Contra-ataque para recuperar os territórios ocupados pela Rússia está previsto para meados de junho

A Ucrânia pretende marcar uma virada no curso da guerra com sua anunciada contraofensiva para recuperar territórios ocupados pela Rússia. Kiev garantiu que espera apenas o fim da estação das chuvas — para que a lama não atrapalhe os tanques — e o envio das poucas armas que faltam chegar dos países da Otan. Entre o fim de maio e o início de junho, o país deve lançar sua ofensiva, conforme declarado pelo próprio ministro da Defesa, Oleksii Reznikov, e assessores do presidente Volodymyr Zelensky.

Na sequência dos recentes atos de sabotagem em território russo e do alegado ataque ao Kremlin, a Rússia intensificou, nas últimas semanas, o lançamento de mísseis e drones contra infraestruturas ucranianas. Enquanto isso, uma fileira de trincheiras russas, algumas muito recentes, se estende por toda a linha de frente, desde a província de Kharkiv até a península da Crimeia.

Segundo os analistas ouvidos pelo El País, e de acordo com os últimos movimentos de tropas, existem cinco pontos ao longo da linha da frente dos quais a Ucrânia pode lançar a esperada contrafensiva.

Zaporíjia, em direção ao Mar de Azov

Zaporíjia, no Sudeste do país, é um dos pontos mais promissores para lançar uma possível contraofensiva. Se o ataque partir deste ponto, as forças ucranianas podem tentar chegar à cidade de Melitopol, na costa do Mar de Azov, dividindo em duas a zona ocupada pelos russos e cortando o abastecimento de guerra russo entre Donbass e a Crimeia.

Conforme relatado por brigadas e comandos regionais das Forças Armadas ucranianas, Kiev está preparando unidades de tanques nesta região. Já possui cerca de 200, fornecidos por parceiros da Otan, dispostos ao longo da linha de frente, mas os detalhes são desconhecidos.

Moscou, que controla mais da metade dos 27.180 quilômetros quadrados que compõem a província de Zaporíjia, anunciou a retirada de civis de 18 cidades próximas ao front de batalha. A Rússia também planeja a saída de pelo menos 3 mil pessoas da usina nuclear de Energodar, a maior da Europa, que ela controla há 14 meses. A maioria das trincheiras russas localizadas recentemente está concentrada à leste da barragem de Kakhovka, que separa a usina nuclear da cidade de Zaporíjia.

Kherson, o desafio do rio Dniéper

A tensão também cresce na região sul de Kherson, à sudoeste da cidade de Zaporíjia, seguindo o curso do rio Dniéper, que separa os dois exércitos ao passar pela capital. As tropas ucranianas vêm testando as defesas russas há meses para lançar operações de desembarque do outro lado do rio.

Uma contraofensiva é possível, embora seja uma opção bastante complexa: o Dniéper tem cerca de um quilômetro de largura neste ponto, e é muito difícil estabelecer uma conexão sem primeiro derrubar a artilharia russa. Além disso, é uma área de terreno fluvial e pântanos, o que dificulta o acesso de armas e veículos pesados.

A região de Kherson foi tomada pela Rússia no início da invasão. Kiev recapturou o norte da província, incluindo a capital, em uma contraofensiva em novembro, quando empurraram as forças russas para o sul, através do Dniéper. Apenas cerca de 25% de sua população vive hoje na cidade de Kherson, que em janeiro do ano passado era de 300 mil. Recentemente, as autoridades pró-Rússia anunciaram a retirada de famílias inteiras nas partes da província que permanecem ocupadas, um sinal de que a Rússia espera uma possível ofensiva neste ponto.

Bakhmut, onde a Rússia dá sinais de exaustão

A cidade de Bakhmut, no leste de Donetsk, é controlada quase inteiramente pelas forças do Kremlin e se tornou um símbolo da resistência ucraniana. Mas o Exército russo começa a dar sinais de exaustão. Um dos sintomas mais visíveis do cansaço russo em Bakhmut é a crescente divergência entre suas Forças Armadas e o grupo paramilitar Wagner. O chefe da organização acusou Moscou de fugir de suas posições na cidade, e crescem as ameaças e sinais visíveis de falta de comunicação entre os dois.

Na semana passada, o jornal Washington Post revelou que o empresário líder do grupo paramilitar, Yevgeny Prigojin, se ofereceu para revelar as localizações das posições russas à Inteligência ucraniana em troca de Bakhmut. Ele negou.

