Levantamento feito a pedido do GLOBO, indica perdas significativas no salário médio de profissões tradicionais de nível superior, como médicos e advogados, que viram seus ganhos encolherem 13%

Em uma década marcada por crises econômicas, a geração de vagas de trabalho no Brasil foi concentrada em ocupações de baixa qualificação, alta informalidade e com remuneração cada vez menor.

Levantamento feito a pedido do GLOBO pelo economista Bruno Imaizumi, da consultoria LCA, a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/IBGE), identificou que, das onze ocupações que mais abriram postos de trabalho no Brasil entre 2012 e 2022, apenas três tiveram ganhos reais significativos de renda. Seis tiveram redução no rendimento médio, e nas demais a renda ficou praticamente estável.

O economista também identificou perdas significativas na renda média de profissões tradicionais de nível superior, como médicos e advogados, que viram seus ganhos encolherem 13%, enquanto a remuneração dos engenheiros desabou 37%.

Entre as onze ocupações que mais cresceram na década, somente a de escriturário (que engloba trabalhadores em diversas funções administrativas) teve ganho significativo acima da inflação. A renda média dessa categoria subiu, em termos reais, 63,22% no período, atingindo R$ 11,9 mil no ano passado.

NFOGRÁFICO

Outra categoria é a de especialistas em tratamentos de beleza, cuja remuneração média subiu 26,15%. Mas, ainda assim, a renda é baixa: R$ 1,6 mil, bem abaixo do rendimento médio no país, que em fevereiro estava em R$ 2.853.

Já os trabalhadores elementares da indústria de transformação tiveram aumento de quase 6% no salário médio. Nas demais categorias em que houve forte geração de vagas no país, o ganho foi muito pequeno ou houve perdas .

Segundo especialistas, trabalhadores mais qualificados costumam ter ganhos maiores de produtividade e, consequentemente, aumento de renda. E a geração de vagas no Brasil foi concentrada em ocupações de baixa qualificação. Mas, na última década, houve perdas até nas profissões de elite.

No caso dos médicos, os salários caíram de R$ 21.382 para R$ 18.738,uma diferença de R$ 2.644. Os valores de 2012 foram atualizados pela inflação, de 81,13% no período.

— São muitas desigualdades na educação, nos ensinos privado e público. Além disso, as pessoas não saem da escola e da universidade com as habilidades demandadas pelas empresas — diz Imaizumi.

Reflexo da economia

Segundo o especialista, o levantamento reflete a década de baixo crescimento do Brasil, que nesse período enfrentou duas grandes crises econômicas, com efeitos negativos no mercado de trabalho que ainda não foram compensados.

E a recuperação da geração de empregos desde o baque provocado pela pandemia tem se concentrado em ocupações de baixa remuneração.

— O salário só é um reflexo da produtividade, ou seja, quanto ele agrega para a economia em termos de valor. Nessa última década, o Brasil cresceu pouco, enfrentou dois períodos de crise e não viu ganhos de produtividade, o que se reflete no salário estagnado — diz o economista.

A ocupação de comerciante foi a que mais cresceu entre 2012 e 2022, o que pode estar ligado ao empreendedorismo por necessidade diante do alto desemprego. Mas o rendimento médio desta categoria caiu 10,2% no período. Vendedores em domicílio, outra categoria associada ao desemprego, perderam 17,2% da renda.

A categoria “Outros tipos de vendedor” — que exclui vendedores por telefone e em domicílio, frentistas, balconistas e demonstradores de lojas — teve queda de 27,50% na renda, a maior da pesquisa.

Condutores de automóveis, onde se enquadram motoristas de aplicativo, terminaram o ano passado ganhando 8,8% menos que em 2012. Técnicos de enfermagem e profissionais de cuidados em domicílio tiveram perdas da ordem de 3,1% e 2,2%, respectivamente.

A técnica de enfermagem Marília Nascimento, de 48 anos, é uma das trabalhadoras que sentem o impacto da estagnação salarial. Após 13 anos na profissão, ela continua ganhando a mesma remuneração por um plantão de 24 horas: entre R$ 150 e R$ 200.

Para complementar a renda, Marília arrumou bicos como cuidadora de idosos e trabalha cerca de 15 horas por dia, seis dias por semana:

— Tenho que trabalhar horas a mais para ter um salário digno. Lazer já não tenho há tempos porque trabalho muito. Não tenho vida, mas meus filhos tinham uma vida com o meu dinheiro. Comer fora e ir ao cinema são coisas que deixamos para trás.

Em franco crescimento no Brasil, o setor de beleza é um dos poucos entre os que mais empregam com salários em alta. Dona da clínica MyShape, em São Paulo, Alessandra Pereira, de 40 anos, conta que muitas esteticistas preferem ser contratadas como prestadoras de serviço, para ter mais flexibilidade. Isso porque, na busca de ampliar a renda , atendem também como autônomas.

— No começo, contratava pela CLT, mas as profissionais estavam acostumadas com a flexibilidade. A partir daí, passei a contratar serviços de esteticistas que são microempreendedoras individuais (MEIs) — diz Alessandra, que aponta como vantagem menor custo com encargos trabalhistas e, como desvantagem, a alta rotatividade.

Uma das esteticistas da clínica, Letícia Nemet, de 21 anos, quer juntar dinheiro para abrir um negócio próprio na área. Por isso, prefere atuar como MEI, o que permite se dividir entre a clínica e o trabalho de manicure, atendendo clientes em casa. Apesar de ter conseguido elevar a renda, ela se queixa da inflação:

— O salário aumenta um pouquinho, mas acaba não ajudando muito porque as coisas no mercado parecem triplicar de valor.

Para este ano, melhora

Lucas Assis, economista da Tendências Consultoria, ressalta o efeito da inflação sobre os salários:

— Houve uma desvalorização significativa da renda do trabalho. Até alguns profissionais de renda mais alta viram seus salários despencarem nos últimos anos. Como a advogada Cristiane Ferreira, de 41 anos, que não conseguiu retomar o volume de clientes que tinha antes da pandemia:

— Consegui me manter no início porque algumas clientes ainda estavam me pagando em parcelas, mas novos clientes não chegavam. Depois, as coisas não voltaram com a mesma força, e os processos seguem parados.

A pesquisa, avaliam economistas, reflete o estrago que a pandemia causou no mercado de trabalho, ainda abalado pela recessão do fim do governo de Dilma Rousseff (PT), entre 2015 e 2016. Além disso, o PIB brasileiro cresceu muito pouco na última década.

O economista Naércio Menezes Filho, do Insper e da USP, lembra ainda que o aumento do salário dos menos qualificados depende do crescimento da economia, já que as empresas tendem a recuperar perdas financeiras antes de voltar a contratar ou dar reajustes.

Para este ano, Imaizumi projeta estabilidade nos níveis de ocupação e aumento no rendimento do trabalho:

— Há uma migração de pessoas da informalidade para a formalidade, além de uma inflação menor, o que ajuda a elevar o rendimento médio. Também tivemos anúncio de aumento no salário mínimo e reajuste de 9% para os servidores. (Colaborou Pedro Guimarães, estagiário, sob a supervisão de Alexandre Rodrigues)


Fonte: O GLOBO