Os textos, que circularam em grupos de aplicativos de mensagem das igrejas e nas redes sociais de políticos ligados ao setor, têm como característica principal o uso do discurso religioso

Um dos segmentos mais refratários ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os evangélicos se tornaram terreno fértil para disseminação de desinformação contra o governo. A gestão petista foi alvo de, ao menos, 30 notícias falsas que tiveram grande repercussão entre fiéis e líderes religiosos. Os dados são de um levantamento do GLOBO, feito com base em checagens do Coletivo Bereia, agência de fact-checking voltada para esse público.

Os textos, que circularam em grupos de aplicativos de mensagem das igrejas e nas redes sociais de políticos ligados ao setor, têm como característica principal o uso do discurso religioso. O tema mais frequente, representando 27%, é a narrativa de que o governo Lula estaria ameaçando a liberdade religiosa e favorecendo a “cristofobia” — termo utilizado para definir uma suposta perseguição aos cristãos no Brasil, movimento sobre o qual não há registros.

Segundo o Datafolha, 28% dos evangélicos aprovam o governo Lula, índice que é de 38% no conjunto geral da população. A reprovação é mais elevada: 35%, taxa que é de 29% no geral.

Neste mês, passou a circular que projetos religiosos, tais como a arte sacra, haviam sido excluídos da Lei Rouanet. Recentemente, Lula fez mudanças na captação de recursos, mas a seleção de projetos para investimento cabe às empresas que integram o programa de incentivo à cultura. “Lamentável”, escreveu a deputada Bia Kicis (PL-DF) ao disseminar este conteúdo falso em seu Instagram.

Cotado para assumir um cargo na Secretaria-Geral da Presidência voltado ao setor, o pastor Paulo Marcelo Schallemberger, da Assembleia de Deus, teve vídeos retirados de contexto por um site religioso. Uma declaração sobre a importância do diálogo entre o PT e as igrejas originou a notícia falsa de que o governo Lula desejava criar escolas progressistas para pastores.

— Os fiéis precisam de um aceno de Lula para pôr fim ao discurso de ódio que ainda existe nas igrejas. Seria uma forma de pacificar e reafirmar o compromisso de campanha — afirmou Paulo Marcelo ao GLOBO.

Aborto na pauta

Também circularam afirmações falsas sobre as ministras Nísia Trindade (Saúde) e Cida Gonçalves (Mulher), que, segundo a versão disseminada via WhatsApp e outras plataformas, seriam responsáveis por liderarem a legalização do aborto. Em uma postagem elas são apontadas como “agentes” da missão que teria sido dada pelo presidente. Não cabe ao Poder Executivo arbitrar normas sobre o aborto, função que é de responsabilidade do Congresso.

Outro tema que se tornou alvo de fake news é a ideologia de gênero (23% das identificadas), expressão cunhada nos setores conservadores. Neste mês, a deputada Chris Tonietto (PL-RJ) gravou um vídeo sobre portaria implementada por Lula que “institui o Programa Nacional de Equidade de Gênero, Raça e Valorização das Trabalhadoras no Sistema Único de Saúde (SUS)”. A medida foi caracterizada por Tonietto como a instituição da ideologia de gênero no país.

Diretora-geral do Coletivo Bereia, Magali Cunha afirma que, ao longo dos primeiros três meses do governo, o modelo de desinformação segue os mesmos moldes do ano passado, na campanha eleitoral:

— O discurso ainda permanece o mesmo e com alguma repetição na formação de memes que são criados com alertas de pânico e em torno de alguns vídeos. Uma diferença que nós estamos observando são alguns personagens que não estavam tão evidentes, como Nikolas (Ferreira) e Michelle Bolsonaro, que ocupa o lugar de Damares que agora está mais discreta.


Fonte: O GLOBO