Torcedores dos rivais querem deixar para trás episódios de derrotas internacionais no estádio, e começam a Liberta de olho em final no Rio

A Conmebol definiu que a final da Copa Libertadores da América deste ano será realizada no Maracanã. O modelo de decisão em jogo único foi implementado na competição em 2019, e esta será a segunda vez em cinco anos que o estádio carioca é escolhido para a partida. 

Na edição de 2020, com público restrito por causa da pandemia de Covid-19, o Palmeiras sagrou-se campeão vencendo o Santos. Participantes nesta temporada, Flamengo — atual campeão da América — e Fluminense querem chegar à decisão em casa.

Nesse cenário aparentemente ideal, é possível que a dupla de rivais precise enfrentar mais que um adversário difícil, caso algum dos times chegue ao jogo derradeiro da mais importante competição de clubes do continente. Ambos acumulam mais de um trauma a nível continental no estádio. 

O Fluminense, em 2008, chorou a perda da chance do primeiro título de Liberta, sendo vice-campeão em casa para a equatoriana LDU, episódio que é um dos mais improváveis da história do torneio. Já o Flamengo tem um bem recente: perdeu a final da Recopa Sul-Americana deste ano no Maraca, para o Independiente Del Valle, outro clube do Equador.

Nem a própria Seleção Brasileira escapa da tal maldição. Além da recente final de Copa América perdida para a Argentina no estádio, em 2021, a final da Copa do Mundo de 1950, contra o Uruguai, é um dos episódios mais traumáticos da história do país. Quando se trata de decisões a nível continental ou mundial, os Maracanazzos são até frequentes com as equipes mandantes.

Mesmo diante deste histórico, clubes e torcidas não contam muito com esta possibilidade. O sonho de ganhar a "Glória Eterna", slogan vinculado à Libertadores nos últimos anos, é o que já move as temporadas de Fla e Flu. Enquanto os rubro-negros sonham em conquistar o tetracampeonato em casa, e se tornar o clube brasileiro com mais títulos da competição — São Paulo, Santos, Grêmio e Palmeiras também têm três —, os tricolores querem ser coroados em casa pela primeira vez.

Na noite desta segunda-feira, foi realizado na sede da Conmebol, na cidade paraguaia de Luque, o sorteio da fase de grupos da nova edição. Os jogos já começam a partir da primeira semana de abril. Atual campeão, o Flamengo ficou no grupo A, junto de Racing (Argentina), Aucas (Equador) e Ñublense (Chile). Já o Fluminense caiu no grupo D, ao lado de River Plate (Argentina), The Strongest (Bolívia) e Sporting Cristal (Peru). Os primeiro seis jogos dos sonhados treze estão traçados.

Acerto de contas com o passado

Para os tricolores, a final no Maracanã é sinônimo de redenção. Uma oportunidade de deixar para trás a noite dolorosa de 2 de julho de 2008, e cobrar a recompensa por um final nada feliz. Após uma campanha excepcional naquela edição da competição, o time perdeu o título para a LDU nos pênaltis, diante de um público de mais de 80 mil presentes. Um dia que muitos prefeririam esquecer.

Neivaldo Leite, de 62 anos, não é um deles. Ele estava presente na arquibancada durante a partida contra o time de Quito e fez questão de levar a esposa e o filho para assistir ao jogo que, segundo ele, foi um resumo perfeito do que é o esporte: épico, desafiador e apaixonante.

— Foi uma noite épica com um final triste. Apesar do resultado, saí com a sensação de dever cumprido, com uma partida brilhante para encerrar uma copa brilhante. É isso que torna o futebol apaixonante. A lição ficou daquela vez, mas agora vamos levar — afirmou.

Com uma boa dose de esperança e muito amor pelo clube, paira sobre os tricolores a fé de que, em 2023, o time vai levar a tão sonhada taça para o bairro de Laranjeiras. Neivaldo sonha com mais que isso. Ele espera ver, no mesmo gramado, o pagamento de uma conta que está pendente há 15 anos.

