Variantes raras dos CFCs, banidos após tratado internacional de 1987, tiveram aumento de concentração na última década, mostra novo estudo

Um projeto de pesquisa que monitorou a emissão de gases clorofluorcarbonos (CFCs) de tipos menos conhecidos indica que a emissão desses compostos está aumentando e, se o crescimento continuar na mesma taxa, poderá atrasar a recuperação da camada de ozônio e atrapalhar o combate ao aquecimento global.

A conclusão saiu de um estudo da da NOAA (Agência Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA) e da Universidade de Bristol, na Inglaterra, que monitorou a concentração planetária de cinco gases dessa classe nos últimos dez anos. As cinco substâncias escolhidas para a pesquisa não estão sendo emitidas por uma espécie de brecha permitida pelo Protocolo de Montreal, assinado em 1987 para banir os CFCs e restaurar o ozônio estratosférico que protege o planeta dos raios ultravioleta.

— A emissão desses gases está crescendo relativamente rápido desde 2010, que é justamente o ano que o Protocolo de Montreal determinou como prazo para todos os CFCs pararem de ser emitidos — explicou em entrevista coletiva Luke Western, pesquisador de Bristol que liderou o trabalho. As letras miúdas do tratado, diz, abriam uma lacuna.

— Esses gases foram banidos para o que chamamos de usos "dispersivos", como em aerossóis, solventes e refrigeradores. Mas, sob o Protocolo de Montreal, o uso de CFC ainda é permitido como produto intermediário, ou seja, matéria-prima para produzir outros compostos e produtos químicos.

É nessa permissão, creem os pesquisadores, que existe a margem para a produção oculta agora revelada. A origem geográfica desses compostos, porém, ainda não é totalmente conhecida.

— Nós sabemos que as emissões não estão vindo dos EUA nem da Europa porque temos uma rede muito boa de monitoramento — diz Stefan Reimann, colaborador da pesquisa pelos Laboratórios Federais de Ciência dos Materiais da Suíça. A suspeita dos cientistas é que a maior fonte dos CFCs ocultos seja a Ásia, cuja indústria química passou por grande crescimento na década estudada. Mas é algo que carece de comprovação ainda.

Entre as variantes de CFC que tinham sido diretamente banidas por Montreal estão os de tipo 11, o triclorofluorometano, e 12, o diclorofluorometano, que eram parte integrante dos protudos como radiadores das geladeiras. (A nomenclatura alfanumérica para as substâncias foi adotada para facilitar a notação da sopa de letras dos nomes.) No estudo de Bristol e da NOAA, os cinco subtipos cobertos são os de código 113a, 114a, 115, 13 e 112a.

Para os três primeiros, ainda que os cientistas não tenham localizado geograficamente suas fontes de emissão, acredita-se que a origem seja o uso indireto como matéria-prima. Alguns deles são empregados na fabricação dos HFCs (hidrofluorcarbonos), gases adotados justamente como substitutos dos CFCs mais nocivos ao ozônio. Isso era, de certa, forma esperado.

Origem misteriosa

Para os últimos dois subtipos incluídos no estudo (13 e 112a), porém, o mistério é maior, porque nem a razão da emissão é compreendida.

— O caso do CFC-13, em especial, é um pouco assustador, porque não conhecemos nenhum tipo de uso de grande escala para ele. Ainda assim, há emissões, e nós não sabemos de onde estão vindo — diz Isaac Vimont, da NOAA.

A quantidade de gases detectada, em termos absolutos, ainda não é grande o suficiente para comprometer o Protocolo de Montreal. Pela projeção atual, o buraco na camada de ozônio sobre a Antártida deve se fechar por volta de 2060.

O que preocupa mais os pesquisadores é o ritmo do aumento. Os CFCs observados na pesquisa saltaram do equivalente a 1.600 toneladas anuais em 2010 para 4.200 toneladas anuais em 2020. É um bocado de poluição indesejada, considerando que são substâncias que estavam fora do radar.

— Se colocássemos em um trem todas as substâncias que incluímos na medição, ele seria um trem de carga com 2 km de comprimento, carregado com elas — diz Reimann.

Crise do clima


Quando se leva em conta o impacto desses gases na mudança climática, como agentes de efeito estufa, o problema se agrava ainda mais. Aquilo que os cientistas mediram equivale a todas as emissões anuais da Suíça, um país que é pequeno, mas uma economia relevante no cenário global. Num momento em que todo o planeta disputa milímetro a milímetro suas metas de corte de emissão de gases estufa, CFCs em fuga são uma má notícia.

A boa notícia é que, para os gases que estão escapando pela produção de HFCs, já existe uma atualização do acordo de Montreal, a Emenda de Kigali, assinada em 2016, que prevê sua redução. Para frear o vazamento de CFCs mais ocultos, porém, os cientistas defendem que haja outra alteração do Protocolo original. Para começo de conversa, dizem, é preciso saber como, e onde, essas substâncias estão sendo liberadas.

"A emissão contínua dos cinco CFCs em questão pode anular alguns dos benefícios obtidos com o Protocolo de Montreal, se continuar a aumentar. Além disso, o impacto climático das emissões desses CFCs precisa ser considerado", dizem os cientistas no estudo, que defendem uma ampliação da rede de monitoramento.


Fonte: O GLOBO