Nova regra veta reajuste salarial de servidores e realização de concursos se meta fiscal não for cumprida

Após um dia de intensas negociações, o relator do arcabouço fiscal na Câmara, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), inseriu uma série de “gatilhos” no texto, ou seja, medidas de correção automática de despesas, caso a meta para as contas públicas não seja cumprida. As mudanças foram anunciadas após reunião com líderes da Câmara, na noite de segunda-feira.

Segundo Cajado, em caso de descumprimento da meta por um ano, haverá proibição de criação de cargos, de reajuste de despesas obrigatórias, criação ou aumento de auxílios e concessão ou ampliação de benefício tributário, entre outras medidas. A pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no entanto, as despesas com a política de valorização do salário mínimo e os reajustes do Bolsa Família ficarão de fora dos cortes.

— O salário mínimo e Bolsa Família são excepcionalizados. O Bolsa por ser uma despesa obrigatória, o salário mínimo porque houve acordo — disse Cajado.

Acordo contra emendas

As regras ficam mais duras em caso de descumprimento por dois anos consecutivos. Se isso ocorrer, além de todas as medidas anteriores, são disparados gatilhos que proíbem reajuste de salário, admissão de pessoal e realização de concurso público. Caso as metas voltem a ser atingidas, as medidas deixam de valer.

Na reunião, ficou decidido que a urgência do projeto do novo arcabouço fiscal será votada no plenário da Casa até amanhã. Se passar pela votação, o projeto vai direto ao plenário, sem precisar passar por debates em comissões específicas para o tema. A votação da proposta em si deve ficar para a semana que vem.

Cajado afirmou que já ficou negociado entre os partidos que não serão apresentadas propostas de emendas (sugestões de alterações para serem votadas separadamente) ao texto do arcabouço. A nova regra vai substituir o teto de gastos.

— Está mais ou menos encaminhado que não deva ter apresentação de emendas, nem destaques, porque houve um acordo aqui— disse Cajado.

O relator afirmou que os deputados estão cientes de que essa é a lei mais importante do ano.

— Todos os acordos são no sentido de ter credibilidade das contas públicas — garantiu.

Com a disponibilização do texto na íntegra, as bancadas poderão sugerir mais modificações. Cajado afirmou que vai ter uma nova rodada de conversas com os partidos nesta semana.

— Se houver acordo sobre outros pontos, não teria problema em acatar — afirmou.

Em reunião mais cedo com ministros e lideranças petistas, no Palácio do Planalto, o presidente Lula afirmou que não aceitará oposição do PT ou um racha do próprio partido durante as votações de tramitação do projeto.

Após reclamações de Cajado de que membros do PT estavam sendo contrários ao projeto, Lula escalou o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), para conter o partido e outras legendas de centro-esquerda na votação da proposta. O presidente chegou a dizer, segundo interlocutores, que “quem dá trabalho é a oposição, não o partido do governo”.

Lula também designou o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, para fechar acordo com MDB, PSD, União Brasil, Podemos e Republicanos em torno do arcabouço.

Nos últimos dias, parlamentares do PT vinham pressionando por mudanças no texto e sugerindo emendas ao projeto. Para uma emenda ser votada separadamente durante a análise de um projeto na Câmara, é preciso que o líder do partido faça um destaque no plenário. O líder do PT na Casa, Zeca Dirceu (PR), já havia afirmado que não faria destaques ao texto.

Sanção em vez de punição

Dissidentes do PT podem perder indicações no governo e espaços em Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), de acordo com interlocutores do Palácio do Planalto. Na semana passada, o Planalto vetou Lindbergh Farias (RJ) para compor a CPI dos atos golpistas como “punição” por ele ter criticado a proposta da nova âncora fiscal.

Para 2024, a meta é zerar o déficit público. Em 2025, a expectativa é de um superávit de 0,5% do PIB. No ano seguinte, um superávit de 1% do PIB. Há críticas entre especialistas e parlamentares de que não haveria medidas para garantir essas metas. Por isso, Cajado passou a desenhar medidas para restringir novos gastos.

As travas propostas substituem uma punição criminal ao presidente da República e aos gestores federais que descumprirem a meta fiscal. A falta de responsabilização criminal vinha sendo criticada por especialistas e agentes do mercado financeiro.

Para o relator, a criminalização faz o gestor propor metas que não sejam ambiciosas. Hoje, é crime de responsabilidade descumprir metas, mas elas são frouxas ou alteradas ao longo do ano.

— Uma coisa é você fazer as sanções da gestão, outra é você criminalizar o gestor. A criminalização está descartada — disse Cajado.

Mais tarde, à GloboNews, Cajado fez um balanço do relatório apresentado:

— Não ficou draconiano nem sem sanções.


Fonte: O GLOBO