Revisão de reformas, ações no saneamento e na Eletrobras são vistas como risco para investimento

Porto Velho, RO - 
As investidas do governo Luiz Inácio Lula da Silva para tentar desmontar medidas aprovadas nas gestões de Michel Temer e Jair Bolsonaro se tornaram a grande preocupação de uma parte expressiva do empresariado.

As dúvidas quanto às pretensões do governo de mexer nas reformas trabalhista e previdenciária, assim como as falas de Lula contra a independência do Banco Central, já vinham provocando incômodo no setor privado, mas o sinal de alerta cresceu depois dos movimentos do petista contra a lei de desestatização da Eletrobras e o Marco do Saneamento nas últimas semanas.

"Não tem sentido voltarmos a discutir reforma trabalhista, previdenciária, saneamento ou privatizações que já aconteceram, como Eletrobras, nesse momento. Temos que fazer uma pauta para a frente, que seja propositiva de novas transformações. Temos que fazer reforma administrativa, tributária e uma reforma na educação para prover melhor qualidade de ensino", diz Walter Schalka, presidente da Suzano.

Há uma série de situações sociais relevantes que o governo Lula 1 e 2 fez, que são fundamentais, e têm de ser preservadas. E há uma série de situações e transformações econômicas feitas ao longo de outros governos que também têm de ser preservadas

Laércio Cosentino, que é presidente do conselho de administração da empresa de tecnologia Totvs e um dos membros do novo Conselhão do governo Lula, levanta preocupação com o impacto das incertezas sobre o ambiente de negócios.

"Os países perdem quando, em cada troca de governo, os verbos conjugados são: revogar, cancelar, destruir, criticar. Não podemos tornar o passado incerto. Temos que unir e não dividir a sociedade. Temos que dirigir olhando para frente com propostas, atos, leis e ações de futuro. A ideologia tem que ser fundamental para traçar o futuro e não para só mudar o passado", diz Cosentino.

Hoje, possíveis retrocessos em questões aprovadas pelo Congresso em anos anteriores são, em alguns casos, tidos como agenda de futuro. Não vamos discutir o mérito, mas a consequência de se gerar instabilidade e incerteza e afugentar o conhecimento, o investimento, a tecnologia e a cadeia produtiva

Há pouco mais de um mês, o receio sobre o equilíbrio fiscal era um tema mais central nas conversas do empresariado, mas a apresentação do arcabouço, ainda que com ressalvas, mitigou parte das tensões. Hoje, a incerteza em relação ao desmonte das medidas aprovadas em gestões anteriores é uma das principais ansiedades em torno do governo Lula 3.

A expectativa é que o Congresso mais conservador sirva de anteparo. Na semana passada, o presidente da Câmara, Arthur Lira, foi fortemente aplaudido por dezenas de empresários em evento do Lide em Nova York ao dizer que o Congresso vai brigar para não deixar retroceder as medidas liberais aprovadas no país.

Por outro lado, há muitas dúvidas sobre a capacidade do governo de avançar nas pautas prioritárias, como a reforma tributária e o próprio arcabouço. Existe também uma percepção de que Lula ainda não demonstrou a habilidade política que tinha no passado para dialogar e interagir com parlamentares, sindicatos, empresários, ONGs e outros segmentos da sociedade.

"As falas do presidente relacionadas à economia preocupam, mas não têm respaldo da maioria do Congresso. É preciso que ele entenda isso e tente se alinhar. Caso contrário, a aprovação de um arcabouço fiscal vai emperrar, e a economia vai continuar travada com juros nas alturas", afirma Antonio Carlos Pipponzi, presidente do conselho de administração da Raia Drogasil.

Para Fábio Barbosa, presidente da Natura&Co, a nova gestão de Lula não está repetindo a boa articulação que construiu com o Congresso e com a sociedade em suas versões anteriores. Pelas previsões do executivo, o governo não terá sucesso nas tentativas de retroceder em casos como o Marco do Saneamento e a Eletrobras, mas Barbosa também ressalva que as propostas em curso, como a reforma tributária e o arcabouço, podem ter sucesso limitado. "Ademais, perde a oportunidade de abraçar a causa ambiental, a Amazônia, e com isso melhorar a imagem do Brasil e atrair importantes investimentos e inovação", diz ele.

A principal argumentação do empresariado é o risco de que a instabilidade gerada pela pauta das reversões comprometa a atração de recursos. Segundo Eduardo Mufarej, fundador da gestora de investimentos GK Partners, a preocupação é muito alta.

"Ainda que eu pessoalmente ache um atraso não evoluirmos na agenda de reformas e privatizações, o governo tem a prerrogativa de desacelerar essa agenda. Agora, rever o que foi feito, independentemente de imperfeições, é um desajuste com a realidade. Como país, deveríamos estar obcecados em atrair novos investimentos. Esse tipo de pauta nos coloca na direção contrária", diz Mufarej.

Cristopher Vlavianos, presidente da Comerc Energia, também vê potencial de impacto nos investimentos do setor elétrico e de saneamento.

"Se existe mudança, independentemente de ser para o bem ou para o mal, isso gera uma insegurança futura de novos investimentos. Passa a ser um país pouco confiável e isso acaba reduzindo muito o investimento, tanto interno quanto externo", diz.

Para o setor de concessões de infraestrutura, que atua com prazos prolongados, a segurança jurídica é ainda mais sensível, segundo Dario Rais Lopes, CEO da Aeroportos Paulistas, que administra 11 aeroportos no estado de São Paulo.

É preciso ter previsibilidade. As empresas estão voltando a performar depois de um momento bastante delicado, que foi a pandemia. Mudanças agora são algo muito complicado

"É legítimo que um governo novo queira rever e reanalisar práticas e processos. Agora, o que ele tem de entender é que essas avaliações, certamente, terão uma reação. Nós trabalhamos com contratos de longo prazo, investimentos, empréstimos e retornos, todos de longo prazo. Então, previsibilidade, para nós, é fundamental", diz Lopes.

Fonte: Folha de São Paulo