Tenho confiança absoluta de que podemos fazer uma correção da história, chegou a hora de botar em prática o que aprendemos lá atrás. Não existe oportunidade melhor para o Fluminense — contou o torcedor.

A 300km do Rio de Janeiro, confiança é o que não falta para o corretor imobiliário Mário Schiavon, morador de Ubá, no interior de Minas Gerais. Também presente na traumática final da Libertadores, ele pretende, em mais uma de suas aventuras pelo clube, estar no Maracanã em novembro. De volta ao estádio carioca, trará a intenção de finalmente apagar o resultado de 2008, mas não o que viveu na arquibancada.

— Aquela foi a maior festa que eu já vi em um estádio de futebol em toda a minha vida. Tudo foi perfeito, exceto os pênaltis. Dá tristeza de perder o título, porém não tira a grandiosidade da festa. Nunca teve algo daquele tamanho, nem o Fluminense repetiu — relembrou.

Mário também tentou assistir à final da Sul-Americana de 2009, perdida para os mesmos equatorianos. Apesar do ingresso em mãos, guardado até hoje, ele não conseguiu estar presente. O motivo: estava em Curitiba e seu voo atrasou. Chegou ao Rio quando o jogo já tinha acabado, e recebeu a triste notícia pelos amigos que estavam no estádio.

Diante da nova chance dada pela Conmebol, após o trauma de anos atrás, Mário anseia pela possibilidade de estar em mais uma decisão continental. O palco é o mesmo, mas ele acredita que, se existe uma maldição, ela pode ser quebrada.

— Preciso enterrar o que aconteceu naquele dia. Espero que o Fluminense consiga fazer uma grande Libertadores, a torcida tricolor merece acertar essa conta com o passado — contou o torcedor, que se diz pouco supersticioso. — Estou muito esperançoso de que, se houver uma maldição, ela acabe em novembro com a vitória do meu tricolor.

Seja maldição, superstição ou esperança, algo paira sobre a torcida tricolor quando o assunto é Liberta em casa. Não foi necessário estar no estádio para sentir o peso da derrota contra a LDU. Na época, com apenas dez anos, Diogo Carvalho, hoje com 25, viveu a pressão de um jogo cheio de emoções e que, por pouco, não levou o Fluminense ao seu primeiro título do maior torneio de clubes do continente.

— Meu pai saiu às 5h da manhã de casa para comprar o ingresso em Laranjeiras, mas não conseguiu. Ele trouxe fogos para comemorar e ver o jogo em casa. Durante os pênaltis, fui no céu e voltei e, no fim, não comemoramos. Quando o Fluminense perdeu, fiquei sem reação, nós dois engolimos o choro — contou o torcedor, que frequenta com o pai, desde os dois anos, o estádio, vestindo a camisa do time.

Para ele, existe um mistério sobre as finais internacionais no Maracanã, mas isso não quer dizer que seu time não possa solucioná-lo. Seja no desempenho no campo ou na arquibancada, com “a benção de João de Deus”, como diz uma das canções milagrosas da torcida tricolor.

— O futebol é inexplicável, exotérico até. Eu tremi quando soube que seria no Maracanã, mas essa maldição tem que ser quebrada. Por mais que eu tenha medo de tudo se repetir, também acredito que essa possa ser a nossa chance de pegar de volta o que foi tirado da gente — afirmou. — O Fluminense tem total chance de ir para a final com o time atual. O grito do título está entalado na garganta do torcedor há tempo demais.

Da chance perdida em 2020, ao sonho do tetra

A busca pelo tetracampeonato não parece ser mais fácil que o sonho do primeiro título. Afinal, os rubro-negros querem se tornar hegemônicos na competição. Vindo de um começo de temporada muito turbulento, que incluiu derrotas em campeonatos internacionais — a Recopa, perdida para o Independiente Del Valle no Maracanã —, os resultados do Flamengo deixam os torcedores apreensivos com o futuro desempenho do time na Libertadores deste ano.

