigla 2C-B, que é um nome incorreta da "cocaína rosa").

Uma das principais hipóteses do processo é que Emmily foi drogada para fins sexuais e que acabou sendo empurrada ou caindo da janela ao tentar pedir ajuda e sair daquela situação.


Fonte: O GLOBO