Enquanto isso, as tropas ucranianas, que controlam apenas cerca de 2,4 quilômetros quadrados da cidade, realizaram vários contra-ataques nos últimos dias. A vice-ministra de Defesa da Ucrânia, Hanna Malyar, informou que conseguiu capturar mais de 10 posições russas nos arredores da cidade no domingo, o que foi confirmado pelo Instituto para o Estudo da Guerra (ISW, na sigla em inglês).

De acordo com fontes russas, Kiev avançou em direção a Yahidne desde Berkhivka e fez avanços no sul de Ivanivske, à sudoeste de Bakhmut. Agora, as forças russas ao redor da cidade sitiada por quase um ano estão concentradas em repelir os contra-ataques ucranianos, afirma o ISW. Segundo o porta-voz do Exército na região, o principal objetivo da Ucrânia em Bakhmut é destruir as áreas de concentração russa e cercar a cidade, sem realizar ataques frontais.

Donetsk, quebrando o controle pró-russo

Além da frente sul, a Ucrânia pode realizar uma contraofensiva a partir de toda a província de Donetsk, na parte oriental do país, para romper o cerco russo às cidades de Bakhmut, Avdiivka ou Marinka. Uma ofensiva por essa região aproximaria as tropas das Forças Armadas ucranianas da cidade de Donetsk, a maior cidade sob controle russo, ocupada por forças pró-Rússia ou do Kremlin desde 2014.

Além de Bakhmut, as últimas atualizações do ISW indicam batalhas recentes na cidade devastada de Marinka, mais ao sul, e avanços da Ucrânia ao longo da linha ferroviária de Krasnohorivka e através de Ivanivske. Por outro lado, a Rússia assegurou recentemente que Novopil, à oeste de Vuhledar, foi tomada por suas tropas e que fizeram avanços perto de Berkhivka. Trincheiras russas construídas desde março foram avistadas ao longo de toda a linha de frente de Donetsk, de acordo com dados de Brady Africk, pesquisador de Inteligência e analista do American Enterprise Institute.

Depois de uma primeira fase da guerra em que as forças russas atacaram massivamente as principais cidades ucranianas, os esforços começaram a se concentrar na região oriental de Donbass. O objetivo russo nesta região é, segundo o ISW, capturar toda a província de Donetsk, onde as cidades de Kramatorsk e Sloviansk, bem como partes de Bakhmut, permanecem sob controle ucraniano.

Kharkiv, o caminho para chegar a Lugansk

Embora a região de Kharkiv, no Nordeste da Ucrânia, seja uma das frentes menos ativas atualmente, é também uma das possíveis zonas para a contraofensiva ucraniana tentar penetrar em Lugansk. Fontes russas asseguram que as tropas ucranianas vem realizando atos de sabotagem e reconhecimento perto da área de Kremina (na província de Lugansk, fronteira com Kharkiv). O ISW, pelo contrário, garante não ter qualquer confirmação de alguma atividade militar perto daquela cidade.

As forças russas e ucranianas continuam uma luta “lenta” entre Novoselivske e Kuzemivka, e o Exército russo estabeleceu as primeiras linhas de defesa ao longo do lado leste da ferrovia, perto de Novoselivske. Como afirma o ISW, o objetivo russo é capturar o resto da província de Lugansk (que ela controla quase completamente) e se mover para o oeste, em direção ao leste de Kharkiv e à área norte de Donetsk.

No final de 2022, a Ucrânia expulsou os russos de quase toda a província de Kharkiv e da metade ocidental de Kherson, graças a uma contraofensiva organizada em vários pontos ao mesmo tempo. Agora, os analistas consultados também concordam que a contraofensiva terá vários pontos de ataque e manobras de desvio que obrigarão o Exército russo a diluir suas tropas e munições.

Embora todas as atenções estejam agora voltadas para quando, onde e como será a contraofensiva, o próprio chanceler ucraniano, Dmitro Kuleba, baixou as expectativas em relação à operação:

— Não considerem esta contraofensiva a última, porque não sabemos o que vai sair disso — alertou.

De sua parte, Zelensky garantiu que a Ucrânia precisa de um pouco mais de tempo para receber todas as armas. No entanto, é possível que o anúncio presidencial seja uma estratégia para conseguir um efeito surpresa contra a Rússia, dizem analistas.


Fonte: O GLOBO