Presente em três das últimas quatro finais, o time da Gávea arrastou milhares de torcedores pelo continente, atrás do bi e do tricampeonatos. Desta vez, o sonho do tetra poderá ser alcançado por um caminho sem voos ou hotéis. Um trajeto já conhecido de cor pela torcida, que termina, inevitavelmente, na Avenida Maracanã, em frente ao setor norte do estádio.

Enzo Marino esteve nas finais de 2019, em Lima, no Peru, e de 2021, em Montevidéu, no Uruguai. Assistir às vitórias do time no exterior não foi fácil, nem barato, mas ele não se arrepende e sabe que a emoção vivida foi inesquecível. Agora, ele tem a intenção de estar em mais uma, ao lado do pai. A possibilidade da conquista em casa é um elemento diferenciado.

— A final é um filme totalmente novo, diferente de tudo que acontece nas fases prévias. Seu time pode ser favorito, mas são 90 minutos de imprevisibilidade. Cada momento é épico. Acho que não tem nada melhor do que se consagrar campeão dentro do estádio que você cresceu indo, onde você aprendeu a gostar de futebol — contou o economista.

O Flamengo perdeu a final da Copa Sul-Americana de 2017, para o Independiente, e a Recopa Sul-Americana para o Independiente Del Valle, há cerca de um mês. A memória dos vices nessas decisões são inevitáveis. A primeira, perdida para os argentinos, foi algo "energético", segundo Enzo. Já a Recopa, para ele, é uma prova de que não há maldição nenhuma.

— No mesmo cenário em que perdemos a Recopa neste ano, vencemos em 2020. A maldição não tira meu sono. Acho que é muito mais sobre sintonia da equipe e a história de cada jogo. Prefiro focar na técnica e na tática de cada time — contou.

Apesar do momento de desconfiança sobre a equipe treinada por Vítor Pereira, o restante da temporada pode recolocar o rubro-negro no status de favorito. Presente nas últimas três finais do Flamengo em Libertadores, a última em Guayaquil, cidade equatoriana, o torcedor Leandro Vieira acredita que o time chegará à final no Maracanã.

A ideia é estar presente, diante da possibilidade desta oportunidade única para o clube da Gávea. Ao mesmo tempo, a procura por ingressos deve aumentar. A logística facilitada, principalmente para moradores do Rio de Janeiro, é vista pelo professor de sociologia como atrativo para uma demanda reprimida de flamenguistas que não puderam sair do país nas vezes anteriores.

A última chance de disputar a decisão em casa aconteceu em 2020. Apesar do ânimo da torcida com o elenco campeão de Jorge Jesus, a pandemia de Covid-19 mudou o rumo do campeonato. O português saiu, Rogério Ceni assumiu, e o Flamengo caiu nas oitavas de final para o Racing — adversário no grupo deste ano. A final foi vencida pelo Palmeiras, rival nacional nas temporadas. Qualquer final é desejada pelo torcedor do clube, ainda mais em casa, mas Leandro não lamenta tanto a ausência rubro-negra naquela partida.

— Ainda bem que o Flamengo não foi. Porque, se o time estivesse naquele jogo e a gente não pudesse estar presente, ia dar uma raiva muito grande — afirmou o professor, que também esteve nos dois vices continentais anteriores no Maracanã.

Para Leandro, o primeiro foi a maior decepção. O título contra o Independiente seria chave para um clube que estava passando por um longo momento de reestruturação, e começando a coletar os primeiros frutos em campo. Porém, mesmo com o histórico, ele acredita que a possível maldição seja, na verdade, algo quase palpável: a pressão.

— Brincadeiras à parte, não sou supersticioso a esse ponto. Mas existe, em jogos grandes no Maracanã, uma pressão no Flamengo. Acho que deriva mais de uma ansiedade. Essa maldição tem tudo para acabar, esse é um bom ano para isso.


Fonte: O GLOBO