Ajuste no texto impede que arrecadação extraordinária vire gasto permanente e direciona dois terços do superávit além da meta ao pagamento de juros

Na semana em que o governo se prepara para enviar ao Congresso a proposta do novo arcabouço fiscal, o Ministério da Fazenda finalizou ajustes na regra que fecham brechas, buscam eliminar risco de aumento excessivo de gastos e definem o que fazer em caso de resultado melhor que o esperado.

Em linhas gerais, os aperfeiçoamentos dão um caráter mais fiscalista ao texto, permitindo acelerar o controle da dívida pública, um dos questionamentos feitos por economistas e analistas de mercado.

O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, disse ao GLOBO que o desenho final inclui um parâmetro para que um aumento súbito de arrecadação se traduza não só em investimentos como também em melhora das contas, o que ajuda a trajetória da dívida pública.

Em razão da viagem do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, à China, o vice-presidente Geraldo Alckmin e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, devem ficar responsáveis por encaminhar a regra fiscal ao Legislativo até o fim desta semana.

Com base nos dados de 2023, está previsto na regra um total de R$ 75 bilhões para investimento. Esse valor será o piso para o aporte público corrigido pela inflação a cada ano. Se o governo quiser ampliar ou dobrar o montante, isso é permitido, desde que garanta no mínimo esse piso mais a inflação.

Quando a regra foi divulgada, em 30 de março, o desenho proposto indicava que, se o resultado das contas fosse melhor do que o cenário mais favorável (ou seja, acima do limite máximo previsto pelo governo), haveria um “bônus” para aplicar em investimentos públicos, um valor além dos R$ 75 bilhões já previstos.

Esses gastos seriam temporários, financiados pelo excesso de arrecadação, e ficariam fora do limite de despesas.

Agora, com o ajuste na proposta, foi definido que esse “bônus” seria de até R$ 25 bilhões para este ano, caso as contas tenham resultado melhor que o previsto. Na prática, isso significa que o investimento só pode ser ampliado em até um terço do piso previsto para o ano. Se mesmo com a definição do bônus houver sobra de recursos, o valor extra vai compor o superávit.

— Vai ter um valor quantitativo proporcional ao investimento hoje. Deve ser um terço do investimento hoje. Se for R$ 100 bilhões o adicional, fica limitado ao valor quantitativo — disse o secretário.

Assim, se houver uma grande quantidade de receita num ano, isso vai ajudar a melhorar o resultado das contas públicas e, como consequência, a dívida. O governo se endivida para cobrir o déficit e pagar os juros sobre essa dívida. Um endividamento maior tende a gerar juros mais altos e menor crescimento econômico.

Sem contar receita extra

Outro aperfeiçoamento elimina o risco de criação de gasto permanente com base em um salto temporário de receita.

O novo arcabouço prevê que o crescimento real das despesas federais seja limitado a 70% do avanço da receita primária líquida registrada em 12 meses até junho do ano anterior. O governo decidiu, porém, que não vai computar nesse cálculo receitas extraordinárias, apenas as que são recorrentes, como o pagamento de impostos, por exemplo.

Ou seja, se o governo fizer um leilão de petróleo e arrecadar bilhões de reais, eles não serão considerados na hora de definir o valor das despesas. Isso evita que o governo use uma entrada de recursos que não tem previsão de se repetir no ano seguinte para criar gastos que têm caráter permanente, como um aumento de salários, por exemplo.

— A gente está buscando criar uma receita recorrente e expurgar as receitas extraordinárias. Esse foi um comentário que a gente ouviu, de que uma receita extraordinária poderia afetar e, a partir dela, contratar despesa permanente. A gente está criando algo que será sustentável por 15, 20 anos. É melhor que seja uma coisa que tenha menos oscilação de fato. Então essa regra recorrente é uma coisa que pode funcionar melhor — disse Ceron.

As despesas sempre crescerão entre 0,6% e 2,5% ao ano acima da inflação, mesmo se a arrecadação levar a percentuais maiores ou menores que isso. De acordo com o governo, 0,6% foi o valor de crescimento real médio das despesas durante a vigência do teto de gastos (a regra fiscal em vigor), e 2,5% é a média anual de crescimento da economia nos últimos 30 anos.

— O arcabouço tem duas grandes essências: manter uma relação em que as despesas crescem menos que a receita e limitar o crescimento a 2,5%. Esse é o crescimento médio do PIB dos últimos 30 anos da economia brasileira.

Faltam R$ 100 bilhões

O governo colocou como meta zerar o déficit em 2024, fazer um superávit de 0,5% do PIB em 2025 e de 1% do PIB em 2026. Para isso, Ceron calcula que o governo terá de aumentar as receitas líquidas (descontando transferências para estados e municípios) em R$ 100 bilhões por ano. O Executivo vai buscar essa arrecadação corrigindo distorções, afirma o secretário.

— A escolha é: vamos beneficiar alguns grupos econômicos que estão fazendo uso indevido da legislação ou vamos fazer a nossa reparação social? Quem vai escolher é a sociedade. Nós estamos convictos de que temos que acabar com isso para poder manter o eixo de reparação social com responsabilidade fiscal. Se não tiver isso, a despesa vai crescer menos.

O ministro Haddad afirmou ontem que as “pendências” da regra fiscal foram finalizadas. Ele negou mudança no texto do arcabouço. Os últimos “pequenos detalhes” da proposta foram “validados” em reunião com o ministro da Casa Civil, Rui Costa.

— As pendências estão fechadas. Os técnicos vão redigir agora as decisões que foram tomadas, e fica a cargo do Ministério do Planejamento [enviar da proposta ao Congresso]. As decisões políticas já foram tomadas. Agora é um trabalho técnico de aperfeiçoamento da redação — afirmou Haddad. *(Colaborou Renan Monteiro)


Fonte: O GLOBO